Dissidência interna sobre liderança de Putin cresce com falta de resultados militares na Ucrânia

Fracassos da campanha de Putin se evidenciam no número estarrecedor de comandantes militares graduados que, acredita-se, foram mortos em combate.

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Por Anton Troianovski e Michael Schwirtz
7 min de leitura

NYT - Na Rússia, o arrastado e pesado custo da guerra do presidente Vladimir Putin na Ucrânia está levantando dúvidas a respeito de sua capacidade de planejamento militar, sua confiança em espiões graduados e seu ministro da Defesa e sobre a qualidade das informações de inteligência que chegam ao presidente.

Os fracassos da campanha de Putin se evidenciam no número estarrecedor de comandantes militares graduados que, acredita-se, foram mortos em combate. A Ucrânia afirma que matou pelo menos seis generais russos, enquanto a Rússia reconhece uma das mortes, juntamente com a do subcomandante de sua frota no Mar Negro. Autoridades americanas afirmam que não são capazes de confirmar o número de mortes entre os militares russos, mas dizem que o plano de invasão parece ter sido atrapalhado por dados de inteligência ruins.

Putin participa de reunião do gabinete em Moscou  Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Em janeiro, o líder de um grupo de oficiais militares russos em serviço e aposentados declarou que invadir a Ucrânia seria “sem sentido e extremamente perigoso”. A ação deixaria milhares de mortos, afirmou ele, tornaria russos e ucranianos inimigos eternos, arriscaria uma guerra contra a Otan e ameaçaria “a existência da própria Rússia enquanto Estado”.

Para muitos russos, isso parecia um cenário inverossímil, já que poucos imaginavam que uma invasão à Ucrânia fosse realmente uma possibilidade. Mas dois meses depois, enquanto o avanço da Rússia empaca na Ucrânia, essa profecia causa bastante preocupação. Contactado pelo telefone nesta semana, o general aposentado autor da declaração, Leonid Ivashov, afirmou que esta ainda é sua opinião, apesar de não poder falar livremente em razão da censura de guerra: “Não nego o que disse”.

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Jogo de empurra

A falta de progresso é tão aparente que um jogo de empurra em relação a culpados começou entre alguns apoiadores da guerra na Rússia — mesmo enquanto a propaganda russa alega que a morosidade é consequência do cuidado de seu Exército em evitar atingir civis. Igor Girkin, ex-coronel da agência russa de inteligência FSB e “ex-ministro da Defesa” dos separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia, afirmou numa entrevista em vídeo postada online na segunda-feira que a Rússia fez uma “avaliação catastroficamente incorreta” sobre as forças ucranianas.

“O inimigo foi subestimado em todos os aspectos”, afirmou Girkin.

O fraco desempenho das forças russas também surpreendeu analistas, que previram no início da guerra que o massivo e avançado tecnologicamente Exército russo enfrentaria pouca resistência na Ucrânia. O próprio Putin parecia certo de que suas tropas tomariam grandes cidades rapidamente, incluindo a capital, Kiev, decapitando o governo e instalando um regime-fantoche sob controle do Kremlin.

“Tomem o poder em suas mãos”, afirmou Putin aos soldados ucranianos no segundo dia da invasão, aparentemente esperando que a Ucrânia se entregaria sem lutar.

Resistência ucraniana

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Em vez disso, a Ucrânia contra-atacou. Quase um mês se passou e as tropas russas parecem empacadas em face aos implacáveis ataques de um Exército ucraniano muito mais fraco, mas muito mais manobrável.

“Provavelmente esperava-se que eles não resistiriam tão intensamente”, afirmou Yevgeni Buzhinsko, tenente-general aposentado e comentarista frequente da TV da Rússia, a respeito dos militares ucranianos. “Esperava-se que eles fossem mais razoáveis.”

Os fracassos na Ucrânia começaram a criar fissuras na liderança russa, de acordo com Andrei Soldatov, escritor e especialista em forças militares e serviços de segurança da Rússia. A mais graduada autoridade de inteligência na Rússia encarregada de supervisionar o recrutamento de espiões e operações de distração na Ucrânia foi colocada em prisão domiciliar juntamente com seu subalterno imediato, afirmou Soldatov. Mesmo o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, que passa férias com Putin e foi cogitado como seu possível sucessor na presidência, perdeu o pé, de acordo com as fontes de Soldatov.

“Parece que todo mundo está na berlinda”, afirmou Soldatov.

As declarações de Soldatov não puderam ser verificadas independentemente, e alguns especialistas independentes as contestaram. Mas Shoigu não aparece publicamente com Putin desde 27 de fevereiro, quando ele e seu mais graduado comandante militar, o general Valeri Gerasimov, sentaram-se numa das cabeceiras de uma longa mesa quando Putin, do lado oposto, os ordenava a colocar as forças nucleares russas em nível mais elevado de prontidão.

“A guerra mostrou que o Exército luta mal”, afirmou Luzin, o analista militar russo. “O ministro da Defesa é responsável por isso.”

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Generais mortos no front

As mortes nos campos de batalha de graduados comandantes russos também repercutem mal no planejamento de guerra do Kremlin. O capitão Andrei Palii, subcomandante da frota russa no Mar Negro, morreu no combate pela cidade portuária de Mariupol, afirmaram autoridades russas no domingo.

Depois do major-general Andrei Sukhovetski, subcomandante do 41.º Exército de Armas Combinadas, ser morto quatro dias após o início da guerra, a cidade de Novorossiisk, onde ele estava estacionado anteriormente, emitiu um comunicado lembrando dele como “camarada fiel, guerreiro valente, comandante sábio e destemido defensor da Pátria”.

“Divisas não protegem terroristas”, afirmou o serviço de inteligência militar da Ucrânia no comunicado em que anunciou a morte de Sukhovetski.

De acordo com Kiev, ele durou menos de três semanas na Ucrânia. Depois que foi morto em batalha, ou as forças russas abandonaram seu corpo ou seu cadáver foi capturado pelo Batalhão Azov, de extrema direita, que postou no Telegram uma foto de um corpo ensanguentado com a legenda, “Glória à Ucrânia”.

Para os generais russos, parte do problema é que muitos deles passaram as décadas recentes combatendo num tipo diferente de guerra. Na Chechênia, no começo da década de 2000, a Rússia foi bem-sucedida em pacificar uma insurgência separatista num pequeno território valendo-se da dizimação total de cidades inteiras. Mais recentemente, na Síria, operações russas foram orientadas por ataques aéreos contra uma população que não contava com armas sofisticadas ou um exército regular.

A Ucrânia, ainda que mais fraca militarmente, tem aprendido com sua guerra de oito anos contra as forças separatistas com apoio russo no leste do país — uma guerra similar, em miniatura, à que está sendo travada agora. A Ucrânia possui sua própria Força Aérea, que permanece amplamente intacta, e modernos sistemas de defesa antiaérea. Enquanto comboios de blindados russos tentam avançar por estradas da Ucrânia, as forças ucranianas acionam drones e unidades de infantaria altamente manobráveis, que causam danos devastadores, deixando um rastro de veículos abandonados e incendiados. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO