Com vitória de Trump, aliados dos EUA se preparam para confrontos, acordos - e traição

Da Ucrânia a Israel, há uma disputa frenética para bajular e influenciar Donald Trump

PUBLICIDADE

Por The Economist

Como concorrentes de um programa de auditório tentando ser os primeiros a tocar a campainha, Volodmir Zelenski, presidente da Ucrânia, e Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, correram para parabenizar Donald Trump por sua vitória, embora cada um o tenha feito por razões muito diferentes. A pressa desses e de outros líderes ao redor do mundo, como Emmanuel Macron da França e Lai Ching-te de Taiwan, em se insinuar com o próximo presidente dos EUA revela muito dos perigos e oportunidades que eles preveem sob o governo de Trump, cuja única constância na política externa é sua imprevisibilidade.

Zelenski elogiou a “liderança decisiva” de Trump e seu compromisso com a “paz pela força”, talvez esperando que a bajulação pudesse dar um resultado melhor do que um apelo aos princípios dele. O ucraniano agiu rapidamente para tentar cair nas graças do novo presidente antes de qualquer acordo potencial que Trump possa tentar impor à Ucrânia para acabar com a guerra que o país vem travando desde a invasão em larga escala pela Rússia em 2022. A mensagem de Netanyahu também foi bajuladora, pois ele saudou “a maior volta por cima da história”, um grande elogio vindo de quem já foi o rei da volta por cima original. Netanyahu pode esperar que Trump lhe dê ainda mais liberdade nas guerras que Israel está travando em Gaza, no Líbano e contra o Irã, mas ele também deve se preocupar se a promessa de Trump de “parar as guerras” pode ser alcançada espremendo o apoio a Israel.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Glendale, Arizona  Foto: Ross D. Franklin/AP

PUBLICIDADE

A eleição de Trump ocorre no momento em que os Estados Unidos e seus aliados enfrentam suas ameaças mais assustadoras desde pelo menos o fim da Guerra Fria. Isso inclui “o potencial para uma grande guerra de curto prazo”, alertou uma comissão bipartidária formada pelo Congresso no início deste ano. E os riscos estão aumentando, conforme adversários como China, Rússia, Irã e Coreia do Norte cada vez mais se identificam com uma causa em comum. Uma nova escalada no conflito entre Israel e Irã, por exemplo, poderia muito bem atrair tropas americanas diretamente para outra guerra no Oriente Médio. No entanto, neste momento de perigo elevado, os amigos e inimigos dos americanos estão se preparando para a possibilidade de que Trump possa virar de cabeça para baixo a política externa do país e enfraquecer a rede de alianças que têm sido os pilares da segurança ocidental.

O perigo começará bem antes de Trump tomar posse em 20 de janeiro, enquanto aliados e adversários investigam a determinação e autoridade do presidente Joe Biden durante os meses restantes de “pato manco” de seu mandato. O primeiro teste provavelmente será o Oriente Médio em 12 de novembro, o prazo que o governo Biden estabeleceu para Israel aumentar amplamente o fluxo de alimentos e ajuda para Gaza ou correr o risco de um corte no seu suprimento de armas e munições americanas. Netanyahu, cujo governo é acusado de não fazer o suficiente para melhorar a situação humanitária, pode considerar que Israel pode suportar quaisquer atrasos temporários nas entregas de armas até a posse de Trump, que provavelmente não se importa com isso. Mas, como Israel enfrenta a possibilidade de uma guerra em larga escala com o Irã, o país precisa de mais do que apenas bombas. Também precisa de coordenação próxima com as forças armadas dos EUA para se defender de mísseis iranianos e lançar seus próprios contra-ataques.

Publicidade

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Jerusalém, Israel  Foto: Sebastian Scheiner/AP

No período incerto antes do próximo governo assumir, os aliados dos EUA estão se esforçando para mitigar alguns dos riscos que podem surgir da eleição de um presidente que considera os aliados um fardo e aborda a defesa mútua com o cálculo de um gângster. “Eles querem proteção, eles não nos pagam dinheiro pela proteção”, disse Trump. “A máfia faz você pagar dinheiro.” Trump se gaba de ter coagido os países da Otan a gastar mais em defesa durante seu primeiro mandato, com alguma justificativa. Muitos esperam que a pressão se intensifique em seu segundo.

A resposta da Europa será tentar proteger a Ucrânia de Trump e reforçar a capacidade da região de se defender sem ajuda americana. Não é de se espantar, então, que nas horas após o resultado da eleição ser anunciado, Boris Pistorius, ministro da defesa da Alemanha, e Sébastien Lecornu, seu colega francês, tenham convocado uma reunião de emergência em Paris para discutir segurança. Macron, outrora apelidado de “sedutor de Trump”, há muito tempo defende a defesa coletiva da Europa e sua “autonomia estratégica”. No ano passado, Macron se tornou um dos líderes mais francamente aguerridos do continente em relação à Ucrânia, recusando-se a descartar a possibilidade de colocar tropas lá e defendendo o uso de mísseis SCALP franceses para atingir alvos militares na Rússia.

O presidente da França, Emmanuel Macron, conversa com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em Budapeste, Hungria  Foto: Ludovic Marin/AFP

O clima na Ásia é mais fleumático. Taiwan está preocupado com a possibilidade de Trump deixar de ajudar a ilha ou fechar um acordo com a China pelas suas costas. A Coreia do Sul teme que Trump possa, como fez em seu primeiro mandato, exigir mais dinheiro para cobrir o custo das tropas americanas estacionadas lá. “Se esse é o custo de fazer negócios com o governo Trump, vale a pena”, diz Lee Chung-min do Carnegie Endowment for International Peace, um centro de estudos estratégicos. Os australianos se animam com o fato de Trump ser considerado favorável ao AUKUS, o acordo de submarinos entre os Estados Unidos, a Austrália e o Reino Unido. Embora alguns se preocupem que Trump possa buscar uma grande barganha com Xi Jinping, o presidente da China, a maioria das autoridades australianas acredita que a cooperação em defesa continuará.

O problema para os aliados dos Estados Unidos, no entanto, é que ninguém sabe ao certo qual será a política externa de Trump. Algumas coisas parecem certas, como guerras comerciais com amigos e inimigos. Ele provavelmente acomodará novamente alguns autocratas e ameaçará abandonar aliados ou renegociar os termos com eles. As tensões com o México provavelmente aumentarão por causa do comércio, da imigração e do tráfico de drogas.

Publicidade

No entanto, é difícil prever o que Trump faria em qualquer situação. Muita incerteza surge por causa de desacordos entre aqueles que o aconselham. Em termos gerais, ele preside três escolas de pensamento no Partido Republicano. O que alguns chamam de “primacistas” busca preservar a liderança global dos Estados Unidos e a ordem internacional. Em contraste, os “priorizadores” argumentam que os Estados Unidos estão perigosamente sobrecarregados e devem concentrar seus recursos onde eles mais importam, na Ásia, e deixar a Europa e o Oriente Médio se defenderem sozinhos. Essa escola de pensamento se sobrepõe a uma terceira, os “limitadores”, que querem que os Estados Unidos façam menos no mundo em geral.

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se encontra com o presidente da China, Xi Jinping, em Osaka, Japão  Foto: Susan Walsh/AP

A definição da escola predominante dependerá das escolhas de Trump para os principais cargos de segurança nacional e se elas serão de internacionalistas como Mike Pompeo, ex-secretário de Estado de Trump, e Robert O’Brien, seu ex-assessor de segurança nacional, ou de figuras mais isolacionistas. Também pode depender da influência exercida por J.D. Vance, seu vice-presidente, que vem da ala mais isolacionista do partido. Enquanto isso acontece, diplomatas estrangeiros em Washington estão envolvidos em uma espécie de Kremlinologia frenética, enquanto lutam para distinguir cortesãos influentes de figuras periféricas.

Dadas as reiteradas críticas de Trump à ajuda à Ucrânia e sua recusa em dizer se quer que a Ucrânia vença a guerra, muitos se preocupam que uma de suas primeiras decisões no cargo seria capitular diante de Vladimir Putin, o presidente da Rússia. No entanto, pessoas em sua comitiva — ou pelo menos pessoas que esperam estar nela — sugerem que Trump não tentaria algo sutil. Fontes internas republicanas argumentam que ele sabe que a derrota na Ucrânia seria uma fraqueza política, assim como a retirada do Afeganistão foi para Biden.

Pompeo argumentou em um artigo de opinião que “não há evidências de que tal capitulação fará parte da política do presidente Trump, e muitas evidências do contrário”. Ele e seu coautor, David Urban, apontaram que Trump forneceu os primeiros mísseis antitanque Javelin para a Ucrânia.

Publicidade

Um acordo diplomático elaborado em termos decentes ainda pode ser bem recebido pela Ucrânia, cuja posição no campo de batalha está enfraquecendo. A Ucrânia, no entanto, desejaria a adesão à Otan para garantir sua segurança. Pompeo é um defensor disso, mas outros conselheiros podem resistir, assim como Olaf Scholz, o chanceler da Alemanha.

Outro sussurro vindo de fontes internas republicanas é que o governo de Trump estaria mais disposto a confrontar o Irã e enfraquecer seu regime clerical, uma política que seria amplamente apoiada no Partido Republicano, dizem eles. A decapitação do Hezbollah e do Hamas por Israel e sua capacidade de conter as saraivadas de mísseis do Irã sugerem que o Irã e suas milícias aliadas estão vulneráveis.

Mike Waltz, um congressista republicano e candidato a secretário de defesa, escreveu para a Economist recentemente que os Estados Unidos “deveriam colocar uma opção militar confiável na mesa para deixar claro aos iranianos que os americanos os impediriam de construir armas nucleares”. Ameaçar o Irã com uma ação militar é uma coisa; começar uma guerra é outra. Trump passou grande parte de sua carreira denunciando os republicanos mais aguerridos que desperdiçaram sangue e dinheiro no Oriente Médio.

Para complicar essa leitura da bola de cristal, temos o fato de que Trump é fã da teoria do louco da diplomacia internacional. Questionado se ele ameaçaria usar a força se Xi invadisse Taiwan, Trump disse ao Wall Street Journal: “Eu não teria que fazer isso, porque ele me respeita e sabe que sou doidão”.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um comício após sua vitória ao lado do vice-presidente eleito, J.D Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Com certeza, a imprevisibilidade pode às vezes aumentar o poder de dissuasão dos Estados Unidos, se os inimigos acreditarem que Trump realmente pode tomar uma ação militar. Mas isso pode enfraquecer a posição dos Estados Unidos se os adversários concluírem que ele só faz blefar e se os amigos dos Estados Unidos perderem a confiança de que o país virá em seu auxílio. Temendo o abandono por Trump, alguns aliados podem se proteger aproximando-se da China, especialmente na Ásia. O Japão, por exemplo, achará necessário “buscar negociações, não apenas para se preparar para contingências [com a China]”, diz Sasae Kenichiro, um ex-diplomata japonês. Alternativamente, alguns podem buscar suas próprias armas nucleares, inaugurando uma nova era de proliferação.

Trump foi uma força disruptiva durante seu primeiro mandato, mas o cenário internacional estava relativamente calmo. Ele retorna ao poder em um momento de crescente rivalidade entre grandes potências e guerras destrutivas na Europa e no Oriente Médio. Em vez de fortalecer as alianças e instituições que aumentaram o poder americano, Trump parece decidido a miná-las. Isso não apenas tornaria os EUA menos seguros, mas também aceleraria a desintegração da ordem pós-guerra que manteve a paz por 80 anos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.