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Selic a dois dígitos deve comprometer aberturas de capital na Bolsa em 2022

Para especialistas, em meio a um ambiente de juros mais altos, risco fiscal e falta de previsibilidade da agenda do governo, os IPOs previstos para o primeiro trimestre podem ficar prejudicados

A sinalização de que a Selic, taxa básica de juros da economia, vai chegar logo aos temidos dois dígitos (alguns bancos já preveem a taxa em 12% no começo do próximo ano), agravou o cenário já ruim para as ofertas de ações e tem potencial para colocar fim a um ciclo historicamente inédito de entrada de novas empresas na Bolsa de Valores. Para especialistas, em meio a um ambiente de juros mais altos, risco fiscal e falta de previsibilidade da agenda do governo, os IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) previstos para o primeiro trimestre estão comprometidos.

Os investidores já estão "ariscos" há alguns meses. Do estágio de inicialmente assustados com os ânimos acirrados entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário, passaram a definitivamente chocados com o anúncio do furo no teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas. Cerca de 70 IPOs já foram cancelados este ano - dos quais cerca de R$ 7 bilhões somente na semana em que ficou claro que haveria o furo no teto.

Prédio da B3, a Bolsa brasileira, no centro de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão - 18/06/2021

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Na semana passada, após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que a Selic foi elevada a 7,75%, as chances de manutenção de um juro de um dígito, que tantos investidores trouxe à bolsa, foram por água abaixo. BNP Paribas, Asa Investments e Opportunity, por exemplo, elevaram suas previsões e veem a taxa básica a 12% no ano que vem. O banco Mizuho já fala em 12,75%. "Os riscos fiscais devem persistir e vão empurrar a Selic para os dois dígitos", afirma o economista-chefe para mercados emergentes da inglesa Capital Economics, William Jackson.

Gestores acreditam que a Selic em dois dígitos elimina o apetite do investidor que busca retorno de curto prazo na Bolsa e também das pessoas físicas que vinham se educando e cada vez mais sendo atraídas pelas ações. "Sem dúvida que prejudica", afirma o sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central. A bolsa está ficando mais atrativa, ressalta ele, apenas para os investidores estrangeiros, pois as ações estão cada vez mais baratas em dólar. Ao mesmo tempo, esses investidores têm mostrado pouca animação com o Brasil. Nos IPOs, a participação de estrangeiros está na média em 36% este ano, bem abaixo dos 70% há 10 anos.

Na semana passada, após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que a Selic foi elevada a 7,75%. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o diretor de um banco de investimento estrangeiro, o movimento da Selic saindo dos 2% e indo para até o nível atual, na casa dos 7% a 8%, não é um grande problema para o mercado de capitais e as operações tenderiam a continuar ocorrendo. "Mas, com a taxa voltando para dois dígitos, nos 10%, 11%, já é outra discussão, porque toda a migração que vimos da renda fixa para a variável corre o risco de naturalmente retornar para renda fixa." Com isso, a seletividade para comprar ações vai aumentar consideravelmente.

E após bater nos dois dígitos, as taxas devem seguir altas. "Vamos ter de ter juros altos por um ano", afirmou o sócio-fundador e presidente da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, em evento da Anbima.

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Na visão de instituições financeiras, a Selic a dois dígitos, que agora passou a ser o cenário-base, já vinha sendo esperada e o juro é apenas parte de um arcabouço de más notícias para a renda variável, que inclui o aumento do risco fiscal, ruídos políticos e o desempenho ruim das ações de novatas na B3. "A alta da Selic e a expectativa de outra elevação de 1,5 ponto na próxima reunião não mudou em nada a perspectiva negativa que já havia para os IPOs", diz o sócio e gestor da JGP, Marcio Correia. Para ele, as dúvidas criadas em relação ao equilíbrio fiscal e o comprometimento econômico, somados à aversão do investidor pela Bolsa podem reverberar inclusive no apetite para ofertas do começo do ano que vem.

Após última reunião do Copom, BNP Paribas, Asa Investments e Opportunity elevaram suas previsões e veem a taxa básica a 12% no ano que vem Foto: André Dusek/Estadão

Roberto Reis, um dos sócios da gestora Meraki Capital, diz que a casa já trabalhava em um cenário de juro de dois dígitos e com a possibilidade de não participar de novas ofertas pelo menos até o final do ano. No entanto, ele defende ser cedo para afirmar que os IPOs de 2022 estão sob risco. "Vai depender do comportamento do mercado no exterior e da direção das eleições no Brasil." Para ele, é cedo para afirmar sobre o apetite para as novas ofertas. "Se o mercado melhorar em novembro e dezembro, as ofertas podem voltar no primeiro trimestre do ano que vem", acredita.

Na avaliação de um gestor de outra grande casa que não quis se identificar, a chegada de uma terceira via para disputar as eleições presidenciais do ano que vem pode levar o mercado de ações de novo para cima. Naopinião dele, o mais importante é a aparição de uma alternativa aos candidatos que lideram as pesquisas hoje - o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro.