Diretor de operações da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), o belga Bart Janssens diz que a organização está sendo impedida de resgatar refugiados no Mediterrâneo. Segundo ele, a autorização para que o barco de resgate do MSF opere tem sido adiada para que os imigrantes sejam resgatados pela Líbia e não entrem na Europa. “Em breve, estaremos diante do dilema de ver as pessoas se afogando na nossa frente”, disse. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.

Qual a pior emergência humanitária hoje no mundo? A guerra na Síria entra em uma nova fase este ano, com uma investida do governo contra redutos da oposição. A violência deve aumentar e também o número de refugiados.
A chegada de refugiados vai atingir o nível de anos anteriores? O número de refugiados continuará alto. A instabilidade política na Líbia favorece a ação de traficantes de pessoas, que cobram fortunas dos sírios em troca da promessa de levá-los em segurança para a Europa. Os governos europeus tentam fazer acordos com Líbia e Tunísia, mas estão fazendo o possível para que os refugiados não entrem.
Como assim? Toda a política europeia hoje é no sentido de reduzir a chegada de refugiados na Europa.
A MSF ainda trabalha com o barco de resgate de refugiados? Sim, continuamos nosso trabalho de resgatar refugiados e levá-los para algum lugar seguro da Europa, como sempre fizemos. Mas existem muitas medidas – algumas explícitas, outras disfarçadas – para impedir nosso trabalho.
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O sr. pode dar um exemplo? Em Roma, que sempre foi o centro de operações, muitas vezes não nos dão permissão de sair para o resgate. Eles nos pedem para aguardar. O que acaba acontecendo é que um navio da Líbia resgata os refugiados. Em breve, estaremos diante de um dilema importante, o de ver pessoas se afogando na nossa frente e termos de decidir como vamos proceder. Salvar vidas é obrigação de todos.
Qual o local mais afetado pela chega de refugiados? A Ilha de Lesbos, na Grécia. A situação é terrível e piorou com o inverno. As condições de higiene, saúde e direitos humanos são precárias. E os gregos recebem verbas da UE para isso. É preciso levar os imigrantes para algum lugar no continente, onde tenham condições mínimas, inclusive para pedir refúgio. É um escândalo.
E por que isso acontece? Diante de condições tão ruins, só encontro uma resposta: o objetivo é desencorajar a chegada de refugiados. Acho que falta coragem aos tomadores de decisão diante de um conflito que deve durar muito tempo ainda e dos atentados ocorridos na Europa nos últimos anos.