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Economist: De mísseis hipersônicos a drones submarinos, como o Exército da China está dando um salto

Pequim é capaz de projetar e produzir quase todo armamento moderno que necessita, mas os armamentos chineses ainda sofrem falhas técnicas, problemas em cadeias de fornecimento e atrasos em desenvolvimento

Por The Economist

Xi Jinping aprendeu muito em seu primeiro emprego. Entre 1979 e 1982, como secretário do então vice-premiê e ministro da Defesa, Geng Biao, ele manuseou documentos sensíveis e participou de conclaves de alto nível; viajou ao exterior pela primeira vez; e passou incontáveis horas escutando as palavras de Geng — um ex-general e embaixador — na Mercedes com chofer que os levava de reunião em reunião ou descontraindo durante uma partida de weiqi, um jogo também conhecido como Go.

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Mais importante, Xi testemunhou em primeira mão o precário estado do Exército de Libertação Popular. O ELP tinha acabado de ser obrigado a uma retirada do Vietnã, ainda usava armas de tecnologia soviética antiga, algumas da época da 2.ª Guerra. E apesar da abertura das relações diplomáticas da China com os Estados Unidos, Geng não tinha conseguido persuadir Washington a fornecer a Pequim mísseis e outras armas mortíferas durante uma visita à capital americana em 1980 (apesar de ter lhe ter sido concedida uma exibição privada, dentro da Casa Branca, de “O Império Contra-Ataca”).

Quatro décadas depois, Xi lidera um país capaz de projetar e produzir quase todo armamento moderno que necessita. Sua indústria de defesa quase totalmente estatal fabrica submarinos movidos a energia nuclear, caças de combate furtivos e um arsenal formidável de mísseis. O Pentágono afirma que o ELP implementou um míssil hipersônico de médio alcance capaz de voar até o limite da atmosfera e mudar de curso para evadir-se de defesas. Diz também que, em 2021, a China testou uma versão de maior alcance capaz de algum dia carregar uma bomba nuclear até o território continental dos EUA (a China afirma que era um veículo espacial).

Um membro do Exército de Libertação Popular (ELP) observa o Museu Nacional da China na Praça Tiananmen, em Pequim Foto: Giulia Marchi/ Washington Post

Mas os armamentos chineses ainda sofrem falhas técnicas, problemas em cadeias de fornecimento e atrasos em desenvolvimento. As dez maiores fabricantes estatais de armas na China têm funcionários demais, são mal administradas e tendem a ocultar erros. Um impulso para envolver o setor privado ainda não rendeu frutos. E para obter alguns componentes críticos a China ainda depende de outros países cuja confiabilidade enquanto fornecedores está em dúvida.

A corrupção também persiste, apesar dos esforços de Xi. A reforma que ele iniciou no ELP em 2016 incluiu a criação de um novo Departamento de Desenvolvimento de Equipamentos e o estabelecimento de regras rígidas sobre aquisições e testes de armas. Mas em julho esse departamento reconheceu que a corrupção persistiu, solicitando alertas a respeito de violações ocorridas desde 2017, incluindo favoritismos, associações criminosas, acobertamentos e “vazamentos ativos de segredos”.

Algumas autoridades ocidentais afirmam que isso pode estar ligado ao desaparecimento, desde agosto, do general Li Shangfu, que foi demitido do cargo de ministro da Defesa em outubro, depois de sete meses na função. Ele dirigiu o Departamento de Desenvolvimento de Equipamentos de 2017 a 2022.

A China demitiu o general Li Shangfu do cargo de ministro da Defesa em outubro  Foto: Vincent Thian / AP

Roleta russa

Mesmo antes da guerra na Ucrânia, o ELP vinha sugerindo que não estava alcançando seus objetivos, com publicações militares repetindo com frequência a afirmação de Xi a respeito da China não ter as armas necessárias para vencer uma guerra altamente tecnológica. Essas preocupações têm se intensificado à medida que as forças ucranianas expõem falhas nos armamentos russos, muitos dos quais a China comprou e copiou após sofrer embargos do Ocidente em razão do ELP ter matado manifestantes pró-democracia em 1989.

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A vulnerabilidade dos tanques, veículos blindados e navios de guerra russos a sistemas de mísseis portáteis e drones tem causado preocupação em particular. “Nós precisamos fazer prontamente melhorias correspondentes para a proteção de equipamentos relevantes para minimizar perdas em batalha”, afirmou um jornal ligado à indústria da defesa em outubro de 2022.

Xi também parece irritado em relação aos cortes nas exportações americanas para a China de chips e outras tecnologias com usos militares. Dirigindo-se a oficiais do ELP, em março, ele afirmou que a indústria da defesa chinesa precisava colocar mais foco em inovação, autossuficiência e “vencer guerras”.

Agora, a diminuição no ritmo econômico poderia fazer baixar o gasto militar ao mesmo que uma parte maior desse orçamento é usada para melhorar benefícios para os recrutas. “Nós ainda estamos longe de alcançar os EUA”, disse à Economist o coronel sênior Zhang Chi, da Universidade Nacional de Defesa do ELP. “Nosso maior problema é que a economia da China tem de se desenvolver mais. Nós simplesmente não temos o dinheiro.”

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o presidente da China, Xi Jinping, durante a reunião do G-20 em Bali, Indonésia  Foto: Alex Brandon/AP

Não obstante, esta afirmação não é muito confiável. O orçamento militar da China em 2023 é de US$ 225 bilhões (em comparação, o dos EUA é de US$ 817 bilhões), mas considera-se que esse montante exclua itens críticos, como importações de armamentos. A China também lucra mais com menos investimento, com custos laborais e de outros tipos mais baixos. Seus espiões roubaram toneladas de tecnologias militares. E suas universidades produzem muito mais doutores em ciência, tecnologia, engenharia e matemática que as americanas.

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Isso ajudou a China a assumir a liderança na pesquisa de algumas áreas de alta tecnologia, como armas hipersônicas e drones submarinos, afirmam alguns especialistas. Mas a China ainda não dominou métodos de concepção e produção em massa de algumas tecnologias mais antigas que, conforme mostrou a guerra na Ucrânia, ainda podem desempenhar um papel crítico em qualquer conflito no curto prazo. Motores têm sido um problema em particular.

Caças

Consideremos os caças furtivos J-20 fabricados na China, que voaram pela primeira vez em 2011. Por anos, a maioria usava motores russos. Em 2022, o componente foi substituído por um modelo chinês, o WS-10, que é menos durável e tem menos capacidade para voos supersônicos sem usar o dispositivo de pós-combustão. Isso também torna o jato muito menos furtivo — um problema sério quando sistemas antiaéreos são capazes de tornar praticamente inúteis aeronaves sem mecanismos de furtividade, conforme a Rússia constatou na Ucrânia.

Então, no fim de junho, uma gravação de vídeo circulou na rede social chinesa aparentando mostrar um voo de teste do mesmo modelo de caça furtivo equipado com um motor chinês mais potente, confiável e eficiente em consumo de combustível, conhecido como WS-15. Especialistas chineses elogiaram o novo motor, classificando-o como um avanço. Alguns sugeriram que o equipamento já estava sendo produzido em massa e seria capaz de alcançar o motor Pratt & Whitney usado nos F-22 furtivos de fabricação americana.

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Mas Zhang Yong, da Aero Engine Corporation of China, que fabrica motores de aeronaves militares, pareceu mais cauteloso em uma conferência três meses antes. “Gargalos tecnológicos” do WS-15 tinham sido resolvidos, mas cadeias de fornecimento de seus componentes precisavam ser melhoradas, afirmou Zhang. Ele também sugeriu que a China ainda importava 2% dos cerca de 90 mil componentes dos caças WS-10, mais antigos.

Cidadãos chineses balançam bandeiras do país durante uma parada militar em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/ AP

Mesmo se o novo motor do J-20 realmente se equiparar ao do F-22, vale notar que a China levou muito tempo para alcançar um motor que começou a ser desenvolvido nos anos 80 e teve a produção interrompida em 2013. “Francamente, isso situa os motores chineses no fim do século 20″, afirmou Jeremiah Gertler, especialista em aviação militar do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington. O lapso diminui, disse ele, mas “o desenvolvimento de motores no Ocidente avançou”.

Motores navais também têm sido um desafio. Muitas embarcações do ELP usam motores ucranianos, franceses ou alemães fabricados sob licença na China. Vários submarinos diesel-elétricos chineses também usam motores alemães, enquanto modelos movidos a energia nuclear, considera-se, dependem pesadamente de tecnologia russa.

Motores navais e aeroespaciais constituíram mais de 55% das importações de armas da China entre 2017 e 2022, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, que monitora o comércio internacional de armas. Isso preocupava o ELP desde antes da guerra na Ucrânia. “Em certas áreas, nós ainda dependemos de fornecedores estrangeiros”, escreveu Tang Guoyong, pesquisador que estuda o ELP, em 2020. “Isso representa riscos significativos em guerras futuras.”

Vale dizer que o futuro da Ucrânia enquanto fornecedora está em dúvida. A Rússia pode estar disposta a fornecer tecnologia mais avançada, dada sua crescente dependência em relação à China. Mas sua capacidade de atender à demanda poderá ser prejudicada. Fornecedores europeus, enquanto isso, sofrem pressão cada vez maior dos EUA para parar de fornecer qualquer coisa que o ELP possa usar.

Isso ficou aparente no ano passado, quando a Alemanha bloqueou a exportação de um motor alemão para um submarino chinês vendido para a Tailândia. A China ofereceu um motor de fabricação própria, mas os tailandeses recusaram afirmando que o motor não era “testado”, indicando que o equipamento ainda não tinha sido usado em um submarino. A Tailândia mandou especialistas à China para investigar, mas desistiu do acordo em outubro e propôs, em vez disso, comprar uma fragata chinesa. A saga indicou um “gargalo intrigante” nas capacidades tecnológicas da China, afirmou Sarah Kirchberger, especialista na Marinha do ELP do Instituto Marítimo Alemão.

A reputação da China como exportadora de armas também foi prejudicada por relatos recentes de defeitos em equipamentos vendidos para países que incluem Bangladesh, Mianmar, Paquistão e Nigéria. A China não exporta seu melhor kit. Mas alguns problemas recentes afetam o estoque do próprio ELP. Um estudo chinês a respeito de seus vants militares, de 2020, constatou que os drones “com frequência não atendem necessidades reais em combate” em razão de falhas técnicas.

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Fabricantes de armas são conhecidos em todo o planeta por custos excessivos, atrasos e defeitos. Mas os problemas da China têm raiz em sua política e história. Sua indústria de defesa foi modelada segundo a soviética e retém falhas similares, incluindo uma estrutura altamente compartimentada oriunda de uma obsessão com secretismos e divisões rígidas entre unidades de pesquisa e produção.

Institutos chineses de pesquisa em defesa também são profundamente influenciados pelo planejamento central, segundo escreveu Ren Zhen, da Academia Chinesa de Engenharia Física, que ajuda a desenvolver armas nucleares. Organizações complexas e severas fricções internas tornam os institutos “incompatíveis com o objetivo moderno de alcançar rapidamente resultados em projetos de alta qualidade”. Ele também citou baixas remunerações no setor.

Nada disso impediu a China de fazer progressos enormes em tecnologias de defesa nos anos recentes. E mais está por vir. Mas o ritmo do avanço no tabuleiro não é tão impressionante como as manchetes sugerem. Desafios novos e complexos emergiram da guerra na Ucrânia. Xi afirma querer que o ELP seja “basicamente” modernizado até 2035. De sua atual posição, a meta ainda é ambiciosa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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