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Americas Quarterly: A figura sombria por trás de Pedro Castillo 

Todos têm dúvidas a respeito de Vladimir Cerrón, apontado como a eminência parda do provável próximo presidente do Peru 

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Por Brendan O'Boyle e Americas Quarterly 

Ele tem sido chamado de o homem por trás do provável próximo presidente do Peru. Como fundador e líder do partido de extrema esquerda Peru Livre, Vladimir Cerrón tem sido descrito por alguns como o verdadeiro responsável pela ascensão de Pedro Castillo ao poder. Para muitos críticos, Castillo, professor e líder sindical sem nenhuma experiência em cargos eletivos, é apenas o cavalo de Troia de Cerrón, um ex-governador marxista cuja condenação por acusações de corrupção o impediu de concorrer à presidência.

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Castillo deve tomar posse em julho, já que os resultados oficiais estão pendentes, assim como as tentativas de sua adversária de provar que houve fraude eleitoral, mas é incerto se Cerrón será aquele mexendo as cordinhas – ou um estorvo para um presidente com pouco espaço para erros. 

“Castillo não conseguiu se livrar de Cerrón, para seu detrimento”, disse Denisse Rodriguez-Olivari, cientista política que estuda a corrupção no Peru. “Ele, com certeza, vai desempenhar um papel de alguma maneira.”

Como um neurocirurgião que passou mais de uma década estudando medicina em Cuba, o apoio de Cerrón aos ditadores de lá e da Venezuela tem intensificado as preocupações de que o próximo governo do Peru será parte do bloco de esquerda antidemocrático da América Latina. Seu compartilhamento de notícias falsas e comentários considerados misóginos e antissemitas o tornaram intragável para os demais. Enquanto isso, suas propostas econômicas socialistas têm aterrorizado as elites empresariais. “Cerrón é uma pedra no sapato para Castillo”, disse Renzo Cavani, consultor e professor de direito. “Muitas pessoas querem que Castillo fracasse. Cerrón é um obstáculo para ele.”

Vladimir Cerrón é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro Foto: Diario Oficial El Peruano

Ainda assim, não está claro para aqueles de fora do círculo deles o quão próximos os dois são de verdade. Castillo não foi a primeira escolha de Cerrón como candidato do partido. Em documentário recente, a mulher de Castillo, Lilia Paredes, descreveu a parceria de seu marido com o Peru Livre como sendo conveniente para um partido que precisava de um candidato e um candidato que precisava de um partido.

Agora, terminada a apuração, Cerrón pode já ter esgotado sua utilidade. Na verdade, Castillo tem se distanciado de Cerrón desde o primeiro turno da eleição, em abril, garantindo que “quem vai governar sou eu”. Castillo escolheu Pedro Francke, ex-economista do Banco Mundial, como seu principal assessor econômico. Francke prometeu respeitar a economia de mercado e descartou o “intervencionismo em massa”, mas as dúvidas ainda permanecem. “Ainda há muita especulação a respeito de Cerrón”, disse Gonzalo Banda, analista político e professor da Universidade Católica de Santa Maria, em Arequipa. “Ele é uma figura sombria.”

Cerrón, filho de professores universitários, cresceu em Huancayo, cidade nas montanhas centrais do Peru. Em 1990, o pai de Cerrón foi extrajudicialmente sequestrado e morto em razão de sua alegada, mas não comprovada, simpatia pelo grupo terrorista Sendero Luminoso, de acordo com a Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru. Durante a campanha deste ano, uma foto manipulada com o objetivo de falsamente dar a entender que o pai de Cerrón estava à mesa com a cúpula do Sendero Luminoso tornou-se viral.

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O incidente ressaltou o medo em torno das conexões políticas de extrema esquerda de Cerrón, como sua simpatia por Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Cerrón visitou a Venezuela, em junho de 2019, e depois descreveu os “mercados cheios e lojas cheias” vistos por ele em uma Venezuela “que não é como se escuta falar”.

As opiniões de Cerrón têm atraído escrutínio em razão das mudanças de posição de Castillo durante a campanha. Como plataforma, Castillo divulgou apenas um plano de 12 páginas para os 100 primeiros dias de governo. O plano pega emprestado alguns elementos de um manifesto mais longo do partido, que Cerrón escreveu no início de 2020. Naquele documento, Cerrón adota os rótulos de marxista e leninista, promove a estatização de indústrias importantes e se refere a Chávez, Fidel Castro e ao atual presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, como “presidentes que deram dignidade ao continente”. O plano, que é crítico em relação aos EUA, à OEA e às ONGs, está “bastante desatualizado” e é “algo que você pensaria ser da época da Guerra Fria”, disse Denisse.

Simpatizantes de Pedro Castillo estão acampados em Lima próximo da sede do JNE aguardando proclamação do vencedor Foto: Paolo Aguilar/EFE

Mas o plano de Castillo é uma versão mais moderada do de Cerrón, mas ainda é “um programa bastante radical para os padrões políticos peruanos”, por causa de suas propostas para renegociar contratos de gás e desenvolver a agricultura doméstica, de acordo com o Farid Kahat, colunista do jornal El Comercio. “A agenda política de Cerrón é bastante radical no sentido de que ela busca reconfigurar as relações entre Estado e sociedade em um grau significativo”, disse Michael Albertus, cientista político da Universidade de Chicago.

Recentemente, em 13 de abril, Castillo tinha feito ressoar as palavras de Cerrón, prometendo nacionalizar setores-chave, como cobre e ouro. Mas, desde então, ele fez campanha contra as desapropriações em um movimento mais próximo ao meio-termo, que ficou evidente com a uma nova aliança com Verónika Mendoza, cujas equipes técnicas e assessores, incluindo Francke, apoiaram a campanha improvisada de Castillo.

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Verónika, ex-deputada, tentou unir forças com Cerrón, em 2019, para consolidar uma candidatura de esquerda antes de 2021. Mas os integrantes do partido de Verónika recuaram em razão de uma suposta intimidação de Cerrón e de seus laços com Maduro. E a aliança foi cancelada. Agora, a luta pela influência entre o marxista socialmente conservador Cerrón e a progressista Verónika pode influenciar a trajetória de Castillo.

No entanto, a força de Cerrón pode depender de seu futuro jurídico. Estava previsto que ele testemunharia em um caso de lavagem de dinheiro contra ele, em 21 de junho, e Cerrón já foi condenado em um caso anterior por corrupção. Em 2019, no início de seu segundo mandato como governador de Junín, Cerrón foi condenado por acusações semelhantes por tráfico de influência e sentenciado a 4 anos e 8 meses de prisão. Uma apelação emitiu nova sentença que libertou Cerrón da prisão – mas, no fim, o deixou fora da disputa pela presidência ou vice-presidência este ano.

Em reviravolta, no dia 9, quando a apuração do segundo turno favorecia Castillo, um juiz em Huancavelica, região ao norte onde Castillo ganhou enorme apoio, rejeitou as sentenças anteriores de Cerrón depois que ele entrou com um pedido de habeas corpus. O Judiciário do Peru rapidamente anunciou uma investigação da decisão. Especialistas dizem que Cerrón não está livre de problemas, principalmente tendo em conta os outros processos pendentes contra ele. De fato, as prisões, em 15 de junho, de mais de duas dúzias de funcionários do governo em Junín sugerem que o cerco contra ele pode estar se fechando. “Esta não é uma vitória para Cerrón”, disse Cavani, que é professor de direito processual na Pontifícia Universidade Católica do Peru. “A situação judicial dele pode piorar.”

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Com essa perspectiva, faz sentido que Castillo procure aliados em outro lugar. “O apoio que Cerrón pode dar a Castillo não é suficiente para durar quatro anos”, disse a analista Giovanna Peñaflor à Americas Quarterly. Cerrón, é claro, não deixa de ter o próprio capital político – seu partido terá o maior número de cadeiras no Congresso recém-eleito. Ainda assim, seus 37 deputados estarão longe de ser a maioria na legislatura de 130 cadeiras, em que grande parte é de direita, e muitos são da área de Castillo. Quase metade deles são professores ou têm vínculos com professores.

“É mais provável que o Peru Livre seja mais leal ao presidente da república do que ao presidente do partido, que enfrenta processos judiciais em andamento”, disse Fernando Vivas, jornalista do El Comercio, à Americas Quarterly. Cerrón talvez tenha notado que sua influência não é garantida, tuitando uma ameaça velada aos novos aliados de Castillo no partido de Verónika. Também circulou um vídeo do irmão de Cerrón ameaçando Castillo a não se afastar do partido.

Mesmo assim, como Andrea Moncada escreveu na Americas Quarterly, parece que Castillo, provavelmente, enfrentará oposição de todos os lados. Isso pode levá-lo a se afastar de Cerrón – ou a se aproximar mais dele. “A verdade é que estou mais preocupada com o próprio Castillo”, disse Giovanna. “Castillo é quem terá de tomar as decisões e parece que ele é uma figura muito isolada.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

*É EDITOR DA ‘AMERICAS QUARTELY’, ONDE ESCREVE SOBRE POLÍTICA LATINO-AMERICANA 

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