Um tempinho antes de terminar sua licença maternidade, "cai a ficha": Não, sua empresa não vai te dar de bandeja a possibilidade de um home office, ou de uma jornada de meio período. Sair uma hora mais cedo para amamentar é lei, mas não vai rolar, na "firma" tem as leis que pegam e as que não pegam. E daí bate o desespero: o que fazer? Abandonar o trabalho mesmo dependendo do dinheiro que você ganha para fechar as contas da família? Engolir o choro e voltar à roda-viva de uma jornada insana de mais de dez horas por dia, deixando um bebê tão pequeninho com alguém que não é você?
Nesse momento que você está tão frágil, surge em seu ouvido uma voz vinda sabe-se lá de onde, quase um canto da sereia: Empreenda! Vai ser incrível! Você ganha dinheiro e, de quebra, passa o dia inteiro com seu bebê!
Como todas as idealizações maternas, essa é uma das mais cruéis. Empreender por necessidade, no susto, sem planejamento ou um plano de negócios nem sempre dá certo. Não sou eu que estou dizendo, são as estatísticas. Assim como a maternidade não é para qualquer um, ter o próprio negócio idem. E começar um empreendimento do zero enquanto cuida de uma criança pode ser como assobiar e chupar cana e você precisa saber disso.
Toca o telefone. Você não tem secretária. Nem babá. É um cliente. E seu filho está aos prantos, a fralda sujona de cocô. "Oi! er.. Alô! Claro, mando o orçamento para você nesse minuto!"
Talvez você só consiga enviar o tal orçamento em três horas. Ou no dia seguinte. Porque depois da troca de fralda, tem o almoço. E depois do almoço, seu filho quer brincar, afinal a mamãe tá em casa, não era para ter momentos incríveis com ele que você deixou aquele trabalho massacrante? E depois da brincadeira seu bebê finalmente dorme uma horinha, mas antes de enviar o email você decide colocar a roupa dele para lavar, ou seu filho não terá nada limpo para vestir em alguns dias. Er... "O que eu estava fazendo, mesmo?"
Assim como as imagens e os depoimentos da maternidade perfeitinha invadem nossas redes sociais e nosso subconsciente, a maternidade empreendedora cor-de-rosa está se espalhando como a salvadora da relação com nossos filhos. Pode até ser, desde que você saiba que a foto da mamãe super bem produzida, maquiada e feliz com um bebê pendurado no sling enquanto fala ao telefone e trabalha em um laptop não é real. Eu te dou a cena real: troque o tailleur pelo pijama, o cabelo escovado por um coque eterno preso por um lápis ou uma caneta, a maquiagem bem feita por um kit olheiras "passei-a-madrugada-trabalhando-para-aproveitar-o-dia-com-meu-filho". Porque criança nenhuma fica quieta, distraída com um chocalho no colo de uma mãe concentrada em sua planilha de Excel.
Quer saber mais sobre empreendedorismo materno vida real? Então vai:
A televisão, que você nunca-jamais-em-tempo algum deixaria seu filho assistir, talvez vire sua melhor amiga. Graças a ela, você terá alguns minutos para fazer uma ligação importante ou pagar umas contas pelo Internet Banking. Sabe a Galinha Pintadinha? Idem. Aceite que a maternidade é uma rota sempre sendo recalculada, Waze e você podem fazer isso muito bem, quase sempre sem culpa.
Talvez sua família não entenda porque sua cozinha sempre esteja uma zona "mesmo você passando o dia inteiro em casa". Faça ouvidos moucos. Traduzindo: Finja demência para sobreviver à expectativa alheia de perfeição ou grite bem alto que você TRABALHA em casa. Se quiser citar dados diga que "um quarto da população trabalha em casa, segundo o IBGE!", ou seja, uma em cada quatro cozinhas está com a pia cheia de louça para lavar, como a sua. Vale perguntar também para a pessoa incomodada se ela não quer arregaçar as mangas e resolver a questão pra você.
Você pode chegar ao final da maioria dos dias esgotada. Estava com seu filho, mas não estava. Não fez aquele almocinho saudável que acreditava que ele iria comer todos os dias, por falta de tempo. Fez várias "escolhas de Sofia', e não se sente à vontade com a maioria delas. Isso não é glamouroso, não é realizador, não parece em nada com a vida perfeita daquela mãe de trigêmeos empreendedora do Snapchat, mas a verdade é essa, miga.
E como tudo que é de verdade tem também um lado bom, vamos a ele: você poderá assistir aos primeiros passos do seu filho, em vez de receber um recado do berçário dizendo que ele começou a andar. Poderá ajudá-lo a sair das fraldas, vê-lo ganhar autonomia no dia a dia. Ele, por outro lado, terá a mãe sempre por perto e aprenderá, mesmo sem saber, que a vida real tem muito mais pixels que aquelas fotos tão coloridas do Instagram.
PS: Agradeço à doula Valentine Kasin por levantar essa discussão tão urgente em sua página no Facebook.
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