Disputa da Rússia com o Ocidente passa da militar para a econômica

Enquanto a invasão russa à Ucrânia se arrasta, Moscou entra num conflito paralelo: uma prova de resistência econômica e política contra o Ocidente

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Por Max Fisher
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8 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, havia preparado seu país para sanções similares às aplicadas após a anexação da Crimeia, como se desafiasse países ocidentais a cortar seus cidadãos do comércio russo para ver quem recuava primeiro.

Mas a severidade das manobras do Ocidente excederam muito as expectativas, não apenas devastando a economia russa, mas também isolando os russos de viagens e até de marcas ocidentais, como Apple e McDonald’s.

Presidente russo realiza reunião com Conselho de Segurança em Moscou pouco antes de invasão à Ucrânia. Foto: Alexey Nikolsky/Kremlin via Reuters

Agora, ambos os lados encaram um teste relativo à sua capacidade de manter apoio doméstico durante um impasse cujos custos serão sentidos por cidadãos comuns. Mais do que uma batalha de vontades, este é um teste entre dois sistemas opostos.

A Rússia de Putin, que se uniu em fervor nacionalista em 2014, agora se vale de propaganda e repressão. Líderes ocidentais apelam cada vez mais para ideais liberais de normas internacionais e bem-estar coletivo que estavam em declínio globalmente — até o momento, esperam eles.

O equilíbrio econômico favorece muito o Ocidente. Um estudo estimou que uma guerra comercial total poderia diminuir o produto interno bruto combinado dos países ocidentais em 0,17%, mas o da Rússia cairia devastadores 9,7%.

A opinião pública também pode favorecer o Ocidente, onde sondagens constatam amplo apoio por medidas duras contra a Rússia, enquanto a ousadia de Putin nem sequer reconhece a dimensão da guerra, por medo de desencadear mais protestos.

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Ainda assim, líderes ocidentais devem manter sua união entre mais de 20 democracias das mais variadas, persuadindo cidadãos do Canadá à Bulgária de que encarar aumentos no custo da energia — o que pode ser apenas o início dos choques econômicos — vale o sacrifício.

Fissuras políticas se abrirão inevitavelmente no Ocidente, afirmou Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

“As pesquisas não nos dizem realmente nada a respeito de como as pessoas reagirão de fato ao sofrimento econômico e às massas de refugiados”, afirmou Shapiro.

A dúvida é quando isso ocorrerá.

Putin, enquanto isso, deverá manter pulso firme tanto em relação ao público russo quanto sobre a rede de intermediadores de poder político que o apoia. Se sua tolerância a respeito dos rapidamente crescentes custos da guerra se esvair antes da determinação do Ocidente, isso poderia colocar em perigo não apenas sua guerra, mas também sua permanência no poder.

A dúvida a respeito de quem cederá primeiro poderá forjar o destino da Ucrânia tanto quanto qualquer envio de armas ou ataque de tanques. E apesar de ser impossível prever qual será o desfecho, uma série de indicadores econômicos e sinais políticos pode dar algumas pistas.

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O desafio do Ocidente

A arma secreta dos países ocidentais, tão importante quanto sua vantagem econômica, pode ser o súbito desejo de seus cidadãos por uma ação concertada e unificada.

Em pesquisas, europeus de todo o continente definem a punição contra a invasão russa como um imperativo moral e afirmam acreditar que a Rússia agora representa uma ameaça direta aos seus países.

Em uma pesquisa que abrangeu sete países pouco antes da invasão, uma pluralidade de entrevistados afirmou estar disposta a arcar pessoalmente com o custo econômico de isolar a Rússia, que fornece grande parte da energia consumida na Europa. Pesquisas realizadas individualmente em países sugerem que essa faixa provavelmente aumentou.

Na Alemanha — maior economia da União Europeia e país que frequentemente tem a palavra final a respeito da Rússia — apenas 38% apoiavam o aumento no gasto militar até setembro; agora esse índice aumentou para 69%.

Em querelas passadas, líderes europeus com frequência agiram contra a vontade de seus eleitores para confrontar Moscou, considerando isso uma necessidade fatídica.

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Agora, líderes como Olaf Scholz, da Alemanha, e Emmanuel Macron, da França, estão vendo seus índices de aprovação aumentar à medida que se unem para enfrentar a Rússia. Em vez de minimizar os custos sobre a vida dos cidadãos comuns, alguns deles têm enfatizado isso como motivo de orgulho.

Riscos políticos são abrandados ainda mais pelo calendário eleitoral: Macron é praticamente o único líder ocidental a encarar as urnas este ano e é forte favorito na disputa.

Ainda assim, espera-se que a diminuição nas exportações russas de energia — já em andamento enquanto empresas russas são fustigadas pela turbulência — atinja duramente a Europa. A Alemanha importa mais da metade do gás que consome da Rússia, assim como a Áustria. Alguns países do Leste Europeu operam quase 100% com o gás russo.

O oeste da Europa obtém mais da metade de seu gás em outros lugares, como Noruega e Argélia. Mesmo assim, à medida que a Rússia seja isolada dos compradores, os combustíveis fósseis ficarão mais escassos em todo o mundo e, portanto, mais caros. A previsão é que a conta de energia de alguns alemães aumente em dois terços este ano.

Os choques econômicos poderiam se estender muito além dos problemas para se aquecer. Várias indústrias europeias já estão diminuindo a produção por causa de preços de energia em elevação. A Rússia também fornece grande parte do cobre consumido no mundo e outras matérias-primas industriais.

Ao mesmo tempo, ainda que os europeus expressem amplo apoio pelo acolhimento dos refugiados ucranianos, não está claro quanto isso irá durar.

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A Europa já previa um grande aumento na chegada de refugiados para o próximo verão, muitos vindos do Afeganistão. Líderes ocidentais têm se mostrado extremamente sensíveis às reações contra a imigração.

“Continuam existindo significativas discordâncias que têm sido deixadas de lado no calor do momento”, afirmou Shapiro.

O maior colaborador para manter a unidade do Ocidente pode ser o próprio Putin. Ao concentrar forças nas fronteiras da Otan e produzir imagens de destruição na Ucrânia, ele deu aos europeus um inimigo contra o qual se unir, o que os tem distraído de seus próprios desentendimentos, por agora.

O desafio de Moscou

Em um revelador contraste em relação a 2014, quando muitos russos celebraram a invasão de seu país à Ucrânia, desta vez Putin apelou quase imediatamente para a repressão e a censura, ameaçando com severas penas de prisão qualquer um que chame a invasão de “guerra”.

Isso acelerou um tipo de ciclo crescente de autoritarismo na Rússia, com a repressão fomentando o descontentamento popular para além até mesmo dos extremos dos anos recentes.

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Mas Putin pertence a uma classe particular de líderes autoritários — de homens-fortes individualmente, em vez de ditadores ligados a exércitos ou partidos — para quem o apoio popular é uma preocupação secundária.

Em vez disso, o poder de líderes desse tipo emana do apoio de elites políticas, como chefes de agências de segurança ou indústrias estatais, afirmou Erica Frantz, especialista em autoritarismo da Universidade Estadual do Michigan.

“Isso não quer dizer que os cidadãos comuns não importam, mas que, se estamos em busca de vulnerabilidades do regime neste momento, o ponto focal precisa ser realmente esses indicadores de descontentamento das elites”, afirmou Frantz.

Elites autoritárias, protegidas por vastas fortunas pessoais, têm mais facilidade de resistir à dor econômica que será suportada pelos russos comuns. Elas também tendem a dar aos líderes grande liberdade de ação em tempos de guerra, o que pode explicar por que homens-fortes raramente perdem o poder por causa de derrotas nem campos de batalha, demonstrou a pesquisa.

Mesmo assim, essas elites não são enganadas pela propaganda estatal. E não são indiferentes em relação ao destino de seu país.

Sondagens entre as elites políticas da Rússia realizadas em 2020 constataram que a maioria de seus integrantes apoiava Putin exatamente pelas realizações que agora estão em perigo: estabilizar a Rússia e conquistar respeito no exterior para o país. Muitos também expressaram preocupação a respeito da maneira com que Putin lidou com a economia — e oposição à aventura militar na Ucrânia.

“A crise será extremamente severa por no mínimo três anos. Pegue a crise de 1998 e multiplique por três”, afirmou Oleg Deripaska, um proeminente bilionário russo, numa incomum ruptura com o Kremlin, referindo-se à catastrófica economia russa dos anos 90.

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As sanções poderiam prejudicar Putin em relação às elites, ao limitar sua capacidade dele de distribuir o espólio que elas esperam em troca do apoio. Da mesma maneira que o descontentamento popular, se esse fator aumentar severamente o suficiente para fazer com que as elites considerem que Putin coloca em risco a estabilidade da Rússia.

“A opinião pública da Rússia está se tornando um problema tão grande para Putin que ele está efetivamente travando duas guerras: uma na Ucrânia e outra dentro de seu país”, escreveu esta semana Sam Greene, especialista em Rússia da King’s College London.

O perigo não são apenas os protestos contra a guerra, que têm sido associados principalmente a segmentos da sociedade já céticos em relação a Putin. Corridas aos bancos ou outras expressões de pânico econômico, argumentou Greene, poderiam ocasionar uma sensação de crise nacional, que predominaria até mesmo sobre as otimistas mentiras da mídia estatal.

Putin, ao esconder a escala e a natureza da invasão, está efetivamente atando suas próprias mãos, tornando impossível para seu governo informar adequadamente seus cidadãos a respeito das dificuldades que os espreitam. Você não pode pedir aos cidadãos que se unam em torno de uma guerra que você afirma não existir. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL