O que falta para a tecnologia alavancar a educação no Brasil?

Atual geração de crianças já tem um olhar digital e, por isso, precisa de uma escola mais conectada

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Por Raisa Toledo
Atualização:

Os dados das avaliações educacionais são bem nítidos: se nos anos iniciais do ensino fundamental boa parte das crianças consegue atingir os índices desejáveis de aprendizado, nos anos finais a equação se inverte, com queda acentuada no cumprimento das metas estipuladas.

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Esse cenário foi o pano de fundo para o último meetpoint da série “Reconstrução da Educação” – o evento recebeu especialistas para debater a janela de oportunidade aberta pela inovação tecnológica no contexto do ensino fundamental II, que compreende alunos dos 11 aos 15 anos.

“A tecnologia hoje é indispensável para que o cidadão exerça os seus direitos, e com a educação não poderia ser diferente”, diz Cristieni Castilhos. Diretora executiva da MegaEdu, organização que trabalha em prol da conectividade em escolas públicas, ela elenca ao menos dois componentes para explicar a importância do uso das ferramentas tecnológicas nessa fase do aprendizado: perfil do aluno e receptividade dos docentes.

No Brasil, a universalização do apoio tecnológico esbarra em desigualdades históricas entre regiões Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 16/06/2021

Em primeiro lugar, é uma geração de crianças que já têm um olhar mais digital, então é natural que precisem de uma escola mais conectada. Quando isso acontece, há mais engajamento e prazer em aprender. Além disso, antes da pandemia, metade dos professores achava interessante o uso de tecnologia. Depois, as pesquisas mostram que o percentual subiu para 97%.

Como destaca a diretora da MegaEdu, a análise de dados propiciada por softwares de educação pode, inclusive, ajudar o professor a evitar tomadas de decisões erradas na elaboração das estratégias de retomada do aprendizado, permitindo uma análise precisa das dificuldades de cada aluno.

“Se 80% da turma está errando raiz quadrada, muitas vezes o professor toma a decisão de dar novas aulas de raiz quadrada. E esses softwares ajudam a mostrar que, por exemplo, a defasagem do aluno pode ter ficado na parte de fração, que é a base para pensar a raiz quadrada. Isso ajuda muito o professor a elaborar as estratégias de retomada do aprendizado”, afirma.

Brasil afora, algumas poucas redes já têm conseguido bons resultados. Na rede pública paranaense, há o uso de sete plataformas, cada uma voltada a uma área do conhecimento, sempre em sala de aula e com o apoio do professor. “O debate mais importante não é sobre usar ou não usar a tecnologia, mas sim pensar em como aproveitar a inteligência dos softwares educacionais em sala de aula”, diz Roni Miranda, secretário de Educação do Paraná.

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Apesar dos resultados, no Brasil, a universalização do apoio tecnológico esbarra em desigualdades históricas entre regiões.

De acordo com o último Censo Escolar, no Ensino Fundamental, somente 76% das escolas estaduais e 56% das municipais possuem internet banda larga. Em números absolutos, mais de 20 mil escolas não têm nenhum acesso à internet, num total de mais de 4 milhões de estudantes fora da rede.

“Mais da metade das escolas públicas têm de um a três computadores, enquanto, nas privadas, é muito comum vermos o computador como parte da lista de materiais solicitados. Estamos falando de uma grande diferença”, diz Cristieni.

Oportunidade e risco

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Como ferramenta pedagógica a tecnologia tem uma janela de oportunidade e outra de risco. “Se o professor souber usar tecnologia, pode potencializar muito o trabalho. Mas existe um grande risco de a gente desenvolver softwares que aparentam substituir o professor”, alerta Daniel Santos, pesquisador do Lepes (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social), da Universidade de São Paulo (USP).

“No Lepes, temos alguns estudos muito importantes de pandemia que mostram que as redes que simplesmente ofereceram o material tecnológico, mas o professor não fez o acompanhamento, não deu feedback, isso não fez diferença alguma na aprendizagem das crianças.”

Se bem implementada, ressalva, a tecnologia é uma janela de oportunidade de diminuir a grande heterogeneidade na sala de aula. “A gente incluiu muito rápido as pessoas em um País muito desigual e multicultural, então cada criança traz uma história, um background familiar muito diferente. A tecnologia possibilita em alguma medida individualizar um pouco mais os processos pedagógicos. Esse percurso é muito interessante.”

Tecnologia não é TikTok

Uso da tecnologia para aprendizagem não significa abrir o sinal do Wi-Fi para os estudantes. É preciso software pedagógico e formação dos professores.

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“Abrir o sinal aqui do Wi-Fi no intervalo para os alunos acessarem o TikTok não é uso da tecnologia para aprendizado. Durante a pandemia foi importante a gente ter distribuído os chips, o aluno em casa ter tido acesso. Só que agora a escola precisa estar conectada, o professor na sala de aula precisa ter essa ferramenta para que ele decida como ele vai fazer essa utilização”, diz Cristieni.

Nesse sentido, o debate sobre eventuais limites ao uso das redes sociais, inclusive nas escolas, tem ganhado atenção. Em março deste ano, o governo de São Paulo bloqueou o acesso de alunos da rede estadual a redes sociais e serviços de streaming. Estados como o Paraná têm seguido um caminho parecido.

Na opinião de Cristieni, o uso excessivo das redes, de fato, pode trazer impactos negativos à saúde mental dos alunos, mas é preciso achar uma alternativa em que os seus benefícios não sejam desperdiçados. “As redes sociais são um ambiente de oportunidade e de risco. Se você sabe trabalhar esse ambiente, há muitos caminhos positivos”, afirma.

E o quanto antes esses caminhos forem explorados, maior será o proveito dos alunos no resto de sua trajetória escolar. “Educação não é corrida de 100 metros rasos, é uma maratona, os processos são cumulativos. Quanto mais sólida for essa base no ensino fundamental, melhor será o desempenho no ensino médio e a capacidade de tomar decisões”, diz Daniel.

Quem é o aluno dos anos finais do fundamental

Com idade entre 11 e 15 anos, o aluno dos anos finais do ensino fundamental vive a delicada fase da entrada na adolescência, com impactos recorrentes na saúde mental e autoestima.

Com a pandemia, o crescimento na notificação de problemas de saúde mental, como a automutilação de jovens, tornou-se um dos principais temas de discussão entre as famílias e os gestores escolares no País.

“Essa é uma etapa em que o jovem começa a formar sua identidade e isso também repercute na educação. Em cada transição, mudam-se os contextos, os ciclos de amigos, tudo isso deve ser observado”, resume Daniel.

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Por isso, tendo em vista os desafios próprios à pré-adolescência, o cuidado com a promoção de uma escola mais atrativa deve ser redobrado, passando, principalmente, pelo acolhimento desses alunos, que estão numa fase de transformações e novas descobertas.

Programação

  • 15/5 – Educação no Brasil hoje e recomposição da aprendizagem (veja como foi);
  • 16/5 – Ensino integral e professores (veja como foi);
  • 18/5 – 10h: Educação infantil e alfabetização (veja como foi);
  • 23/5 – 10h: Ensino médio; (veja como foi);
  • 25/5 – 10h: Ensino fundamental 2 e tecnologia (veja como foi);
  • 29/5 – das 10h às 12h: Fórum Reconstrução da Educação.

Veja como fazer a inscrição aqui.

Reconstrução da Educação é uma realização do Estadão, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação.

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