Estamos treinando à espera de ordem para entrar em Gaza e derrotar o Hamas, diz Exército de Israel

Ao ‘Estadão’, Roni Kaplan, porta-voz do IDF, afirma que confronto urbano com o grupo terrorista deve ser de alta complexidade porque os militantes estão misturados à população civil

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Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comRoni KaplanPorta-voz das Forças de Defesa de Israel

O major Roni Kaplan, um dos porta-vozes das Forças de Defesa de Israel, declarou que o custo de vida de civis em um conflito terrestre na Faixa de Gaza não teria precedentes em guerras recentes, mas que Israel não tem outra saída para exterminar o grupo terrorista Hamas. “Não queríamos estar nessa guerra, mas não temos outra opção”, afirmou ao Estadão nesta quinta-feira, 26, em uma entrevista por Zoom.

Kaplan concedeu a entrevista na iminência de uma invasão terrestre na Faixa de Gaza. Segundo ele, as tropas aguardam a decisão do governo para entrar no território onde vivem 2,3 milhões de pessoas e onde mais de 7 mil morreram desde o início dos bombardeios em resposta ao ataque do Hamas em Israel no dia 7, que resultou em mais de 1,4 mil mortos e a tomada de 224 reféns.

A entrevista com Roni Kaplan foi transcrita abaixo na íntegra e de maneira fiel. As observações entre colchetes e em itálico nas respostas foram feitas pelo Estadão para melhor compreensão e esclarecimento dos fatos.

Manifestantes pedem a libertação de reféns israelenses tomados pelo Hamas em 7 de outubro Foto: AHMAD GHARABLI / AFP

Israel tem anunciado há algumas semanas a intenção de invadir a Faixa de Gaza por terra. Não fez isso até o momento, apesar dos contínuos bombardeios. Por quê?

Vamos atuar por terra no momento, no lugar e da maneira que seja funcional para nossas considerações operativas até o governo dê a autorização para a incursão. As Forças Armadas de Israel estão fazendo duas coisas centrais: por um lado, estamos solicitando há quase duas semanas que os civis que vivem na Cidade de Gaza deixem a cidade e vão para o sul da Faixa de Gaza porque Gaza [a cidade] é uma zona de perigo, uma zona de combate. Estamos fazendo isso por chamadas telefônicas, por panfletos atirados do céu, redes sociais e também por rádio. Estamos fazendo isso porque os civis da Faixa de Gaza não são nossos inimigos. Queremos minimizar o dano a eles.

Por outro lado, até que o governo dê a diretiva para a incursão por terra, estamos aproveitando o tempo para treinar melhor nossas forças que estão fora da Faixa de Gaza. Isso vai otimizar todos os nossos planos operativos e também otimizar os equipamentos que serão utilizados na incursão.

Israel sabe quantos civis permanecem na Cidade de Gaza hoje?

Sim. Neste momento, Israel tem informação que aproximadamente 700 mil civis saíram da Cidade de Gaza, apesar das prevenções do Hamas para que eles não façam isso. Houve várias solicitações do porta-voz do Ministério do Interior de Gaza que eles não saiam de lá para defender ‘a nação islâmica’, assim estava escrito no comunicado. Apesar disso, 700 mil pessoas saíram e cerca de 350 mil pessoas continuam. Nós estamos solicitando que eles se retirem da cidade para não colocar a vida deles em risco.

Imagem da quarta-feira, 25, mostra crianças palestinas feridas após bombardeios de Israel em Gaza. Israel prepara ataque terrestre na cidade Foto: Abed Khaled / AP


Analistas e organizações têm alertado para o custo de vida que uma operação desse tipo pode haver. Além dos alertas para a população sair da Cidade de Gaza, Israel tem considerado medidas para que o custo de vidas seja menor?

Primeiro, Israel permitiu a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza [a permissão aconteceu no dia 18, depois de Israel ter bloqueado o acesso à água, comida e energia na Faixa de Gaza]. 73 caminhões entraram até o momento com medicamento, água e comida. Não há nesse momento uma crise humanitária no Sul de Gaza. Nós vamos continuar atacando o Hamas, os terroristas. Estamos fazendo e vamos seguir fazendo enormes esforços para diminuir os danos a civis que não estão envolvidos com o conflito. Não é fácil porque o Hamas distribui seus chefes e suas capacidades militares em todos os tipos de lugares civis da Faixa de Gaza. Mas nós somos comprometidos com o direito internacional. Essa é a diferença central em cada uma de nossas operações, seja alcançar um objetivo militar por ar ou o combate corpo a corpo de um soldado.

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A diferença central das partes é a intencionalidade. Israel está tentando defender seus civis com um Exército de um país democrático, por um lado, e tentado maximizar os danos a terroristas e minimizar os danos civis. Já o Hamas está cometendo três crimes de guerra. 1: estão atacando indiscriminadamente os civis de Israel com foguetes com a intenção de matá-los; 2: estão utilizando os civis na Faixa de Gaza como escudos humanos, como eu falei no caso da evacuação; Três: eles tomaram cidadãos de suas casas em um país soberano, entre eles mulheres, idosas e avós, para fazê-los refém. Esse último é um crime de guerra no Direito Internacional equivalente ao genocídio.

Israel tem sido pressionado por seus aliados, em especial os EUA, para não cometer os mesmos erros e excessos que foram cometidos na chamada “guerra ao terror”. Assim como o 11 de setembro de 2001 representou um trauma para a sociedade americana, os ataques do dia 7 representaram um trauma para a sociedade israelense, e por isso faço a comparação. Israel tem a preocupação de não cometer esses mesmos excessos? E, se sim, como se prepara para que esses erros não sejam cometidos?

Nós somos 360 mil reservistas, eu sou um deles. Todos nós fazemos parte do povo de Israel. Somos eletricistas, jogadores de futebol, donos de agência de viagem ou advogados. Somos um Exército do povo. Somos gente moral no dia a dia, parte de um estado democrático. Não somos um Exército profissional, e sim um Exército obrigatório. O grau de moralidade da sociedade israelense, que é reconhecido internacionalmente, é o grau de moralidade do Exército israelense. Não estamos lutando contra o Hamas como uma vingança. Não estamos lutando como uma vingança.

A gente compreendeu aqui que essa concepção que você pode viver ao lado de terroristas dando certos incentivos e eles não irão atacar, e dezenas de milhares deles vieram trabalhar em Israel no dia 7 de outubro, e eles recebiam também subsídios no mundo árabe, recebiam também 450 caminhões de comida, aliás, não de comida, mas todos os tipos de artefatos e bens no geral... aqui em Israel, a população e o governo compreenderam que não podemos viver ao lado de um grupo terrorista islâmico que quer nos assassinar.

Então, estamos indo para essa guerra para restaurar a segurança da nossa população. Estamos indo para essa guerra para restaurar a percepção da segurança da nossa população. Fazemos isso de uma forma consciente de que o Hamas é um grupo terrorista muito sofisticado, que tem muitos explosivos dentro da Faixa de Gaza, que são financiados pelo Irã e por outros países e grupos terroristas e que não possuem nenhum escrúpulo frente ao direito internacional. Somente nós estamos comprometidos com o direito internacional. Não temos outra possibilidade. Somos o único país judaico democrático no mundo, somos 1/6 do Oriente Médio e essas pessoas vieram assassinar nossos civis de forma cruel, de forma desumana e declararam guerra com Israel.

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Essa guerra nós vamos fazer com dois objetivos centrais: seguir operando de forma proativa para desmantelar o Hamas e erradicar a séria e grave ameaça que eles representam para nossa população civil; e trazer os 224 reféns para que eles se encontrem com suas famílias. Estes dois objetivos nós iremos fazer comprometidos com o direito internacional para conflitos armados.

O senhor ressalta que o Exército de Israel está preocupado em cumprir as leis de guerra, mas diversas organizações internacionais, como a ONU e a OMS, tem denunciado que Israel tem impedido combustível de entrar em Gaza, o que afeta o funcionamento de hospitais, por exemplo. Para Israel, isso não é um excesso que fere as leis de guerra?

O Hamas tem combustível na Faixa de Gaza. Tem entre 800 mil e 1 milhão de litros de combustível. Eles possuem isso porque, primeiro, tinham reservas; segundo, contrabandearam e compraram combustível de diferentes distribuidores; e, terceiro, eles possuem combustível porque roubaram o combustível de algumas organizações internacionais, como a UNRWA (Agência da ONU para refugiados palestinos), que declarou isso no X [a UNRWA informou sobre o incidente no dia 16, mas as postagens foram excluídas e a agência disse depois que os materiais não foram roubados].

Se Israel passa combustível para a Faixa de Gaza, o Hamas toma esse combustível e vai utilizá-lo com o objetivo de lutar contra Israel. Eles são nossos inimigos, e eles são responsáveis pela autoridade da Faixa de Gaza. Israel se retirou da Faixa de Gaza em 2005 e não tem controle efetivo sobre o local. Um problema é que Israel foi tomado por surpresa pelo mesmo Hamas. Se Israel tivesse o controle efetivo, isso [os ataques do dia 7] não teria ocorrido.

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Então, é o Hamas tem que usar seu combustível para funcionar os hospitais, tem que bombear água dos poços. O Hamas é 100% responsável por isso, não Israel. Tem combustível pela Faixa de Gaza, mas o Hamas prefere dizer que não tem. Nós temos informações de inteligência que informam isso. Então, por que Israel tem que passar combustível para um território inimigo?

Também existem acusações sobre o uso de bombas de fósforo branco, proibido em guerras, por parte de Israel...

As cortinas de fumaça comumente utilizadas pelas forças de Israel não contém fósforo branco. Outras bombas, que contêm fósforo branco, não são ilegítimas e ilegais. Muitos Exércitos ocidentais as utilizam, incluindo as Forças de Defesa de Israel (IDF). Os procedimentos das IDFexigem que tais projéteis não sejam usado em áreas densamente povoadas, sujeito a certas exceções.

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Isso está em conformidade e vai além dos requisitos do direito internacional. As IDF não usa tais projéteis para fins de mirar ou atear fogo. Nos últimos dias, as IDF foram questionadas sobre imagens de bombas que supostamente continham fósforo branco. Algumas das alegações foram refutadas, uma vez que mostram efeitos incompatíveis com as conchas de cortina de fumaça de fósforo branco. Outras afirmações não puderam ser verificadas pelas IDF com base apenas em imagens, devido à semelhança visual de diferentes tipos de bombas de fumaça e à fonte pouco clara das imagens.

Outro ponto importante que quero destacar aqui é que objetos civis – muitas vezes Israel ataca objetos civis na Faixa de Gaza, como edifícios – também podem, segundo o direito internacional, constituir alvos militares legítimos quando são utilizados por terroristas com fins militares, como por exemplo um quarto onde funciona um controle de comando para o lançamento de foguetes [as leis de guerra determinam que infraestruturas civis podem ser de natureza militar se “contribuem efetivamente para a ação militar” e cuja destruição e captura “oferece uma vantagem militar definitiva”].

Também é muito difícil para um exército moderno lutar contra um grupo terrorista que se mimetiza dentro da população civil, dentro dos negócios, dentro das escolas, das mesquitas, dos jardins de infância. É muito difícil lutar assim porque eles, intencionalmente, e eu ressalto isso, estão utilizando civis como escudos humanos.

Israel acusa com frequência esse uso de civis pelo Hamas como ‘escudos humanos’. Isso não impede a realização de bombardeios e a intenção de uma operação terrestre. O quanto Israel está disposto a lidar e a assumir a perda de vidas civis nesta guerra?

Cada morte de civil Israel lamenta muito e não é a intenção de nenhuma maneira matar um civil. Tampouco queríamos estar nessa guerra, que foi provocada pelo Hamas, mas não temos outra opção.

Dito isso, quando analisamos a quantidade de civis envolvidos no conflito que são alcançados pelas IDF em um tipo de conflito como esse, a porcentagem de civis entre os mortos, é muito mais alta, lamentavelmente, do que em outros conflitos, como Ucrânia e Rússia. Fazemos o melhor que pode fazer um exército para diminuir os danos civis, mas lamentavelmente estamos em uma guerra que não queríamos. Estávamos normalizando a relação com outros países da região, como Arábia Saudita, e nesse momento o Hamas, financiado pelo Irã, fez um ataque para desestabilizar o Oriente Médio. Mas isso é um peso que não queríamos.

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Se Israel não tivesse um Exército forte e colocasse de lado as suas armas, estaria com a sua existência ameaçada. O Hamas e outros grupos terroristas rapidamente iriam se equipar rapidamente. Tudo que queremos aqui, estando aqui como reservistas e voluntários, é para que nossos filhos não tenham que ser convocados pelo exército para alcançar a paz interna.

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