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‘Charles III não tem conexão com súditos e monarquia se comunica mal nas redes’, diz historiador

Para Andrew Thompson, do Queen’s College, monarca precisa atingir os britânicos mais jovens para garantir sobrevivência da Casa de Windsor

Por Daniel Gateno
Foto: Queen´s College/Reprodução
Entrevista comAndrew Thompson Historiador e professor da Queen´s College

A coroação do rei Charles III do Reino Unido, marcada para o próximo sábado, 6, e inicia um novo capitulo da monarquia britânica e da Casa de Windsor após 70 anos de reinado da rainha Elizabeth II.

De acordo com o historiador e professor da Queen´s College, Andrew Thompson, Charles III também tem o desafio de melhorar a forma de comunicação da família real na era das redes sociais e alavancar a popularidade da Casa de Windsor com a parcela mais jovem da população. Para isso, deve usar a habilidade adquirida por anos nos holofotes dos tabloides britânicos.

“Os membros da família real são muito hábeis em garantir que suas narrativas particulares sejam transmitidas. O rei Charles III é um comunicador mais natural do que a sua mãe foi e isso deve lhe dar vantagens para saber como se comunicar”, aponta o professor. Leia trechos da entrevista:

Durante o reinado, a Rainha Elizabeth II e o príncipe Phillip sempre reforçaram a importância do uso da tecnologia, o que fez com que o acesso a família real ficasse mais fácil. A rainha iniciou a trajetória da família real no mundo das redes sociais. Como o Rei Charles III pode continuar esta transição?

Você está certo que a rainha e, em particular, seu marido estavam muito ansiosos para tirar proveito de muitas novas tecnologias à medida que se desenvolviam, mas eu acredito que eles fizeram isso porque as pessoas ao redor estavam apontando sobre a necessidade de uma melhora na comunicação. Em relação às redes sociais, a família real demorou muito para criar uma conta no Twitter, é importante garantir que você tenha as formas de comunicação que vão se conectar com o público mais amplo e, portanto, também se trata de garantir que o trato com a imprensa no Palácio de Buckingham seja bastante profissional.

Os membros da família real são muito hábeis em garantir que suas narrativas particulares sejam transmitidas e acho que uma das coisas que você pode observar se assistir o documentário da Netflix que o príncipe Harry e a sua esposa Meghan Markle fizeram é que eles estavam muito cientes de que, mesmo dentro da família real, existe uma rivalidade sobre garantir que sua narrativa seja clara.

O rei Charles III é um comunicador mais natural do que a sua mãe foi, por estar mais acostumando a lidar com a imprensa, e isso deve lhe dar vantagens para saber como se comunicar.

Na sua opinião, a Casa de Windsor consegue usar a tecnologia a seu favor?

A sociedade britânica se tornou de certa forma menos deferencial neste momento do que quando a rainha Elizabeth II chegou ao trono em 1953. Se olharmos para as décadas de 50 e 60, se a família real não gostava de uma matéria que seria publicada, eles poderiam exercer uma forte influência para que o artigo não fosse publicado. Nos dias de hoje isso é muito mais difícil, em parte porque os principais jornais britânicos apoiam menos a família real do que no passado, mas também porque o interesse global significa que, na verdade, mesmo se você impedir que uma matéria saia no Reino Unido, a mesma informação pode aparecer nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar.

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Ao longo dos anos a família real tentou dar mais acesso e cobertura para a imprensa e o público em geral, mas quando se abre o acesso, todos sempre querem mais. É muito difícil reverter e parar de se comunicar, então diversas histórias negativas são publicadas.

A coroação de Charles III deve representar um Reino Unido multicultural  Foto: Dominic Lipinski / AP

A era das redes sociais traz algum tipo de risco à sobrevivência da família real?

A era das redes sociais é muito desafiadora pela possibilidade de uma quantidade enorme de informações ser compartilhada muito rapidamente. Uma pesquisa que saiu no Reino Unido esta semana aponta que houve uma mudança marcante nas parcelas da população que apoiam a monarquia.

O apoio a família real durante o Jubileu de Diamante da rainha há dez anos atrás era muito alto. O apoio voltou a ficar mais forte no ano passado, durante o Jubileu de Platina da rainha, mas a pesquisa também mostra que a monarquia está perdendo o suporte entre os mais jovens, na faixa etária de 18 a 25 anos. Apenas um em cada quatro deles acredita que a monarquia é boa para o Reino Unido

O que aconteceu com a morte da rainha foi talvez uma mudança geracional marcante. Ela era uma espécie de avó do Reino Unido. O rei Charles III não tem esta conexão emocional com a população e será interessante ver qual será o apoio que o novo rei vai receber. É improvável que ele se mantenha no trono pelo mesmo tempo que sua mãe, então é importante vermos o que acontece na próxima geração. O príncipe William (primeiro na linha de sucessão) é bem mais jovem e precisa manter uma boa popularidade com o público mais novo.

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Quais serão as semelhanças e as diferenças desta coroação com a coroação da Rainha Elizabeth II?

Há muitas semelhanças em termos de como a parte central da cerimônia ainda é abertamente religiosa e abertamente cristã e muitos dos rituais que serão feitos foram feitos em várias coroações anteriores. No entanto, o novo rei fez algumas mudanças importantes como representar a natureza mais multicultural do Reino Unido hoje, enquanto que em 1953, quando Elizabeth II foi coroada, apenas um grupo pequeno de líderes religiosos participou da coroação. Desta vez, diversos líderes de denominações religiosas diferentes estarão presentes na coroação.

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Essa mudança reflete seu desejo de ser o que ele descreve como um defensor da fé, em oposição a ser apenas o defensor da fé anglicana, que é um de seus títulos oficiais. Além disso, a coroação do rei terá um número muito menor de pessoas do que em 1953 quando a rainha Elizabeth III foi coroada e muitas pessoas que foram chamadas ao evento naquela ocasião faziam parte do que poderíamos chamar de elite governamental ou do establishment. Desta vez, houve um esforço maior para que a coroação tivesse mais representatividade dentro da população do Reino Unido.


Qual o papel de cada meio de comunicação ao longo da história da Casa de Windsor?

A Casa de Windsor tem sido muito boa em se adaptar a novos tipos de mudanças no cenário da mídia. Nos anos 30, o rei George V, avo da rainha Elizabeth II, iniciou a tradição de usar o rádio para falar pelo menos uma vez por ano, especialmente na transmissão de Natal para a nação, algo que tanto o rei George VI quanto a rainha continuaram, e isso foi muito difícil porque o pai da rainha não gostava de falar em público.

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Elizabeth II usou muito bem o rádio e depois a televisão como meio de comunicação. Mas a rainha não expressava muito as suas opiniões sobre assuntos diferentes , ao contrário do rei Charles II que sempre expressou muito as suas opiniões, como o seu apoio a causas ambientais e o ódio por arquitetura moderna. O público em geral sabe muito pouco sobre quais eram as opiniões da rainha.

Acredito que a monarquia não está conseguindo se expressar nas redes sociais de uma forma rápida. Na conta do Twitter o perfil é muito formal e publica apenas fotos de eventos, sem a intenção de atualizar a população do que a família real esta fazendo.

Como o impacto cultural da coroação de Charles III, na era das redes, vai se comparar com a coroação de Elizabeth II, que foi pioneira da era da TV?

A coroação será muito mais diversificada. Em 1953 tudo era muito oficial e formal e agora será possível para as pessoas filmarem, fazerem comentários nas redes sociais. Além disso, o evento vai ser muito mais amplificado, fazendo com que mais pessoas ao redor do mundo saibam que a coroação está acontecendo.

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