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Sucessão na Vale: perfil buscado, nomes especulados e consultorias no páreo; leia bastidor

Busca pelo novo presidente da mineradora, que deve assumir o cargo em janeiro, já começou, e executivos já estão recebendo sondagens

Por Ivo Ribeiro

O processo para escolha do novo presidente da Vale, que sucederá Eduardo Bartolomeo a partir de 1º de janeiro de 2025, já foi lançado no mercado e executivos de empresas começaram a ser sondados por consultorias de headhunting de renome internacional, segundo apurou o Estadão com pessoas próximas ao processo e especialistas. O cronograma de definição e contratação do novo comandante da mineradora está previsto para durar até o final de novembro.

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O comitê do conselho de administração da Vale responsável pelo trabalho de seleção iniciou a fase de cotações junto a um grupo de consultorias, das quais uma será a escolhida e contratada para buscar o executivo com o perfil desejado para o cargo. A princípio, o prazo para essa etapa é até 30 de junho, conforme cronograma da companhia. Das entrevistas e avaliações dos candidatos será tirada uma lista tríplice que será entregue ao conselho de administração da Vale, formado por 13 conselheiros.

A sucessão ganhou contornos políticos — que devem permanecer como uma sombra em todo o processo — no momento em que o governo federal, na figura do Presidente da República, decidiu, em maio de 2023, lançar o nome de Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda nos governo de Lula e Dilma Rousseff) à presidência da Vale. Diante da forte reação de acionistas e de investidores da mineradora, devido à ingerência estatal e à inapetência de Mantega para o cargo, a indicação foi retirada pela União em fevereiro. A pressão do governo tinha por base a participação societária (8,7%) da Previ, fundo de pensão dos funcionários do estatal Banco do Brasil, na mineradora.

Comitê da Vale responsável pelo trabalho de seleção iniciou a fase de escolha da consultoria de recrutamento  Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

O contrato de Bartolomeo à frente da Vale, que vence em 31 de maio, foi prorrogado até o final do ano. Essa foi a saída salomônica encontrada após uma divergência no conselho em relação a uma renovação por mais três anos. Parte dos representantes dos acionistas defendia a busca de novo CEO e parte era favorável a que o executivo continuasse por mais um triênio. Esse desfecho levou à renúncia de um dos conselheiros, José Luciano Duarte Penido, insatisfeito com o resultado. Ele alegou numa carta, entre outras razões, interferência política e interesses de acionistas de referência da empresa.

Os principais acionistas da Vale, desde 2020 uma corporation — sociedade em que nenhum acionista decide os rumos do negócio e tem controle acionário diluído — são a trading japonesa Mitsui, Previ, Bradespar (holding ligada ao Bradesco), o fundo americano BlackRock e o grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto.

Procurado para se manifestar sobre o processo em curso na companhia, conduzido pelo conselho administrativo, o Ministério de Minas e Energia, que atuou pelo governo na tentativa de emplacar Mantega, informou por meio da assessoria que “não participa do processo e que o ministro Alexandre Silveira já declarou publicamente que não tem qualquer interferência do governo [na escolha do novo CEO]”.

A Vale, por sua vez, informou, por meio de sua assessoria, que não comenta o assunto da troca na presidência. E reforçou que a sucessão de Bartolomeo está a cargo do conselho de administração da companhia.

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Conselheiros da Vale querem processo ‘não açodado’

Passada a fase de turbulência, os conselheiros querem um processo diligente, não açodado, seguindo um rito calcado nas regras de governança corporativa da companhia. Uma pessoa que acompanha casos semelhantes em outras grandes empresas, e que pediu para não ser identificada, afirma que o prazo e as etapas estipulados para o processo é acertado, até a passagem do bastão pelo atual CEO. Mas diz que um processo desse não se faz da noite para o dia, requer tempo e transparência, e lembra que a demora gera incertezas e volatilidade no mercado de capitais para os papéis da companhia em bolsa.

Para alguns especialistas, a demora pode ser ruim para os negócios da companhia, pois a partir de junho Bartolomeo estará apenas numa condição transitória no cargo de presidente. Avaliam que até fim de julho o novo CEO já deveria assumir o cargo. Até porque o atual CEO fica sem autoridade nas grandes decisões estratégicas. A avaliação de um desses especialistas é que, na sucessão de Bartolomeo, viu-se uma “lambança geral” em função da pressão política, o que não foi bom para a empresa nem para o executivo.

O fato é que vários nomes, com diferentes perfis e experiências de gestão de empresas e conglomerados, já começaram a ser sondados por consultorias de headhunting para participar da seleção do novo CEO da Vale. Inicialmente, o colegiado da mineradora pré-selecionou quatro companhias com atuação internacional para apresentarem propostas. As gigantes desse setor são Russel Reynolds, Spencer Stuart, Heidrick & Struggles, Egon Zehnder e Korn Ferry, entre outras. Ao final, uma será a escolhida.

Contrato de Eduardo Bartolomeo no comando da Vale, que vence em 31 de maio, foi prorrogado até o final do ano Foto: Matt Writtle/ Vale

Procurado, um representante da Russel informou ainda não ter recebido “nenhuma comunicação da Vale” e a Heidrick & Struggles disse que não comenta “sobre processos de seleção de nossos clientes”. A Spencer Stuart não retornou o pedido de entrevista. Não foi possível fazer contato com Egon Zehnder e Korn Ferry.

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Entre os executivos apontados com perfil de assumir a presidência da Vale, e que estão na mira das consultorias, destacam-se os nomes de Ruben Fernandes — executivo do alto escalão do grupo Anglo American, baseado em Londres, e que já teve passagem pela mineradora até 2011; Gustavo Werneck (CEO da siderúrgica Gerdau); Ricardo Lima (presidente da CBMM, maior produtora de nióbio do mundo, controlada pela família Moreira Sales); Flávio Aidar, que foi CEO da cimenteira InterCement até um ano atrás, foi do conselho da Mover Participações (ex-Camargo Corrêa) e teve atuação em corporações financeiras internacionais; João Schmidt, presidente do grupo Votorantim há quatro anos e desde 2014 no conglomerado dos Ermírio de Moraes; e Wilfred Bruijn, ex-CEO da Anglo American no Brasil e da Mineração Usiminas.

A esse leque de nomes se juntam outros já apontados para o cargo de CEO da companhia — Luís Henrique Guimarães, ex-CEO da Cosan e há um ano conselheiro da Vale; Paulo Caffarelli, que fez carreira no Banco do Brasil e que nos últimos tempos vem atuando no setor privado (passou pela siderúrgica CSN, Cielo e atualmente é ligado ao banco BBC do grupo empresarial Simpar, dono de JSL e Movida); e Ivan Monteiro, CEO da Eletrobras, que passou por Petrobras e bancos públicos e privados. São executivos avaliados também com potencial para conduzir a segunda maior mineradora de ferro do mundo e líder na produção de níquel, além de produzir cobre.

Procurados pela reportagem, alguns executivos confirmaram contatos de consultorias para o processo da Vale, mas preferiram não comentar o assunto. Outros não retornaram o pedido da reportagem.

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Dois outros executivos de grandes companhias mencionados são Walter Schalka, que deixará a presidência da fabricante de celulose e papel Suzano no início de julho, e Marcos Lutz, atual presidente e conselheiro da Ultrapar. Schalka disse, recentemente, à reportagem, sobre a cotação de seu nome ao cargo, que tem “outros objetivos neste momento”. Lutz, que é bem avaliado e bem-visto, segundo uma fonte até dentro de quadros do governo, está, desde 2021, quando deixou a Cosan, envolvido com a reorganização dos negócios do grupo Ultrapar, de quem se tornou também acionista. O Estadão apurou que Lutz foi efetivamente convidado a participar do processo, mas declinou.

Perfil desejado para o próximo CEO da Vale

Para especialistas, o novo CEO da Vale, além de múltipla competência técnica (não somente do setor de mineração) e experiência de gestão de companhias de atuação internacional, deverá demonstrar que tem habilidade para relacionamentos com entes públicos federais, estaduais e locais de suas operações, no Brasil e exterior, bem como com as comunidades. A avaliação é que, após o caso de Brumadinho (rompimento da barragem de rejeitos, em janeiro de 2019), que atingiu a imagem da empresa e do setor, a Vale vem enfrentando dificuldades de aprovar projetos em Minas e no Pará, onde está grande parte de suas operações no País.

Também deve ser buscado um nome com um trânsito político um pouco maior. Essa era uma das críticas ligadas ao nome de Eduardo Bartolomeo, considerado um gestor competente, mas com dificuldades na questão política — uma habilidade considerada importante em uma empresa com muita dependência dos governos, por questões de licenciamento ou concessões.

Uma outra pessoa ligada ao processo acrescenta que a companhia, com o status de uma corporation obtido em 2020, prescinde da figura de um presidente de conselho (chairman) com larga experiência e papel de neutralidade para cuidar da estratégia e dos grandes temas envolvendo a empresa, como ocorre na maioria das companhias globais. Acrescenta que o processo de escolha do novo CEO deve contemplar também integrantes da atual diretoria — avaliar se tem perfil para ser CEO e serem informados se ainda têm pontos frágeis para o cargo.

Dois nomes, no mínimo, da atual diretoria da companhia que deveriam ser incorporados pela consultoria contratada no seu sistema de entrevistas e avaliações são os de Marcello Spinelli, vice-presidente executivo de Soluções de Minério de Ferro, e Gustavo Pimenta, vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores. Minério de ferro é o principal negócio da companhia e tem as usinas de aço chinesas como suas maiores clientes no mundo.

A imposição, pelo conselho, de regras restritivas a nomes, ligados a acionistas de referência e mesmo ao governo, pode criar embaraços jurídicos, observa uma outra pessoa ligada ao processo. “Há maneiras de colocar filtros no processo sem chegar a esse ponto, começando pela contratação de uma consultoria internacional que não vai querer manchar sua credibilidade. A lisura é crucial: não se pode desacreditar a seleção.”

As informações são de que, em 2011, na sucessão de Roger Agnelli (falecido em 2016), o nome de Murillo Ferreira (então ex-executivo da Vale) teria sido colocado de última hora na lista tríplice a pedido do governo federal, embora vários executivos de elevada qualificação tivessem sido parte da seleção — Ferreira acabou se tornando o CEO da mineradora. É importante, dizem os especialistas, que o atual sistema de escolha garanta aos potenciais candidatos segurança de que não serão meramente “figurantes” no processo.

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