Os pagers desapareceram da vida cotidiana do mundo desde o avanço dos celulares e smartphones, mas a explosão de milhares deles no Líbano nesta terça-feira, 17, mostrou como continuam sendo utilizados por membros de grupos como a milícia radical xiita libanesa Hezbollah. Segundo especialistas em segurança, os membros do alto escalão do grupo usam o equipamento há anos e o difundiram ainda mais após o início do atual conflito na Faixa de Gaza em 7 de outubro.
A difusão dos pagers aconteceu depois de um alerta dos líderes do Hezbollah sobre um ataque espião de Israel na rede de telefonia celular no país, acrescentaram os especialistas. Como resultado, milhares de membros comuns do Hezbollah, e não apenas combatentes, abandonaram os smartphones para um novo sistema de pagers sem fio, de acordo com Amer Al Sabaileh, especialista em segurança regional e professor universitário em Amã, na Jordânia.
Segundo Sabaileh, os dispositivos já eram utilizados pelo alto escalão por causa das preocupações constantes com a segurança das telecomunicações. Há muito tempo os agentes do Hezbollah são proibidos de usar celulares enquanto estão no sul do Líbano, próximo da fronteira com Israel. Eles temem que os celulares revelem localizações.
Depois do 7 de outubro, alguns membros do Hezbollah foram assassinados em ataques aéreos e o chefe do grupo, Hassan Nasrallah, alertou-os em fevereiro sobre o uso de celulares e invasões espiãs por parte de Israel. A ordem foi quebrá-los ou enterrá-los.
O Irã, cujo governo há décadas fornece armas, tecnologia e outras formas de ajuda militar ao Hezbollah, teria sido fundamental tanto para qualquer decisão de mudar para o sistema quanto para a entrega dos dispositivos, disseram os especialistas.
Uma razão fundamental para a escolha dos pagers é o uso de tecnologia alternativa a das redes convencionais de telefonia celular, o que dificulta rastreá-los eletronicamente. Segundo David Wood, analista do Líbano do think tank International Crisis Group, o equipamento é uma “rede limitada e fechada”.
Como o ataque aconteceu
Apesar das precauções do Hezbollah, os milhares de pagers espalhados pelo país explodiram praticamente de forma simultânea. A ação foi atribuída ao Mossad, a agência de inteligência de Israel, que também é acusada de assassinar o então líder do Hamas Ismail Haniyeh no local onde ele dormia em Teerã, no Irã, em julho.
Segundo o jornalista britânico Frank Gardner, correspondente de segurança da BBC, a ação provavelmente aconteceu após agentes israelenses se infiltrarem na cadeia de fabricação dos pagers. Gardner diz que os dispositivos podem ter sido embalados com 10 a 20 gramas de explosivo de alto nível militar, escondido dentro de um componente falso.
O jornalista acrescenta que o explosivo pode ter sido acionado por algum código, que teria causado a explosão.
As explosões deixaram mais de dois mil feridos graves e nove mortos até a tarde desta terça-feira. O maior efeito, no entanto, deve ser o trauma para o Hezbollah. Segundo David Wood, do Crisis Group, o grupo deve buscar a partir de agora um outro método de comunicação, que evite por completo aparelhos eletrônicos. “Obviamente, isso tornará a coordenação mais difícil e mais arriscada e, sem dúvida, é um sério golpe para sua capacidade operacional”, disse ele.
Segundo Sabaileh, o outro efeito do trauma é mostrar que Israel é capaz de atacar não apenas os combatentes, mas qualquer pessoa ligada ao grupo. “É como fazer uma operação em todas as partes do território do Hezbollah”, disse. “A maneira como eles são direcionados e o momento parece um filme - fazer os dispositivos explodirem ao mesmo tempo em todos os lugares é chocante.”/COM NYT