EUA aprovaram novo fornecimento de bombas para Israel no mesmo dia de ataque a funcionários de ONG

Autoridades americanas confirmaram aprovação ao jornal americano The Washington Post; transferência acontece à sombra das críticas públicas de Biden à Israel

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Por Redação
Atualização:

O governo dos Estados Unidos aprovou a transferência de mais bombas para Israel no mesmo dia em que um ataque aéreo israelense matou sete trabalhadores humanitários da ONG World Central Kitchen que estavam na Faixa de Gaza, segundo três autoridades americanas informaram ao jornal The Washington Post. A aprovação acontece à sombra das críticas públicas do presidente Joe Biden ao governo israelense e em meio ao repúdio global ao ataque.

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Segundo as autoridades, a transferência foi aprovada pelo Departamento de Estado e inclui mil bombas MK-82, outras mil bombas de pequeno diâmetro e fusíveis para explosivos MK-80. A autorização aconteceu “momentos antes” da notícia dos ataques contra o comboio, disse um porta-voz do Departamento de Estado ao jornal.

A transferência estava prevista após uma autorização do Congresso americano (que precisa aprovar qualquer envio de armas para outros países) desde antes o início da guerra de Israel contra o Hamas, em 7 de outubro, mas o governo americano tinha autoridade para suspendê-la a qualquer momento. Não o fez neste caso.

Agentes inspecionam veículo em que trabalhadores humanitários estavam em Deir al-Balah, na Faixa de Gaza, em imagem da terça-feira, 2. Funcionários foram alvos de ataque aéreo israelense Foto: Abdel Kareem Hana / AP

Questionado sobre o porquê o governo não interrompeu o processo de transferência após o ataque contra os trabalhadores humanitários ou até que a investigação dos israelenses sobre o incidente fosse concluída, o porta-voz ouvido pelo The Washington Post não fez mais comentários. A Casa Branca e o Departamento de Estado também não se pronunciaram.

Em público, o governo dos EUA, que tem feito declarações críticas a Israel desde antes do ataque, repudiou a ação israelense que matou os trabalhadores humanitários, incluindo um americano. Biden chegou a declarar que estava “indignado e com o coração partido” e disse esperar que casos semelhantes não se repetissem. “Israel fez o suficiente para proteger os trabalhadores humanitários que tentam fornecer a ajuda desesperadamente necessária aos civis. Incidentes como o de ontem simplesmente não deveriam acontecer”, declarou.

Israel confirmou a autoria do ataque, mas classificou-o como “não intencional” e disse que os militares conduziriam uma investigação para esclarecer publicamente o que aconteceu. As autoridades, no entanto, não divulgaram que tipo de munição atingiu o comboio humanitário.

Segundo o ex-funcionário do Departamento do Estado e especialista em armas, Josh Paul, os danos causados pelo incidente são “comparáveis” às causadas pelas bombas de pequeno diâmetro que os EUA forneceram a Israel. Paul renunciou ao cargo no governo em novembro em protesto à política americana de apoio a Israel em meio à ofensiva contra a Faixa de Gaza.

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A nova autorização de munições lança uma nova perspectiva sobre as críticas americanas contra Israel. Os EUA tentam se distanciar da campanha militar na Faixa de Gaza desde os números indiscriminados de civis mortos no território, a maioria criança e mulheres, mas é classificado de hipócrita, inclusive no Conselho de Segurança da ONU, por manter o apoio a Tel-Aviv com o fornecimento de armas e resistência a resoluções que pedem o cessar-fogo no território.

Após as declarações de Biden sobre os trabalhadores humanitários, o ex-conselheiro de política externa do governo Obama, o democrata Ben Rhodes, criticou o presidente por não aplicar “ações concretas” contra a gestão de Netanyahu. “Até que haja consequências substantivas, esta indignação não faz nada”, disse Ben Rhodes no X. “[Binyamin Netanyahu]obviamente não se importa com o que os EUA dizem, mas sim com o que os EUA fazem”, acrescentou.

Palestinos inspecionam veículo com o logo da World Central Kitchen que foi atingido por um bombardeio das Forças de Defesa de Israel em Deir al Balah, Faixa de Gaza Foto: Ismael Abu Dayyah/AP

As últimas transferências de armas representam uma pequena parte, avaliadas em milhões de dólares, de vendas militares muito maiores que foram aprovadas pelo Congresso anos atrás, mas nunca cumpridas na totalidade. O envio de pacotes aprovados não obriga o Departamento de Estado a notificar os deputados mais uma vez, embora o contexto geopolítico e humanitário tenha mudado significativamente desde então.

Quando questionado na terça-feira, dia seguinte ao incidente contra os funcionários humanitários, sobre o papel do Departamento de Estado na continuação das transferências de armas, Blinken citou ameaças do Irã e do Hezbollah a Israel e disse que as armas sevem para “dissuasão”. “[As armas] vão para dissuasão, para tentar evitar mais conflitos. Vão para reabastecer seus suprimentos e estoques”. As munições, no entanto, também são utilizadas em Gaza.

‘Ataque foi sistemático, carro a carro’

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A World Central Kitchen pediu nesta quinta-feira, 4, uma investigação independente sobre os ataques e instou os países de origem dos funcionários mortos a apoiarem o pedido. Segundo a organização, Israel atacou os veículos em uma rota que havia sido coordenada e liberada pelos próprios militares. Três carros, que estavam com uma distância de até 2 km entre si, foram atingidos.

O chef fundador da World Central Kitchen, José Andrés, rejeitou as alegações de Israel de que o ataque se tratou de um erro e disse que o bombardeio aconteceu “sistematicamente, carro por carro”. “Esta não foi apenas uma situação de azar em que ‘ops, largamos a bomba no lugar errado”, disseà agência de notícias Reuters.

“Isto foi ao longo de 1,5, 1,8 quilómetros, com um comboio humanitário muito definido que tinha sinalização no topo, no teto do carro, um logótipo muito colorido do qual obviamente nos orgulhamos muito”, afirmou. “Está muito claro quem somos e o que fazemos”.

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O ataque interrompeu o trabalho das agências humanitárias da ONU e de pelo menos outras duas entidades humanitárias por questões de segurança. Cerca de 200 trabalhadores humanitários foram mortos durante a guerra, a maioria deles palestinos, segundo a ONU. /Com W.P

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