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A revolução dos bares na Arábia Saudita

Cafés estão na vanguarda das mudanças sociais e se aproveitam das reformas que permitem a socialização entre homens e mulheres

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Por Vivian Yee

RIAD – O mundo está mesmo de cabeça para baixo. Até na Arábia Saudita, onde os códigos sociais e religiosos ultraconservadores ditam a vida cotidiana. Hoje, mulheres dirigem carros e socializam com homens em restaurates. Mas outra maneira de perceber a mudança é ler as críticas dos novos cafés sauditas encontradas no Google.

Baristas trabalham no Nabt Fenjan, café de Riad (Iman Al-Dabbagh / NYT) 

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“Eu visitei este lugar e fiquei em chocado", disse Tarak Alhamood, cliente do Nabt Fenjan, um café de Riad que entrou recentemente na internet. “Vocês estão violando as lei do país. Espero que o lugar fique fechado permanentemente."

A culpa não é do chá gelado, das opções de leite sem lactose, do bolo de chocolate ou dos preços. O que fez do Nabt Fenjan um ousado posto avançado de Riad é a socialização entre homens e mulheres, permitida desde o ano passado. 

A medida colocou o estabelecimento na vanguarda do reino, onde a maioria dos restaurantes e bares é dividida, por lei e por costume, em seções masculinas, de "solteiros", e "familiares", para mulheres e grupos mistos. Os homens entram por portas separadas e pagam a conta em filas separadas. As mulheres comem atrás de biombos para garantir a privacidade.

Jovens frequentadores docafé Medd, em Jedá(Iman Al-Dabbagh / NYT) 

Foi apenas em dezembro que o governo saudita permitiu que as empresas não segregassem mais os clientes – mais uma das reformas sociais do príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman.

Mas o café Nabt Fenjan não está sozinho. "Acho que a razão pela qual os cafés viraram moda na Arábia Saudita é porque as pessoas estão mais abertas a mudanças", disse Shaden Alkhalifah, de 30 anos, interrompendo os estudos no Draft Café, em Riad. "Tem algo a ver com o diálogo político atual."

Sauditas se divertem diante de retratos da monarquia em Riad (Iman Al-Dabbagh / NYT) 

Muitos conservadores têm se rendido à abertura nos costumes, principalmente nas grandes cidades. Algumas mulheres, cujas famílias não permitiam que elas trabalhassem, agora são baristas. Hoje, é mais comum ver as sauditas se misturando com homens em cinemas, concertos e até em eventos esportivos. Jovens estão abrindo estabelecimentos onde os sauditas podem conhecer pessoas de ambos os sexos, sejam artistas, cineastas ou empresários.

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A clientela é feita de jovens – dois terços da população saudita têm menos de 30 anos e quase nenhuma diversão. A popularização de bares, shows e filmes está apenas começando e sair à noite, portanto, significa basicamente comer e beber (desde que bebidas não alcoólicas). "Não temos nada para fazer", disse Abdulrahman, motorista de Uber em Riad, que não quis dizer o sobrenome. "Apenas os cafés."

Clientes do Dasoqa, café da cidade sagrade de Medina(Iman Al-Dabbagh / NYT) 

Nos novos lugares -- ainda uma minoria --, ninguém oferece o café árabe dourado com infusão de cardamomo em xícaras delicadas, que tradicionalmente definiam a cultura saudita. No Draft, que ainda separa os solteiros das "famílias”, há saladas de quinoa e mesas de madeira iluminadas por lâmpadas de estilo industrial. 

No Medd Café, em Jedá, cidade mais relaxada do que as outras, os grãos orgânicos são torrados no local. Em uma noite de sexta-feira, o pátio ao ar livre estava lotado de rapazes e moças. Muitas jovens usavam os cabelos descobertos e as abayas (vestidos longos) abertas sobre calças jeans e tênis, modelando mais o corpo do que muitas roupas ocidentais.

Cena rara: casal caminha pelo Boulevard, em Riad(Iman al-Dabbagh / NYT) 

Riad é mais rica que Jedá. Na capital saudita, depois de muito debate, o café Kanakah, que passou três anos servindo mulheres, reabriu no ano passado como um espaço misto. Hoje, os clientes entram pela mesma porta, pagam na mesma fila e fazem os pedidos a baristas de ambos os sexos.

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Khawater Alismaeel, dona do Kanakah, conta que percebeu que homens e mulheres vinham trabalhando juntos e publicamente em outras empresas e resolver experimentar a novidade no seu bar. "Queria provar que posso fazer tudo sozinha com uma equipe exclusivamente feminina", disse Alismaeel, de 23 anos, que abriu o café quando tinha apenas 19 com a ajuda dos pais. "Estamos provando que é possível homens e mulheres trabalharem juntos."

A mudança espantou algumas clientes que preferiam o jeito velho. Outras ficaram escandalizadas, convencidas de que o Kanakah havia se tornado um "local de namoro". Mas as mudanças ocorreram tão rapidamente que Alismaeel ainda não sabe se a lei permite ou não empregar mulheres baristas ao lado de homens. Ela conta que, recentemente, um inspetor de saúde municipal visitou o café depois que uma cliente reclamou da pouca vergonha, mas resolveu ignorar a queixa. "Eu me sinto com sorte por fazer parte desta geração", disse a jovem. "Cinco anos atrás, tudo isso não seria possível."

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