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Agropecuária é segunda maior responsável por gases de efeito estufa no Brasil: 27% do total

Em vídeo respondendo à cantora Anitta, homem erra ao afirmar que pecuária brasileira responde por menos de 1% das emissões

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

Este texto foi alterado às 18h06 de 23 de maio de 2022 para incluir a alegação do autor do post verificado

A agropecuária brasileira é o segundo setor que mais emite gases de efeito estufa (GEE) no Brasil, respondendo diretamente por aproximadamente 27% de todas as emissões no País. Dentro do setor, quase 70% dessas emissões em 2020 vieram da pecuária, seja pela chamada fermentação entérica - o ruminar do gado - ou pelo manejo de dejetos de animais. Na prática, 18,5% das 2,16 bilhões de toneladas de GEE emitidos em todo o Brasil em 2020 vieram atividade pecuarista. Os dados são os mais recentes, levantados pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), e desmentem um vídeo que viralizou no Instagram ao rebater uma fala de 2019 da cantora Anitta.

 Foto: Estadão

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No vídeo, um homem afirma que a pecuária brasileira responde por menos de 1% das emissões totais de carbono. O material foi postado em um perfil do Instagram voltado para a agropecuária brasileira, e o responsável pelo conteúdo não explica - nem no vídeo, nem na legenda da postagem - qual é a fonte do dado informado, nem qual é o referencial usado para a comparação, se nacional ou global. Segundo o autor do vídeo, as emissões de carbono da pecuária brasileira representam apenas 0,65% do total, enquanto a queima de combustíveis responde por 40%. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica disseram desconhecer o dado e mostraram que os percentuais reais estão bem longe disso.

Isso porque, de acordo com Renata Potenza, coordenadora de Clima e Emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), quando se trata especificamente de dióxido de carbono (CO2), a agricultura responde pela quase totalidade do que é emitido no setor agropecuário brasileiro. Contudo, mesmo que emita menos CO2, os outros gases de efeito estufa (GEE) provenientes da pecuária têm um impacto muito maior no aquecimento global e, por isso, os dados costumam ser convertidos em CO2 equivalente (CO2e) para que tenham o mesmo peso na hora de medir as emissões. O gás metano (CH4), por exemplo, gera 28 vezes mais impacto do que o CO2, enquanto o óxido nitroso (N2O) é 265 vezes mais prejudicial. Ao convertê-los em uma medida equivalente, o CO2e, a pecuária passa a ser responsável por 69,3% de todas as emissões da agropecuária brasileira e por 18,5% do total de emissões no Brasil em 2020, segundo dados do SEEG.

Oficialmente, os dados sobre emissões de GEE são coletados pelo Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, disponibilizados pelo Sistema de Registro Nacional de Emissões (Sirene), ligado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Mas, os números mais recentes do Sirene, divulgados no Inventário de 2021, correspondem ao ano de 2016. O SEEG, uma iniciativa do Observatório do Clima, coleta os dados anualmente e possui registros mais recentes, até 2020. Segundo especialistas, os dados concorrem com os do Sirene e podem ser usados para medir as emissões em valores mais atualizados.

Em 2016, por exemplo, de acordo com números do Sirene, o Brasil emitiu 1,46 bilhão de toneladas de CO2e . Destes, cerca de 33% foram na agropecuária, 29% em energia, 27% em mudanças do uso da terra e florestas, 6% em processos industriais e 5% em resíduos. Já os dados de 2020 do SEEG mostram uma emissão total de 2,16 bilhões de toneladas de CO2e, sendo aproximadamente 46% por mudanças do uso da terra e florestas, 27% pela agropecuária, 18,2% pelo setor energético, 4,6% em processos industriais e 4,2% em resíduos.

Relatório SEEG 1970-2020

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Resposta a Anitta

A peça viral acumula mais de 6 mil interações no Instagram e rebate uma fala de 2019 da cantora Anitta. Em agosto daquele ano, ela postou um longo vídeo no Instagram em que falava sobre Amazônia, terras indígenas e meio ambiente. Em um trecho do vídeo, a cantora afirma que a agropecuária é uma das maiores causadoras de impacto ambiental, à frente dos carros e da fumaça que sai das vans e dos ônibus do transporte público. Anitta está correta, mas apenas quando se refere à agropecuária brasileira, que vai na contramão do restante do mundo.

"Quando estamos olhando para as emissões globais ou de outros países, realmente a queima de combustíveis emite mais que a agropecuária. Mas, para o Brasil, essa relação é diferente, é o contrário. Quando falamos em emissões de gases de efeito estufa do Brasil, a agropecuária é historicamente o segundo setor mais emissor, ficando somente atrás das emissões decorrentes do desmatamento e mudanças de uso da terra", explica Renata Potenza, do Imaflora. Ela é uma das responsável pelos cálculos de emissões no setor agropecuário no SEEG.

De acordo com Paula Packer, chefe adjunta de Transferência de Tecnologia da Embrapa Meio Ambiente, a distribuição das emissões por setor varia de país para país. Ela mostra que, nos Estados Unidos, 83% das emissões vêm do setor energético, que inclui a queima de combustíveis fósseis, enquanto a agricultura representa apenas 9% do total de emissões. Na Índia, o setor energético emite 75% dos GEE do país e a agricultura, 14%. Na União Europeia, as emissões por energia são 78% do total, enquanto no Japão elas respondem por 89% do total, segundo dados da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC).

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Impacto da agropecuária nas emissões

Atualmente, acima da agropecuária, apenas as mudanças no uso da terra e florestas emitem mais GEE no Brasil. Mas, segundo especialistas, o desmatamento também está ligado ao setor agropecuário. "Há que se considerar também que a quase totalidade das emissões brutas do desmatamento é resultado de novas áreas para a agropecuária", aponta o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), integrante das academias Brasileira e Mundial de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

As emissões por mudanças dos usos da terra e florestas somaram quase 1 bilhão de toneladas de CO2e em 2020, segundo o SEEG. Neste setor, as mudanças são, em grande medida, decorrentes de demandas da agropecuária. Com isso, considerando as emissões diretas e indiretas, incluindo o desmatamento, a agropecuária respondeu por cerca de 73% do total de emissões em 2020 no Brasil, de acordo com os dados do SEEG.

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Segundo Carlos Nobre, as emissões mundiais estão em torno de 55 bilhões de toneladas de CO2e, o que significa que, direta ou indiretamente, a agropecuária brasileira responde por em torno de 2% das emissões de GEE do mundo todo. Já os pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente Paula Packer e Celso Manzatto apontam que o Brasil, como um todo, é responsável por 3% de todas as emissões globais, o que coloca a agropecuária do País como sendo a responsável diretamente por 0,93% das emissões antrópicas, ou seja, provocadas pela ação humana, de todo o mundo. A pecuária, especificamente, responderia por 0,55% em escala global.

Por que a agropecuária tem tanto peso?

Para a pesquisadora Paula Packer, o setor agro tem tanto peso nas emissões do Brasil porque o setor energético usa fontes renováveis. "As emissões dos outros países são muito mais baseadas na queima de combustíveis fósseis. Só que a nossa distribuição é muito equalitária. A exportação e a importação é baseada em commodities e a nossas commodities são agropecuárias. Mas, a gente não pode condenar o Brasil justamente por ser um país agrícola", defende Paula, que atua na coleta de dados para o Inventário Nacional do Sirene.

Celso Manzatto, coordenador técnico da Plataforma ACB+ da Embrapa, responsável por articular ações para redução da emissão de GEE, concorda que o impacto das emissores do setor agropecuário é elevado, mas não se pode culpar apenas este setor pelas mudanças climáticas que estamos vivendo. "No caso do Brasil, o principal problema é a agropecuária e, nos últimos 30 anos, principalmente, o desmatamento, que responde pelo grosso. O que nós temos que chamar a atenção é que nem tudo que estamos vivendo de clima é decorrente da agropecuária. O esforço atual para redução de emissões tem que ser um compromisso de todos os setores da economia", diz.

Segundo ele, o esforço de reduzir essas emissões passa pela necessidade de o setor ser cada vez mais eficiente no uso dos alimentos e também na transformação deles. Já na pecuária, responsável pela maior parte da emissão de GEE do setor agropecuário, o empenho parte de um trabalho para redução das emissões por fermentação entérica, o ruminar do rebanho. "A nossa pecuária emite bastante pela fermentação entérica porque o nosso rebanho é gigante, mas o Brasil assumiu um compromisso em reduzir esses gases e a gente está empenhado em reduzir essas emissões. Já vimos diminuindo, nossos rebanhos são mais precoces, mais produtivos, têm melhoria genética. Vamos ter que continuar com esse processo", afirma.

Jatinho é pior que agropecuária?

Outra afirmação feita pelo autor do vídeo é que a queima de combustíveis fósseis é responsável por 40% das emissões de carbono do Brasil, e isso também não é verdade. Os dados do Sirene de 2016 mostram que, naquela época, o setor energético era responsável por 29% das emissões de GEE no Brasil, enquanto os números mais recentes do SEEG mostram uma queda nessa fatia, para 18,2% em 2020.

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Dentro do setor de energia, a maior parte das emissões são mesmo por queima de combustíveis fósseis, mas o valor não se aproxima de 40% do total no País. Em 2020, a queima de combustíveis no Brasil lançou 367 milhões de toneladas de CO2e na atmosfera, cerca de 17% do total de emissões no País naquele ano. Isso inclui gasolina, diesel, gasolina de aviação e querosene de aviação, que é usado em jatinhos.

Em resposta a Anitta, o autor do vídeo também afirmou que o jatinho que a cantora usava para fazer suas viagens era mais prejudicial do que as emissões da agropecuária, outro dado sem fundamento. Segundo Renata Potenza, do Imaflora, em 2020, segundo dados do SEEG, as emissões da energia da aviação no Brasil foram de 5,8 milhões de toneladas de CO2, o que corresponde a pouco mais de 1% das mais de 577 milhões de toneladas de CO2e emitidas pela agropecuária. Em nível global, de acordo com o climatologista Carlos Nobre, a aviação é responsável por cerca de 2% das emissões brasileiras de GEE.

O Estadão Verifica entrou em contato com o responsável pela página que publicou o vídeo no Instagram, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto. Após a publicação desta checagem, o responsável pela página entrou em contato com o Estadão Verifica e enviou o link de um artigo que cita os números mencionados por ele. Contudo, os percentuais que constam no artigo se referem às emissões da agropecuária brasileira em comparação com o restante do mundo, o que não fica claro no vídeo. Além disso, o material confunde ao comparar as emissões de carbono da pecuária brasileira com aquelas provocadas pela queima de combustíveis no mundo todo. De fato, a queima de combustíveis é o maior responsável pela emissão de GEE no mundo, mas o cenário brasileiro é diferente, justamente pelo fato de a economia brasileira ser muito dependente de commodities agropecuárias, como explicaram especialistas ouvidos pelo Verifica.


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Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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