A Rússia está em uma espiral de morte demográfica. No longo prazo, isso é má notícia para o país. Mas no curto prazo, isso é má notícia para os vizinhos, porque Vladimir Putin pode estar em busca de soluções militares para o problema populacional.
O número de mortes ultrapassa o de nascimentos quase todo ano na Rússia desde o fim do comunismo. A população russa atingiu seu pico em 1993, em 148,6 milhões. No início de 2022, havia estimados 145,6 milhões de habitantes na Rússia. O declínio é de apenas 2%, mas em comparação a população dos Estados Unidos cresceu 33% de 1990 a 2020.
O Banco Mundial calcula que a expectativa de vida dos russos no instante do nascimento é de apenas 71 anos; nos EUA é de 77. A disparidade é ainda mais dramática entre homens: nos EUA, sua expectativa de vida é de 75 anos; na Rússia, é de 66 — mais baixa do que na Coreia do Norte, na Síria ou em Bangladesh. A Rússia tem a 11.ª maior economia do mundo, mas figura na 96.ª colocação em relação à expectativa de vida.
Nicholas Eberstadt, pesquisador do American Enterprise Institute, explicou essa discrepância letal em um fascinante artigo no ano passado. O principal problema é que a taxa de nascimentos na Rússia é de apenas 1,5 filho a cada mulher — bem abaixo do nível de reposição (dois filhos por mulher).
Atualmente a Rússia é o nono país mais populoso do planeta, mas deve cair para a 22.ª posição até o fim deste século
Alcoolismo, suicídio e pandemia
Esse índice não é especialmente baixo em comparação a outros países industrializados. Mas a Rússia se sobressai por sua taxa extraordinariamente alta de mortes, particularmente de homens, causadas por doenças vasculares (ataques cardíacos, AVCs, etc.) e ferimentos (homicídios, suicídios e acidentes).
Dada a renda do país e os seus níveis de escolaridade, as mortes na Rússia por essas duas causas é muito maior do que o esperado. Isso pode se explicar pelo terrível sistema de saúde pública do país, sua poluição ambiental e seus altos níveis de alcoolismo extremo e vício em drogas — o que, por sua vez, são sinais de desespero.
A já elevada taxa de mortalidade na Rússia atingiu um pico recentemente. Durante a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2023, a Rússia teve de 1,2 milhão a 1,6 milhão de mortes em excesso, segundo The Economist. Se o número for preciso, significa que a Rússia teve mais mortes por covid do que os EUA, cuja população é mais de duas vezes maior.
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Então, no ano passado, a Rússia sofreu de 60 mil a 70 mil baixas em combate na Ucrânia — mais do que em todas as outras guerras que travou desde 1945 combinadas, sem resolução à vista. “O índice-médio de mortes de soldados russos mensalmente é pelo menos 25 vezes maior do que o índice de mortos mensalmente na Chechênia e 35 vezes maior do que o índice de mortos no Afeganistão”, relata o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. E desde o início da guerra, entre 500 mil e 1 milhão de russos — a maioria jovens escolarizados — fugiram do país. Em Moscou, a escassez de homens é visível.
Declínio no horizonte
O declínio populacional tende a continuar na Rússia — que deverá ter 135 milhões de habitantes até 2050 e 126 milhões até 2100. Atualmente o nono país mais populoso do planeta, projeta-se que a Rússia caia para a 22.ª posição até o fim deste século .Demografia, em certo sentido, é destino. Os dias da Rússia enquanto grande potência estão contados.
Putin é bastante consciente do problema e fala disso o tempo todo. Em setembro de 2021, ele se lamentou afirmando que a Rússia poderia ter uma população de 500 milhões não fosse a derrota do Império Russo após a Revolução de 1917 e a dissolução, em 1991, da União Soviética, que ele qualificou como “a maior catástrofe geopolítica do século”.
Putin tem tentado em vão todas as maneiras normais de reverter essa tendência, de oferecer incentivos financeiros para cidadãos terem mais filhos a tentar atrair imigrantes da Ásia Central. Sua invasão à Ucrânia pode ser considerada um estratagema para aumentar a população russa à força.
A Rússia ocupa territórios ucranianos anteriormente habitados por 8 milhões de pessoas — muitas das quais morreram, fugiram ou foram deportadas para a Rússia. O fato de os russos terem sequestrado pelo menos 11 mil crianças ucranianas parece especialmente sinistro sob a luz do déficit nos nascimentos na Rússia.
A única coisa que o “loop demográfico apocalíptico” faz com Putin é deixá-lo ainda mais desesperado e perigoso
Aumentando a população à força?
Stephen Sestanovich, ex-embaixador americano que circulou por repúblicas soviéticas e atualmente é meu colega no Council on Foreign Relations, disse-me que Putin é motivado por “um delírio febril de declínio”. O despovoamento da Rússia, afirmou ele, “alimenta o senso apocalíptico de Putin a respeito de suas responsabilidades grandiosas. Se você está preocupado com uma população em declínio, talvez conquistar 40 milhões de pessoas no país vizinho resolva o seu problema”.
É claro que, ao tentar resolver o déficit russo em recursos humanos, Putin apenas o exacerba. Mas, lamentavelmente, não há evidência de que a Rússia esteja exaurindo seu estoque de homens dispensáveis para mandar lutar na Ucrânia. Estimados 7,2 milhões de russos têm entre 18 e 26 anos.
Putin conseguiu mobilizar 300 mil soldados no ano passado com pouca dificuldade, e outra conscrição pode estar prevista para o futuro próximo. Putin poderá ter mais dificuldade em manter sua promessa de expandir o Exército de 1,1 milhão para 1,5 milhão de soldados até 2026, mas não precisa de outros 400 mil combatentes para continuar infligindo grande sofrimento sobre o povo da Ucrânia.
No curto prazo, a perda de tantos emigrantes poderá na verdade ajudar Putin a consolidar seu controle. “As pessoas problemáticas foram embora, e as que ficaram são as pessoas que o regime precisa para sustentar a si mesmo e à guerra”, afirmou Alina Polyakova, presidente do Centro para Análise Política Europeia.
Portanto, há pouca esperança de que os apuros demográficos da Rússia diminuam a ameaça que ela apresenta no futuro próximo. A única coisa que o “loop demográfico apocalíptico” faz com Putin é deixá-lo ainda mais desesperado e perigoso. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL