Como flores secas podem revelar as mudanças no clima e interferências humanas nos últimos 500 anos?

Pesquisadores da Universidade de Bolonha analisaram um dos herbários mais antigos do mundo e o compararam com a flora atual

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Por Redação
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Flores secas documentadas por um naturalista há mais de 500 anos ajudaram pesquisadores da Universidade de Bolonha, na Itália, entenderem a transformação ambiental do norte da Itália provocada pela interferência humana e pelas mudanças climáticas nos últimos séculos. As descobertas foram divulgadas em uma publicação da The Royal Society, sociedade científica do Reino Unido, nesta quarta-feira, 8.

Os pesquisadores se debruçaram sobre o herbário de Ulisse Aldrovandi, um naturalista que viveu em Bolonha, na Itália, entre 1522 e 1605. O material inclui cerca de 5 mil exemplares da flora do norte da Itália, colhidas entre 1551 e 1586, para os quais há informações precisas sobre o local de recolha, incluindo também a frequência e abundância de espécies, ecologia, nomes locais ou usos na medicina popular.

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De acordo com o estudo, este é o caso mais antigo a nível global de amostras de herbário cujos locais de recolha são conhecidos. “O herbário de Aldrovandi preserva a memória dos primeiros sinais de uma transformação radical da flora e dos habitats europeus”, descreve a pesquisa.

As mais de 500 páginas do naturalista foram comparadas com coleções feitas por Girolamo Cocconi (1883) e registros compilados na região de Emilia-Romagna entre 1965 e 2021. E as diferenças entre os três períodos foram altamente significativas.

Um exemplo são as espécies americanas. Enquanto na época renascentista essas espécies importadas representavam apenas 4% da flora, hoje elas chegam a quase 39%. Um dos fatores que explica essa “invasão” de espécies exóticas na Europa é justamente o aumento da troca comercial e cultural entre o continente e as Américas.

Espécies nativas, por sua vez, deram sinais claros de perturbação humana e perda de habitat. Os hidro-higrófitos, por exemplo, apareceram em maior número nos registros de Cocconi do que em Aldrovandi e na flora atual. Segundo o estudo, isso pode indicar condições mais perturbadas dos habitats de água doce na época de Cocconi em comparação com Aldrovandi, devido ao aumento da recuperação de terras da região.

Herbário de Ulisse Aldrovandi inclui cerca de 5 mil exemplares da flora do norte da Itália, colhidas entre 1551 e 1586. Foto: Divulgação/Universidade de Bolonha

Já sinais de mudanças climáticas foram fornecidos por espécies de alta montanha, mostrando os efeitos da “pequena idade do gelo”, um período de resfriamento na Era Moderna que provocou fenômenos, por exemplo, como o abandono da Groelândia pelos vikings. Plantas microtérmicas estavam mais representadas em Cocconi do que nas floras de Aldrovandi e atuais. Isto sugere que Cocconi descreveu uma flora da pequena idade do gelo, enquanto Aldrovandi e os dados atuais refletem cenários climáticos totalmente diferentes.

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Além da demonstração de fortes mudanças na flora refletindo variações de clima e uso da terra pelos humanos, o estudo ainda chama a atenção para que espécimes sigam sendo coletadas para que comparações como essa sigam sendo possíveis no futuro. “A visão clarividente da natureza de Aldrovandi ainda deve inspirar os botânicos, estimulando a coleta contínua de espécimes como fonte insubstituível de dados primários”, alertam os cientistas.

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