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Julgamento do STF que pode anular decisões tributárias já julgadas volta à estaca zero; entenda

Avaliação que estava ocorrendo no plenário virtual foi suspensa e será retomada no plenário presencial, com placar zerado; para especialistas, maior temor é a insegurança jurídica

Foto do author Luis Filipe Santos
Por Luis Filipe Santos e Lavínia Kaucz

São Paulo - O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa se decisões que autorizaram contribuintes a não pagar determinado tributo podem ser anuladas automaticamente por uma nova decisão do próprio STF voltou à estaca zero. O ministro Edson Fachin pediu destaque no julgamento, que estava ocorrendo no plenário virtual. Com isso, o julgamento passa para o plenário presencial, e o placar será zerado. Cabe à presidente da corte, Rosa Weber, pautar novamente o tema.

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Os ministros discutem o que acontece com a decisão tributária, em caso individual, transitada em julgado (definitiva, por não caber mais recursos) quando o STF toma uma nova decisão considerando que o tributo é constitucional. A decisão pode afetar todos os julgamentos relativos a tributos na Corte e até mesmo casos passados em que a jurisprudência já foi formada, o que especialistas avaliam que pode provocar insegurança jurídica.

Fachin, relator da ação, havia votado a favor da quebra automática da decisão anterior, acompanhado por outros cinco ministros (Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Rosa Weber e Gilmar Mendes). Outro julgamento, com assunto parecido e relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, também foi suspenso pelo pedido de destaque; Barroso havia igualmente se manifestado a favor da quebra automática. Ou seja, já havia uma maioria formada nesse sentido no plenário virtual.

Entenda

Atualmente, quando o STF profere decisão em sentido contrário a uma anterior que foi favorável ao contribuinte, a União deve ajuizar ação rescisória em até dois anos para desfazer os efeitos da sentença. O caso vai para a Justiça, que pode decidir ou não a favor da Receita Federal.

Hoje em dia, quando um contribuinte obteve decisão favorável na Justiça após trânsito em julgado, é autorizado a deixar de pagar o tributo. Pelo julgamento agora suspenso, esse direito poderia ser afetado anos depois, caso o STF determine que determinado tributo é, de fato, constitucional. Assim, a Receita Federal poderia exigir o pagamento de forma automática, sem passar pela ação rescisória.

No entanto, os ministros ainda debatem se a perda do direito seria imediata. Barroso e Fachin consideraram que o ato seria igual ao de criar um novo tributo, portanto, seria preciso respeitar o princípio da anterioridade, regra que determina que, uma vez instituído tributo novo ou majorado tributo existente, é necessário que se aguarde o próximo ano para início da cobrança, respeitado ainda o prazo mínimo de 90 dias. Outro ponto é a irretroatividade, ou seja, se poderiam ser cobrados os impostos do período anterior à mudança de jurisprudência.

Edson Fachin, relator do caso, pediu destaque, o que fará com que o placar do julgamento seja zerado Foto: Nelson Junior / SCO / STF

Por fim, também é importante a “modulação de efeitos”, ou seja, os casos em que já houve mudança de jurisprudência, quando um contribuinte foi autorizado a não recolher determinado tributo que posteriormente teve sua constitucionalidade definida pelo STF. Antes, Fachin e Barroso haviam votado para que a data válida passasse a ser a do atual julgamento, ou seja, daqui para a frente. Porém, na última sexta, 18, ambos haviam feito ajustes em que a data utilizada passaria a ser da alteração de entendimento do tema individual daquele imposto.

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Os casos em discussão envolvem a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No caso do tributo, que teve a constitucionalidade definida em 2007, as cobranças passariam a ser possíveis por todos esses anos para que os que haviam conseguido a isenção na Justiça. No entendimento anterior dos relatores, seria apenas a partir de 2022.

Outros exemplos de matérias que poderiam ser afetadas são a aplicação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF em 2020, e a contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias dos trabalhadores, também de 2020.

Insegurança jurídica

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a mudança que se desenhava poderia causar insegurança jurídica, por permitir a quebra automática sem o uso de mecanismos como a ação rescisória. Com o pedido de destaque de Fachin, espera-se que os ministros reconsiderem a questão.

“Caso mantida a decisão da forma como adotada pela maioria do STF, referido julgamento impactará significativamente aqueles contribuintes que tinham decisões individuais transitadas em julgado que os dispensavam do pagamento do tributo. Há, de certa forma, mitigação da coisa julgada material e do princípio da segurança jurídica”, considera João Victor Amorim de Souza, advogado tributarista e dono do escritório JVAS Advocacia.

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“Espera-se que, com o reinício do julgamento, os Ministros levem em conta a garantia da coisa julgada e respeitem os mecanismos existentes para reversão de decisões definitivas, por meio da chamada ‘ação rescisória’, que tem prazo de dois anos para ser proposta. Da forma como vinha caminhando, a segurança jurídica seria totalmente desrespeitada”, afirma Daniel Moreti, doutor em Direito Tributário pela PUC/SP.

“Imagine a situação de um contribuinte que obteve decisão definitiva para deixar de pagar o IPI na revenda de importados e, em razão de um novo posicionamento do STF acerca do tema, independentemente do tempo decorrido, se vê obrigado ao pagamento do tributo, inclusive em relação ao período que vai do trânsito em julgado da sua decisão e a nova decisão do STF”, avalia Moretti.

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