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Opinião|A liberdade não é o que as pessoas pensam ser, e a Ucrânia pode provar

A liberdade não é apenas a ausência do mal, mas a presença do bem

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Por Timothy Snyder*
Atualização:

Conheço uma cidade no sul da Ucrânia onde todas as casas foram destruídas por bombardeios ou bombas. Até mesmo as ruínas estão repletas de buracos de bala. Posad-Pokrovske, na região de Kherson, foi ocupada pelos russos durante a maior parte de 2022, antes de serem expulsos pelo exército ucraniano.

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Visitei o local há um ano e conheci Mariia. Ela morava em uma cabana de metal corrugado atrás dos escombros de sua casa, com seus pertences organizados: garrafas de água enfileiradas e cabos de extensão do gerador bem escondidos. Ela estava orgulhosa de seu governo ucraniano e chorava de simpatia por seu presidente, Volodimir Zelenski. Ele parecia tão jovem para ela. Mariia tem 86 anos.

Quando conversamos, em ucraniano, ela usou a palavra “desocupação” em vez da esperada “libertação”. Eu tinha um rascunho de um livro sobre liberdade em minha mochila. Peguei-o e fiz uma anotação.

Gostamos de pensar que as pessoas são livres quando o exército correto chega: uma libertação. Mas remover o mal não é suficiente. Mariia seria menos livre sem sua moradia temporária, fornecida por uma organização internacional. Ela será mais livre quando a pista entre os escombros for larga o suficiente para seu andador e quando os ônibus voltarem a circular.

Um soldado do Exército da Ucrânia dispara fogo de artilharia contra posições russas na região de Donetsk, Ucrânia  Foto: Evgeniy Maloletka/AP

Os ucranianos não esperam que nós lhes proporcionemos liberdade. Um soldado me disse para lembrar aos americanos que eles não precisam de nossas tropas. Eles precisam, sim, de nossas armas, como uma ferramenta entre muitas outras para manter seu futuro aberto. Ninguém pode dar liberdade a outra pessoa. Mas a liberdade pode surgir da cooperação.

Os ucranianos precisam continuar lutando porque sabem o que significa a ocupação russa. Eles têm todos os motivos para pensar na liberdade como algo negativo, como apenas a remoção do que está errado. Mas nas centenas de conversas que já tive com ucranianos sobre liberdade, inclusive com soldados no front neste mês, nunca ouvi ninguém dizer isso. A liberdade tem a ver com compromissos morais e múltiplas possibilidades. Os ucranianos que dirigem vans para o front e reconstroem casas também falam de suas ações em termos de liberdade.

Nas ruínas dos subúrbios de Kharkiv, recentemente, e nos escombros da região de Kherson, no ano passado, lembrei-me de uma enfermeira que chegou a um campo de concentração nazista em 1945, após a “libertação”. Ela escreveu em seu diário que essa não era a palavra correta. Ela achava que os presos não poderiam ser considerados livres até que sua saúde fosse restaurada e seu trauma fosse tratado.

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Um bombardeio russo destrói um carro e danifica prédios na cidade ucraniana de Kharkiv  Foto: Polícia Nacional da Ucrânia/AP

Sem dúvida, é importante quando o poder russo é removido da Ucrânia. E é claro que foi importante quando a SS fugiu dos campos. Ninguém é livre atrás de arame farpado ou sob bombardeio, quer estejamos falando do passado ou do presente, de Xinjiang ou Gaza ou de qualquer outro lugar.

Presença do bem

Mas a liberdade não é apenas a ausência do mal. A liberdade é a presença do bem. A liberdade é uma presença do bem. É o valor dos valores, a condição em que escolhemos e combinamos as coisas boas, trazendo-as para o mundo, deixando nosso próprio rastro. Ela é positiva.

Enquanto os americanos imaginarem a liberdade como negativa, como uma questão de se livrar do poder, não teremos a terra dos livres. Teremos de ouvir uns aos outros sobre como o poder pode criar as condições de liberdade. Como dizem os conservadores, a virtude é real. Como acreditam os liberais, há muitas virtudes que precisamos considerar e combinar. E, como defendem os social-democratas, precisamos trabalhar juntos para criar estruturas que nos permitam fazer esse trabalho.

A liberdade nos ajuda a saber como governar. A liberdade, em minha opinião, assume cinco formas, conectando a filosofia à política. A primeira, a soberania, significa a capacidade das crianças de compreenderem a si mesmas e ao mundo. Pensamos nos Estados como soberanos, mas uma política que começa com a liberdade exige um governo que ajude as pessoas a se tornarem soberanas. O segundo, imprevisibilidade, nos torna indisciplinados e animados. O terceiro, a mobilidade, é a multiplicidade de caminhos no espaço e no tempo que se abrem diante de nós. O quarto, a factualidade, é o controle sobre o mundo que nos permite mudá-lo. E o quinto, a solidariedade, é o reconhecimento de que a liberdade deve ser para todos nós.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, participa de uma coletiva de imprensa com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Kiev, Ucrânia  Foto: Anatolii Stepanov/AFP

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E o lar dos corajosos? É covardia acreditar que a liberdade é apenas negativa, apenas uma ausência. Quando pensamos na liberdade dessa forma, deixamos em aberto todas as perguntas difíceis: Quem somos nós? Com o que nos importamos? Pelo que nos arriscaremos? O que estamos realmente dizendo é que alguém ou alguma outra coisa preencherá o vazio e fará o trabalho por nós. Um líder nos dirá o que pensar. Ou um mercado ou uma máquina fará isso por nós. Ou serão os fundadores que, de alguma forma, já pensaram em tudo isso há muito tempo.

Precisamos do governo para resolver certos problemas para que possamos ser livres. Somente um governo pode deter um invasor ou acabar com um monopólio. Mas isso é apenas o começo. Quando as pessoas têm assistência médica, elas ficam menos preocupadas com o futuro e livres para mudar de emprego. Quando as crianças têm acesso à escola, os adultos têm mais liberdade para organizar a vida. As crianças que aprendem podem se defender das mentiras dos aspirantes a tiranos.

A liberdade é um trabalho nacional. É preciso uma nação cooperativa para criar indivíduos livres. Essa cooperação é chamada de governo. E a liberdade é um trabalho geracional. Para que as crianças cresçam livres, as instituições e políticas necessárias já devem estar em vigor. Os bebês não podem criar as condições de sua própria educação. Nenhum jovem pode construir as estradas e as universidades necessárias para o sonho americano. Temos de estar sempre olhando para frente. É essa perspectiva, esse senso de um futuro melhor possibilitado por decisões presentes, que torna uma terra livre.

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Quando acreditamos que a liberdade é negativa, acreditamos que estamos sempre certos. Nós nos separamos do mundo exterior, acreditando que isso é libertação. Acabamos em um espaço seguro com outros americanos que pensam da mesma forma. Supõe-se que alguma força externa nos torne livres e, quando isso não acontece, chamamos nossa condição de liberdade mesmo assim. Temos uma resposta para tudo: aconteça o que acontecer, a culpa é do governo. E assim vivemos dentro de uma história.

Uma pessoa livre sabe que não há uma única resposta para tudo e que não há uma única história para todos. Ao terminar meu livro sobre liberdade, tentei ouvir as pessoas cuja situação era diferente da minha. Mariia foi uma delas. Ela me fez pensar sobre a desocupação, sobre como passamos do negativo para o positivo. Ela sorriu quando falou comigo e me ofereceu de presente o único objeto bonito que havia resgatado de sua casa em ruínas. Olhei para seu andador e pensei no que mais ela precisava para ser livre.

Para sermos livres, precisamos ver as outras pessoas e, principalmente, sermos capazes de ver a nós mesmos. Se entendermos a liberdade corretamente, se tirarmos as lições certas de situações extremas, poderemos conectar a liberdade ao governo. Então, esse futuro melhor nos espera: uma bela gama de possibilidades para pessoas imprevisíveis e indisciplinadas.

Opinião por Timothy Snyder*

*Timothy Snyder é professor de história na Universidade de Yale. Seu livro mais recente é “On Freedom”

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