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Reforma tributária: governo quer ampliar cashback para saneamento e não descarta alimentos, diz Appy

Devolução de tributos pagos pelos mais pobres será discutida junto com escolha de quais produtos entrarão na nova cesta básica nacional

Foto do author Mariana Carneiro
Foto do author Bianca Lima
Por Mariana Carneiro e Bianca Lima

BRASÍLIA - O secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, afirma que o governo está decidido a propor que a população de baixa renda tenha acesso ao cashback nas contas de água e esgoto, com a devolução de valores gastos com a tributação. A emenda constitucional aprovada no Congresso já prevê a devolução dos tributos incidentes sobre as contas de energia elétrica e gás de cozinha.

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Ele acrescentou que há uma discussão interna no governo sobre a extensão do benefício também para o consumo de alimentos, mas ainda não há decisão fechada. Isso porque o tema será objeto de debate em um dos 19 grupos de trabalho instalados para elaborar os anteprojetos da regulamentação da reforma tributária. A expectativa dele é que a primeira versão dos três projetos de lei complementar seja apresentada no fim de março.

“Nós, o governo federal, vamos propor que tenha cashback também para saneamento básico, porque caiu o regime específico na última votação na Câmara. Tem uma discussão sobre a tributação de alimentos, se vai se utilizar cashback também ou não. É uma discussão que vai ser feita, mas é uma possibilidade”, afirmou Appy em entrevista ao Estadão.

Segundo ele, a emenda constitucional aprovada pelo Congresso determina o cashback para energia elétrica e gás, mas não impede que outros produtos sejam atendidos. Trata-se de um mecanismo pelo qual o governo “devolve” o valor pago em impostos nas contas da população de baixa renda.

O secretário especial da reforma tributária, Bernard Appy Foto: Wilton Junior/Estadão

Além disso, afirma Appy, o cashback é uma das poucas exceções que permitirão à União aplicar regras de tributação diferentes das que serão adotadas por Estados e municípios no novo modelo de cobrança de impostos. Ou seja, os entes locais poderão usar o sistema para produtos nos quais a União não necessariamente considere fazer o mesmo.

Isso é possível porque a reforma prevê a criação de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual: haverá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá três tributos federais (IPI, PIS, Cofins); e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará dois impostos regionais (ICMS e ISS). Essa transição será concluída até 2033.

No ano passado, durante as discussões preliminares da reforma, Appy chegou a dizer que o efeito do cashback na vida dos consumidores de baixa renda poderia ser imediato, por meio de um desconto no valor da compra no caixa do supermercado, por exemplo. O formato atual, porém, ainda está em análise.

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O cashback será discutido pelo mesmo grupo que tratará do formato da nova cesta básica nacional. É neste momento em que se decidirá quais produtos entrarão na lista de taxação zero e, por isso, há expectativa de forte pressão de grupos de interesse empresariais.

Appy afirma que o intuito de colocar os dois temas sob o mesmo guarda-chuva é tratá-los do ponto de vista de impacto social. Há, porém, uma escolha a ser feita: quanto maior o número de itens na lista da cesta básica isenta, menor será o espaço disponível para ampliar o cashback.

Um dos objetivos do governo com a reforma foi reduzir o peso da tributação sobre o consumo das famílias mais pobres.

São três os ingredientes que definirão como será o resultado, em termos distributivos, afirma o secretário. Além do volume de recursos devolvidos via cashback, entram no cálculo a composição dos itens da cesta básica e a alíquota padrão que prevalecerá após a regulamentação.

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“(Cesta básica) é determinante também, é um dos elementos. Dentro da cesta básica, por exemplo, tem produtos que têm peso maior no consumo dos mais pobres do que no consumo dos ricos. Então, todas essas questões têm de ser consideradas na discussão”, afirma o secretário.

A alíquota de referência que incidirá sobre a maioria das atividades dependerá do quanto serão taxados os setores e serviços que se refugiaram em regimes específicos de tributação. As informações preliminares dadas pela equipe econômica no final da votação da reforma no Congresso, no ano passado, indicavam que o porcentual girava em torno de 27%, apesar do aumento de exceções inseridas no Senado.

Appy afirma que o governo tem cálculos precisos sobre o nível projetado para a nova alíquota, mas que só serão tornados públicos para a negociação com o Congresso. Ele afirma que um porcentual mais baixo não atende apenas aos interesses distributivos, mas a todas as atividades que serão taxadas pela alíquota de referência.

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“A sociedade como um todo prefere uma alíquota padrão menor”, disse. “Quanto mais os (setores) que têm alíquota reduzida forem beneficiados, mais os outros terão alíquota mais alta. É uma questão que tem que ter uma decisão política. Essa máxima prevalece na discussão sobre os regimes especiais.”

Um dos trabalhos da regulamentação será definir como cada produto ou serviço da economia entra nas categorias descritas pela emenda constitucional, dando acesso a uma tarifa maior ou menor a depender da classificação. Por isso, a atenção redobrada do setor privado nessa fase da reforma tributária, de um lado, e a preocupação do governo, do outro, para garantir composições que produzam os efeitos desejados em termos distributivos e arrecadatórios.

“Há regimes específicos que são de caráter técnico, como combustíveis, setor financeiro e operações com bens imóveis. Outros entraram por razões políticas, como bar, restaurante, turismo… Nesses daqui, obviamente, a expectativa deles é ter uma alíquota menor do que a padrão. Mas isso é uma questão que vai ser discutida aqui e no Congresso”, disse Appy.

Em um dos temas que tocam principalmente a classe média, a tributação incidente sobre serviços de educação e saúde, o entendimento do secretário é de que as reduções de alíquota já aplicadas garantem a neutralidade tributária. Ou seja, não haverá aumento de carga. Por isso, não há planos de eventuais compensações via cashback, como chegou a ser aventado nas discussões da reforma.

“Quando eles olham o que pagam em tributos, esquecem todo o efeito de cumulatividade que tem o imposto que eles estão pagando e que eles não estão vendo, quando adquirem bens e serviços”, afirmou. Isso significa, na visão de Appy, que o fim da cumulatividade beneficiará também estes setores. “A diferença, agora, é que será transparente.”

Appy vai coordenar o grupo que irá sistematizar as propostas recebidas pelos 19 grupos de trabalho. Neste time, terá pessoas indicadas por Estados e municípios, além de servidores da Receita Federal. O intuito dele é que a composição, também nos grupos temáticos, espelhe a divisão de poderes da federação, o que tende a facilitar a tramitação no Congresso.

Simultaneamente, o secretário elabora uma proposta de reforma tributária, dessa vez da renda, para tratar dos impostos que incidem sobre rendimento e patrimônio. A emenda constitucional aprovada no ano passado determina que o governo apresente uma proposta em 90 dias ao Congresso. Appy afirma que sua equipe também trabalha nessa frente, ma que a decisão sobre o que enviar será política.

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“A decisão sobre o que vai ser enviado não está fechada. A gente está fazendo o trabalho técnico, e o nosso trabalho técnico é amplo”, afirmou Appy, indicando que o governo tem no cardápio mudanças relevantes para essa etapa. “A gente trabalha com mais de uma opção. Colocamos prós e contras, do ponto de vista técnico e político. Depois, tem uma decisão política do que vai ser enviado.”

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