Nos Estados Unidos e na Europa, o Brasil não é Ocidente. Nós não somos ocidentais. Mesmo na China, na Índia, no Oriente Médio e na África, não nos incluem no mundo ocidental. Sei que muitos brasileiros querem ser integrantes desta civilização, mas eles não querem e não acham que façamos parte. Somos, na visão do resto do mundo, hispânicos que não falam espanhol.
Samuel Huntington, em seu livro "O Choque de Civilizações", nos classificou como latino-americanos, com o catolicismo pesando fortemente na nossa cultura. Fareed Zakaria, comentarista da CNN e da revista Time, escreveu outro dia que "a crise financeira internacional atingiu apenas o Ocidente, e não países como Brasil, Índia e China".
Em Beirute e Tel Aviv, libaneses e israelenses dificilmente dirão que nós brasileiros sejamos ocidentais. Não somos como os europeus ou os americanos na cabeça deles. Isso não é pior nem melhor. Eles apenas acham engraçado os brasileiros se considerarem ocidentais. Curiosamente, Israel e Líbano se acham Ocidente, apesar de geograficamente estarem no Oriente.
No Conselho de Segurança da ONU, ao cobrir resoluções contra países como Síria, Líbia ou Irã, noto que não descrevem o Brasil como ocidental. Somos do "Bric", emergentes. Neste caso, até parece ser positivo. Eles nos colocam em alta, como uma nova força, diante de potências européias decadentes.
Quando estudei aqui nos EUA, seja no colegial (high school, ensino médio, clássico ou como quiserem chamar dependendo da geração) ou no mestrado, sempre fui de um país "cool". "Where are you from?", me perguntavam. "Brazil", respondia. "That's so cool! Where in Brazil?". "São Paulo". "Nice, I've always wanted to go to Rio". Eram simpáticos, e demonstravam curiosidade para saber mais como era a vida em um país fora do Ocidente.
Hoje também acrescentam que somos uma potência econômica, bem diferente dos anos 1990. Ainda assim, jamais nos descrevem como Ocidente. Apenas no Departamento de Estado, onde, por motivos geográficos, somos regidos pela "Subsecretaria do Hemisfério Ocidental", que incluí a América Latina e o Canadá.
Eu acho bobagem a divisão do mundo em civilizações. Libaneses, chineses, israelenses, brasileiros, americanos e franceses de uma determinada classe social têm vidas praticamente idênticas. A variação se dá de pessoa para pessoa. Eu sou 100% paulistano, mas não bebo chope, não jogo bola, não escuto pagode e pratico um esporte popular na Sérvia (pólo aquático) e gosto de baseball, apesar de também amar futebol (e o Palmeiras). Aliás, dois esportes ocidentais, mesmo com o baseball sendo ignorado na Europa, mas popular no Japão e Cuba. E o futebol, ainda que crescente nos EUA, não ser uma das três maiores modalidades. Curiosamente, a China não gosta de nenhum dos dois e a Índia ama o circket, que, obviamente, é do Ocidente.
Estas separações também colocam em civilizações distintas a Espanha e a Argentina, mas na mesma Portugal e Suécia ou Líbano e Arábia Saudita. Buenos Aires e São Paulo talvez tenham mais pessoas de origem européia do que todas as capitais da Europa, menos Londres e Istambul que, por sinal, tampouco é da civilização ocidental, apesar de os turcos, como os brasileiros, acharem que sim.
Se esta divisão não serve para descrever pessoas, ela auxilia no entendimento de questões de política externa. O Brasil, como governo, na administração de Lula e de Dilma, não se coloca como Ocidente. Na verdade, aceita e até incentiva a classificação do país como potência do mundo emergente, independentemente de ser latino-americana ou não. A Turquia também descobriu este mercado. Mais vale ser o gigante da "civilização islâmica" do que o "menino feio" da civilização ocidental, tomando bola preta para entrar no clube da União Européia, apesar de ser bem mais forte economicamente do que a vizinha e decadente Grécia, berço da civilização ocidental.
Leiam os blogs da Adriana Carranca, no Afeganistão, do Ariel Palacios, em Buenos Aires, do historiador de política internacional Marcos Guterman, em São Paulo, daClaudia Trevisan, em Pequim, o Radar Global, o blog da editoria de Internacional do portal estadão.com.br, com o comando do Gabriel Toueg e do João Coscelli, o Nuestra America, do Luiz Raatz, sobre América Latina, " e as Cartas de Washington, da correspondente Denise Chrispim
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O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de "O Estado de S. Paulo" em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios
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