Em uma carta escrita em primeira pessoa e enviada ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, às vésperas da Cúpula do Clima, o presidente Jair Bolsonaro tenta pintar um cenário perfeito de sua gestão na área do meio ambiente, com uma Amazônia quase intacta e programas arrojados de preservação, com um Brasil no papel de liderança mundial no combate aos crimes contra a natureza.
No documento de sete páginas, Bolsonaro perfila pretensos dados sobre áreas preservadas, matriz elétrica mais limpa, redução de emissões de gases de efeito estufa e conclui que o Brasil precisa ser pago pelos resultados alcançados. “Inspira-nos a crença de que o Brasil merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta”, declara Bolsonaro.
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No documento, Bolsonaro diz que seu governo se compromete a eliminar o desmatamento ilegal no País até 2030, mas que isso passa diretamente pelo apoio de outros países, principalmente repasse financeiro. Alcançar esta meta, diz Bolsonaro, “exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo o apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo”.
“Se, como creio ser o caso, a sua administração deseja associar-se a objetivo tão ambicioso como meritório como o do desmatamento ilegal zero em 2030, apreciaria muito contar com o seu engajamento pessoal nesta causa”, escreve Bolsonaro a Joe Biden.
O Estadão apurou que a carta não foi bem recebida pela diplomacia americana. O pedido de dinheiro a outros países tem centralizado o posicionamento do Brasil no Exterior, capitaneado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. A tese é de que todos devem pagar pela preservação ambiental do Brasil, porque todos têm comprometimento com a Amazônia.
A condição de repasses internacionais feita pelo governo contradiz suas atitudes mais recentes sobre o assunto. Ricardo Salles foi o responsável por paralisar o maior programa de proteção da Amazônia da história, o chamado Fundo Amazônia, que era bancado com recursos diretos da Noruega e Alemanha. Salles paralisou a iniciativa, sob o argumento de que esta beneficiava apenas organizações ambientais com programas que não chegavam às florestas. Afirmou que havia irregularidades nos repasses, o que nunca foi comprovado.
As críticas acabaram por criar uma crise internacional reforçada pelo próprio presidente Bolsonaro, que atacou os países doadores, acusados de não terem preservado o meio ambiente.
Em sua carta a Biden, Bolsonaro destaca iniciativas como o programa “Adote um parque”, que prevê o financiamento privado de iniciativas para proteção de unidades de conservação federal. O presidente não menciona, porém, que tem esvaziado complemente a capacidade de operação de órgãos como Ibama e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que estão hoje sem recursos para pagar contas básicas. Há duas semanas, o ICMBio, que fiscaliza as unidades de conservação que Bolsonaro quer oferecer a patrocínios, informou que não tem mais orçamento para pagar contas de helicópteros e carros, tampouco para o deslocamento de fiscais, em pleno início da temporada de incêndios no País.
Nesta semana, o governo anunciou sua meta de redução do desmate e das queimadas ilegais com o Plano Amazônia 2021/2022. A ideia é “reduzir” o volume aos níveis médios registrados entre 2016 e 2020 (foi de 8.718,6 km2). A meta, contudo, significa manter uma taxa de desmate 16% maior do que a registrada antes de Bolsonaro assumir o governo.
A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou nesta quarta-feira, 14, que os Estados Unidos querem "ver um comprometimento claro" do Brasil contra o desmatamento ilegal na Amazônia. No domingo, 11, o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, afirmou em transmissão online do grupo Parlatório que o tema ambiental é importante para o provável ingresso do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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Durante a campanha eleitoral de 2020 nos EUA, Biden chegou a sugerir que poderia aplicar sanções ao Brasil por causa do desmatamento na Amazônia. A vice-presidente americana, Kamala Harris, também já criticou a política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Na carta, Bolsonaro defende as metas brasileiras de redução de emissões, sob o argumento de que o Brasil reafirmou compromissos antigos. No Acordo de Paris, o Brasil havia se comprometido em reduzir suas emissões em 37% até 2025, com base em 2010, e indicou que poderia chegar a 43% em 2030. A maior parte dessa redução se daria com o combate ao desmatamento ilegal, que deveria ser zero até 2030. Havia expectativa de que o Brasil aumentasse suas metas, mas o governo se limitou, no ano passado, a reafirmar os mesmos números e disse ainda que isso dependeria de ajuda estrangeira, o que não foi bem visto internacionalmente. O Brasil é o 6.º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, e a destruição das florestas responde pelo maior volume dessas emissões. Na semana passada, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 280 empresas e instituições representantes do agronegócio, meio ambiente, setor financeiro e academia, enviou uma carta ao governo Jair Bolsonaro para cobrar metas mais ambiciosas.
Leia abaixo a íntegra da carta:
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