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Diversidade e inclusão: Como transformar o discurso em ações práticas dentro da empresa

Apesar de estar na mira de muitas companhias, tema no Brasil ainda engatinha; grupos que já avançaram na pauta revelam o que fazem na prática para ter ambientes mais diversos e equânimes

Por Bianca Zanatta
Atualização:

Os termos diversidade, equidade e inclusão (DE&I) fazem parte do vocabulário da maioria das empresas. Mas, do léxico à ação, há uma distância enorme. Apesar do discurso, colocar em prática algumas medidas não têm se mostrado uma tarefa fácil. Exemplo disso é uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho da ONU (OIT) que mostra que 87% das empresas têm o desejo de ser reconhecidas por valorizar a diversidade, mas apenas 60% desenvolveram programas que preparam o ambiente para isso.

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Os grupos mais impactados pela falta de ações reais, segundo o estudo, são os negros, pessoas com deficiência (PCD), refugiados, pessoas LGBTQIA+, ex-detentos e a população com mais de 50 anos. O gap entre discurso e ação tem uma série de motivos, mas o principal é a falta de engajamento das próprias lideranças, diz a cofundadora da startup Plurie br, Laura Salles.

Segundo ela, empresas estrangeiras levam o tema com mais seriedade, enquanto no Brasil o discurso ainda é muito raso. “Há CEOs que não estão engajados com a mudança e veem como algo que diz respeito só ao RH”, diz Laura. “É preciso incluir e engajar todas as lideranças, até mesmo atrelando a questão ao bônus do C-Level e tendo líderes com metas de diversidade.”

Laura Salles diz que empresas estrangeiras levam o tema com mais seriedade, enquanto no Brasil o discurso ainda é muito raso. Foto: Paulo Barros

A especialista afirma também ser necessário fazer um diagnóstico da demografia e do senso de pertencimento do time para então implementar ações efetivas, ao invés de atirar para todos os lados. “Tem escolher suas batalhas. Querer fazer tudo ao mesmo tempo deixa a organização desfocada.” Outra preocupação é atrair talentos diversos, mas pensar em como retê-los. Para isso é necessário pensar programas de capacitação e treinamentos para que as pessoas evoluam dentro da empresa.

Sem bala de prata

Um exemplo de como estruturar e avançar neste território é o do Grupo Boticário, que construiu sua agenda considerando cinco dimensões: equidade de gênero, gerações, equidade racial com foco na população negra, PCD e pessoas LGBTIQIA+ e suas interseccionalidades. Na prática, a organização criou iniciativas que vão da porta de entrada, como vagas afirmativas e um programa de empreendedorismo da beleza para mulheres em situação de vulnerabilidade social, a ações de desenvolvimento interno, como a capacitação em tecnologia e um programa de mentoria para grupos minorizados, entre muitas outras.

Boticário criou iniciativas como programa de empreendedorismo da beleza para mulheres em situação de vulnerabilidade social, capacitação em tecnologia e programa de mentoria para grupos minorizados. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“É uma caminhada que não tem bala de prata. Diferentes ações são necessárias para buscar talentos de todos os grupos da sociedade e retê-los, bem como desenvolver os internos e assegurar a progressão de carreira”, diz Viviane Pavanelli, gerente sênior de diversidade e cultura do grupo, que assumiu seis compromissos em 2020 envolvendo o tema. “Entre as metas, queremos garantir a representatividade das pessoas de grupos minoritários nos cargos de liderança. Iniciamos com a ambição de atingir 25% de lideranças corporativas negras até 2023 e atingimos esse patamar no meio de 2022″, diz a executiva.

A empresa também oferece apoio psicológico e orientação jurídica a pessoas que estão em transição de gênero, pretende chegar a 50% de mulheres na diretoria até 2025 e foi uma das primeiras organizações brasileiras a oferecer licença parental universal e 100% remunerada aos seus mais de 14 mil colaboradores em todo o País - são 180 dias para mães ou pessoas que gestam e 120 dias obrigatórios para as pessoas não gestantes.

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Segundo a executiva, o impacto desse conjunto de ações está refletido nos indicadores. “Quando lançamos as metas corporativas para mulheres na diretoria há mais de 5 anos, o nosso patamar era de 20%. Com intencionalidade, chegamos a 38% em 2 anos”, exemplifica.

Foco nos programas

No caso do Banco BMG, a CEO Ana Karina Bortoni conta que o primeiro passo ocorreu com a criação dos grupos de afinidade, que se tornaram peça-chave para provocar a organização, trazer reflexões importantes, fomentar a cultura de valorização da diferença e sugerir ações a serem priorizadas. A área de Diversidade e Inclusão foi oficialmente criada em 2021, com a alocação de pessoas e recursos, e agora ganhou mais tração, expandindo a agenda com ações afirmativas, assinatura de compromissos públicos e ativações que reforçaram ainda mais a cultura de diversidade e inclusão da empresa.

Ana Karina, CEO BMG, disse que primeiro passo foi criar grupos de afinidades Foto: Silvia Zamboni

“Uma empresa diversa é mais atraente para o público consumidor, cria empatia, fala a língua do cliente e tem mais capacidade de entender o que traz de valor para ele. Ou seja, não é só o certo a fazer, é o melhor”, afirma a líder - ela mesma a primeira mulher a se tornar presidente de um banco de capital aberto no Brasil.

Para colocar o conceito em prática, ela diz que foram implementados, além de vagas afirmativas, um programa de inclusão de pessoas 50+ (60 colaboradores já contratados) e um programa de desenvolvimento de carreira para mulheres, atualmente com 130 participantes. Já o último programa de estágio com foco em pessoas em vulnerabilidade socioeconômica e diversidade, realizado em junho, contratou 26 jovens, sendo 46% mulheres, 62% autoteclarados negros e 42% pessoas que se reconhecem como LGBTIQPA+.

Do macro ao micro

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Em um setor historicamente masculino, que é o automobilístico, a Toyota passou a ver a DE&I como assunto estratégico e abraçou a premissa de que ninguém fica para trás (No One Behind). A gerente de RH da companhia, Juliana Fochi, diz que foi traçado um plano que estrutura ações de médio a longo prazo.

“Nos anos anteriores, nosso principal objetivo era quebrar barreiras onde entendemos a nossa situação, definimos nosso plano de ação e aumentamos nossa conscientização interna sobre esse tema”, explica, revelando que a empresa passou a ser intencional desde 2020 nos processos seletivos para a busca por mais equidade. Resultado: se em 2018 havia apenas 35 mulheres no time brasileiro, hoje já são mais de 400.

Toyotta diz que traçou um plano que estrutura ações de médio a longo prazo Foto: Toyota

“Estamos investindo em treinamento, diálogos e conversas para mudar a mentalidade, a começar pela liderança”, afirma a executiva. A empresa também conta com ações internas de engajamento e fortalecimento dos agentes de mudanças, como a Jornada da Equidade e grupos de afinidade, além de oferecer o workshop “Juntos vamos construir um ambiente mais inclusivo”, que prepara gestores e colaboradores para acolher a pluralidade no ambiente de trabalho.

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Há ainda ações que endereçam questões específicas no cotidiano, segundo ela. “Por exemplo, na unidade fabril da cidade de Porto Feliz, onde atua uma colaboradora que é deficiente auditiva, adaptamos um processo na linha de montagem do motor, que antes era sonoro, para um processo visual”, salienta.

Lideranças negras

Outra que está levando o assunto a sério é a Ambev. Após assumir uma série de compromissos para promover a equidade racial e contratar mais de 500 profissionais negros, a empresa agora está empenhada em acelerar o desenvolvimento de líderes para ocupar posições seniores com o programa Dàgbá - Líderes do Futuro. “Se queremos mais diversidade em nossos cargos de liderança, precisamos continuar investindo nessa jornada de acelerar, construir e entregar um novo futuro aos talentos negros da companhia”, afirma Michele Salles, diretora de DE&I e saúde mental.

Hoje, dos mais de 32 mil colaboradores da Ambev no Brasil, 51% são negros, sendo 36,6% autodeclarados pardos e 14,1% pretos. Com 56 horas de conteúdo, entre atividades, debates, imersões e treinamentos, e três trilhas de aprendizagem sobre antropologia, desenvolvimento pessoal e design, o Dàgbá vem para impulsionar o desenvolvimento de soft skills e outras competências desses colaboradores, a fim de torná-los líderes em níveis e setores variados. A primeira turma contou com 68 colaboradores e a participação de 26 líderes de diferentes áreas da companhia.

Quatro dicas para ter DE&I na prática:

  1. Identificar onde estão os maiores gaps fazendo um senso demográfico da empresa: é mais efetivo começar com ações que miram os grupos mais ausentes do quadro do que atirar para todos os lados;
  2. Ter programas de treinamento e capacitação, inclusive técnica, para os grupos diversos: mais importante do que recrutar pessoas com foco em DE&I, é necessário conseguir reter os talentos e dar condições para que evoluam na empresa;
  3. Atrelar bônus das lideranças e C-Levels a metas de diversidade, equidade e inclusão: sem engajamento de quem está no comando dos times e da empresa, as ações são percebidas como responsabilidade apenas do RH; metas de resultados ajudam as lideranças a abraçar a causa;
  4. Reconhecer quem lidera as pautas de DE&I na empresa: pessoas à frente de grupos de afinidade têm que entregar resultados e bater metas como todos os outros. O que a empresa pode oferecer como incentivo por fazerem mais esse trabalho?
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