Combate às mudanças climáticas emperra como questão política nos EUA

Biden não consegue apoio no Senado para implementar leis mais duras contra o aquecimento global

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Por Redação

Os verões no condado de Maricopa, Arizona, ficaram insuportáveis, disse Kyle Hawkinson na sexta-feira. A poluição atmosférica e a neblina pairavam pesadas sobre Phoenix, e os moradores estavam se preparando para a temporada de incêndios, quando o calor e a poluição do ar só pioraram. A culpa, disse ele, é das mudanças climáticas, pelo menos em parte.

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Mas quando Hawkinson, 24 anos, caixa de supermercado, votou em Joe Biden em 2020, o clima não tinha sido um fator relevante para sua escolha, disse ele. Quanto à eleição de novembro próximo, quando estarão em jogo a mansão do governador do Arizona e uma das cadeiras do Senado do estado, “ainda está bem indefinido”, disse ele, acrescentando: “As mudanças climáticas sempre serão um problema. É um fato. Honestamente, os líderes do nosso país podem fazer muito mais”.

Na quinta-feira, ambientalistas e democratas em Washington fizeram críticas brutais à notícia de que até mesmo um compromisso frágil para enfrentar o aquecimento do planeta parecia estar morto. Alguns acusaram o senador Joe Manchin, democrata da Virgínia Ocidental, de condenar a vida humana na Terra. A deputada Pramila Jayapal, democrata de Washington, chamou a decisão de Manchin de “nada menos do que catastrófica”.

Onda de calor atingiu Estados Unidos e Canadá em 2021, gerando temperaturas recordes Foto: Jason Redmond/REUTERS

Mas um eleitorado que já está sofrendo com a inflação, exausto pela covid-19 e se ajustando a mudanças tectônicas, como o fim dos abortos protegidos pela Constituição, talvez esteja dando de ombros à última derrota democrata. E pode ser por isso que as mudanças climáticas continuam sendo um problema com pouca força política, seja para aqueles que pressionam por ações efetivas ou para aqueles que estão obstruindo o caminho.

“As pessoas estão exaustas pela pandemia e terrivelmente desiludidas com o governo”, disse Anusha Narayanan, diretora de campanha climática do Greenpeace USA, grupo ambientalista conhecido por suas táticas de guerrilha, mas que agora luta para mobilizar apoiadores. “As pessoas veem o clima como um problema de amanhã. Temos que fazê-las entender que é um problema de hoje”.

A evidência de que a crise climática está bem encaminhada se faz visível por toda parte: o Great Salt Lake de Utah secando, o clima severo sempre colocando em risco a rede elétrica no Texas, incêndios florestais queimando o oeste assolado pela seca, “refugiados climáticos” buscando terras mais altas na Louisiana e inundações cobrindo as ruas de Miami.

Joe Biden foi eleito em 2020 com o combate à mudança climática como uma de suas plataformas Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

Ainda assim, em uma recente pesquisa do New York Times/Siena College, apenas 1% dos eleitores apontou as mudanças climáticas como a questão mais importante que o país enfrenta, muito atrás das preocupações com a inflação e a economia. Mesmo entre os eleitores com menos de 30 anos, o grupo considerado mais energizado pela questão, esse número foi de 3%.

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“Esse desafio não está tão invisível quanto costumava ser, mas para a maioria das pessoas, mesmo aquelas que moram na grande Miami, não é algo que elas encontram todos os dias, ao passo que seus encontros com uma bomba de gasolina são extremamente deprimentes”, disse Carlos Curbelo, ex-membro republicano da Câmara do Sul da Flórida que pressionou seu partido a agir diante das mudanças climáticas. “Em tempos econômicos mais saudáveis, é mais fácil se concentrar em questões como essa. Quando as pessoas ficam desesperadas, tudo isso vai por água abaixo”.

Dois anos atrás, milhões de estudantes do ensino médio estavam deixando a escola mais cedo em “greves climáticas”. Greta Thunberg, adolescente ativista sueca, foi heroína ao cruzar o Oceano Atlântico para as negociações climáticas das Nações Unidas, e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, democrata de Nova York, estava pregando a ideia do “Green New Deal”. Em 2020, Biden fez campanha com um programa transformador de US$ 2 trilhões para afastar a nação dos combustíveis fósseis.

Na semana passada, o que restava desse programa – principalmente incentivos fiscais para energia limpa e subsídios para a compra de veículos elétricos – parecia morto, assassinado por Manchin, que temia que o pacote pudesse exacerbar a inflação. A lei bipartidária de infraestrutura assinada por Biden incluía US$ 2,5 bilhões para ajudar as comunidades a instalar estações de recarga, mas os consumidores pareciam estar no limite do custo total dos carros e caminhões que precisam da energia.

Em outro revés para os ativistas climáticos, a Suprema Corte limitou severamente a capacidade da Agência de Proteção Ambiental de regular o dióxido de carbono das usinas elétricas a carvão.

Mesmo o aumento do custo da gasolina parece ter minado uma crença central do movimento climático: que os preços mais altos dos combustíveis fósseis desencadeariam naturalmente uma corrida por veículos mais eficientes e fontes alternativas de energia. Em vez disso, os preços da gasolina acima de US$ 1,25 por litro geraram um apelo bipartidário por mais produção de petróleo.

Joe Manchin, democrata da Virgínia Ocidental, rejeita o combate às mudanças climáticas por ter operários da indústria do carvão em sua base eleitoral Foto: Pete Marovich/The New York Times

Mesmo fortes defensores da ação reconhecem que os eleitores por enquanto estão guardando suas preocupações climáticas na gaveta. Peter Franchot, o controlador do estado de Maryland que enfrenta uma primária na terça-feira em sua corrida para governado do estado, tem um histórico de compromisso com as questões ambientais e o endosso do senador Ed Markey, de Massachusetts, um dos pioneiros do Green New Deal.

Mas, Franchot, que trabalhou para Markey como assessor na década de 1980, disse que o clima não é o foco dos eleitores agora. “A questão nº 1 que a maioria da população de Maryland enfrenta é a volatilidade e a incerteza sobre a economia. É com isso que as pessoas estão preocupadas e estão particularmente preocupadas com a taxa de inflação”, disse ele.

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Grande parte da frustração dos democratas em torno das derrotas climáticas no Congresso foi direcionada não aos republicanos, mas a Manchin, que dissera repetidas vezes que mesmo um projeto de lei reduzido poderia abordar a questão, mas na semana passada acabou com quaisquer disposições climáticas.

Outras pessoas expressaram preocupações mais amplas.

“Fazer essas negociações, insistir nelas e agora dizer que acabou, tudo isso é muito frustrante”, disse o governador da Carolina do Norte, o democrata Roy Cooper, sobre a agenda doméstica do partido, sem mencionar Manchin. “O governo precisa continuar pressionando”.

Alguns ativistas concentraram sua raiva em outros democratas além de Manchin, como a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, democrata da Califórnia, que, segundo eles, continuou apoiando líderes moderados, como o deputado Henry Cuellar, democrata do Texas, contra um elenco mais jovem e mais diverso de progressistas.

“Há uma sensação de fracasso de liderança em todo o partido”, disse Varshini Prakash, diretor executivo do Movimento Sunrise, um grupo de jovens ativistas climáticos. “Entre os jovens há uma profunda frustração de que a questão do nosso tempo, que é fundamental para nossa sobrevivência, não está sendo enfrentada com o nível de luta que merece”.

Ela e outros organizadores argumentaram que a revolta em relação ao enfraquecimento da legislação ambiental apenas levaria os jovens eleitores a dobrar seu compromisso de eleger democratas progressistas.

O Movimento Sunrise está planejando se concentrar em estados decisivos, como a Pensilvânia, e em corridas acirradas para a Câmara. O projeto apartidário Eleitor Ambiental tem como alvo 8 milhões de pessoas identificadas como ambientalistas que não votaram nas eleições presidenciais de 2020.

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Embora os democratas culpassem Manchin, havia poucos sinais de que os republicanos sentiram pressão política para agir em relação ao clima – e certamente nenhum protesto dos eleitores moderados que recentemente geraram um raro compromisso bipartidário sobre as leis de armas.

Os republicanos estão reagindo aos efeitos localizados das mudanças climáticas com apelos à ação – o deputado da Califórnia Kevin McCarthy, o líder republicano, pediu na sexta-feira a aprovação de uma legislação para salvar as sequoias gigantes de seu distrito, que estão ameaçadas pelo fogo e pela seca – mas essas conclamações não mencionam a causa subjacente: o aquecimento do planeta.

Benjamin Backer, presidente da Coalizão Americana de Conservação, uma organização ambientalista de centro-direita, disse que os republicanos não têm incentivo para enfrentar o problema. Seus eleitores não estão exigindo ação, e os ativistas liberais, que tendem para a esquerda, provavelmente não ficarão satisfeitos com os compromissos que os republicanos possam aceitar.

“O problema com o movimento ambientalista agora é que é muito unilateral: se um político vota da maneira certa, não é considerado bom o suficiente. E se um republicano vota dessa maneira, os eleitores que se importam com o tema não votam nele de todo jeito”.

Na sexta-feira os democratas tentavam manter o otimismo. Manchin, falando em uma transmissão de rádio da Virgínia Ocidental, disse que, se os líderes democratas estivessem dispostos a esperar até setembro, talvez algo pudesse ser resolvido.

Os democratas dizem que ainda têm tempo para energizar seus eleitores antes de novembro.

E o governador de Nova Jersey, Phil Murphy, democrata e novo presidente da Associação Nacional de Governadores, disse que não se pode desistir, porque “tem muita coisa em jogo”.

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“Seja o clima, os medicamentos prescritos ou outras coisas que os democratas historicamente se uniram e defenderam, acho que a unidade do partido tem muita importância agora, então espero que todos possamos nos unir”, disse ele./ NYT, COM TRADUÇÃO DE RENATO PRELOURENTZOU

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