Padre polonês decide lutar contra o aborto tentando ajudar mães solo

Para o Reverendo Tomasz Kancelarczyk o que pode importar mais é o apoio às mulheres que optam por ter um filho

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Por Katrin Bennhold e Monika Pronczuk
Atualização:

ESTETINO, Polônia - O aborto é proibido na Polônia há 29 anos, mas isso tem feito pouco para impedir que as mulheres tenham acesso ao procedimento, fazendo do Reverendo Tomasz Kancelarczyk um homem ocupado.

O padre católico reproduz áudios de ultrassom do que ele descreve como batimentos cardíacos fetais em seus sermões para dissuadir as mulheres que consideram um aborto. Ele ameaçou adolescentes dizendo que contaria a seus pais se elas fizessem um aborto. Ele intimidou casais enquanto esperavam no hospital por abortos por causa de anomalias fetais, o que era permitido até que a lei se tornasse mais rígida no ano passado.

Rev. Tomasz Kancelarczyk revê cartazes usados para ensinar sobre o desenvolvimento humano pré-natal.  Foto: Anna Liminowicz/The New York Times

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Mas a ferramenta mais eficaz de Kancelarczyk, ele reconhece, pode ser algo que o Estado tem negligenciado: ajudar mães solteiras fornecendo-lhes abrigo, vouchers de supermercado, roupas de bebê e, se necessário, advogados para perseguir parceiros violentos.

“Às vezes fico impressionado com o número desses casos”, disse Kancelarczyk, 54, durante uma visita recente à sua “Little Feet House”, um abrigo que ele administra em uma vila próxima para mulheres solteiras, algumas grávidas, outras com crianças, todas com dificuldades. “Deveria haver 200 ou 300 casas como esta na Polônia. Há um vácuo.”

À medida que as proibições rígidas ao aborto proliferam em alguns estados dos EUA, a Polônia oferece uma espécie de laboratório para como essas proibições se espalham pelas sociedades. E uma coisa evidente na Polônia é que o Estado, determinado a interromper os abortos, está menos focado no que ocorre depois - uma criança que precisa de ajuda e apoio.

O governo da Polônia tem alguns dos benefícios de bem-estar familiar mais generosos da região, mas ainda oferece um apoio mínimo para mães solo e pais de crianças deficientes, assim como nas regiões dos Estados Unidos onde a proibição do aborto está sendo implementada.

“Eles se dizem pró-vida, mas só estão interessados em mulheres até o parto”, disse Krystyna Kacpura, presidente da Federação para Mulheres e Planejamento Familiar, um grupo de advocacy de Varsóvia que se opõe à proibição do governo. “Não há apoio sistêmico para mães na Polônia, especialmente mães de crianças com deficiência.”

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Esta é uma das razões pelas quais o número de abortos não parece ter realmente caído - os abortos foram meramente conduzidos à clandestinidade ou para fora do país. Embora os abortos legais tenham caído para cerca de mil por ano, ativistas do direito ao aborto estimam que 150 mil mulheres polonesas interrompem a gravidez todos os anos, apesar da proibição, usando pílulas abortivas ou viajando para o exterior.

A taxa de fertilidade da Polônia, atualmente de 1,3 filho por mulher, é uma das mais baixas da Europa - metade do que era durante os tempos comunistas, quando o país tinha um dos regimes de aborto mais liberais do mundo.

A proibição legal, até mesmo guerreiros antiaborto obstinados como Kancelarczyk admitem, não fez “nenhuma diferença discernível” nos números.

Oferecer comida, moradia ou um lugar para cuidar de crianças, por outro lado, às vezes pode fazer a diferença, e Kancelarczyk, que arrecada dinheiro por meio de doações, diz com orgulho que isso o ajuda a “salvar” 40 gestações por ano.

Rev. Tomasz Kancelarczyk na Little Feet House, um abrigo que ele dirige para mães solo em um vilarejo perto de Szczecin, na Polônia.  Foto: Anna Liminowicz/The New York Times

Uma delas foi a de Beata, uma mãe solteira de 36 anos que não quis divulgar seu nome completo por medo do estigma em sua comunidade profundamente católica.

Quando ela engravidou de seu segundo filho, ela disse que o pai da criança e sua família a rejeitaram. Nenhum banco lhe emprestaria dinheiro porque ela não tinha emprego. Ninguém queria contratá-la porque ela estava grávida. E ela teve o seguro-desemprego recusado sob a alegação de que “não era empregável”.

“O estado abandona completamente as mães solteiras”, ela disse.

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Então, um dia, enquanto ela estava sentada no chão em seu minúsculo apartamento sem mobília, Kancelarczyk, que foi alertado por um amigo, ligou, encorajou-a a ficar com o bebê e ofereceu ajuda.

“Um dia eu não tinha nada”, disse Beata. “No dia seguinte ele aparece com todas essas coisas: móveis, roupas, fraldas. Eu pude até escolher a cor do meu carrinho de bebê.”

Nove anos depois, Beata trabalha como contadora e o filho que ela decidiu ter, Michal, vai bem na escola.

Para muitas mulheres, Kancelarczyk acabou sendo a única rede de apoio - embora sua caridade venha com uma marca de fervor cristão que polariza, uma divisão gritante em Estetino.

As torres da igreja gótica de tijolos vermelhos de Kancelarczyk estão em frente a um centro de artes liberais cujas janelas são adornadas com uma fileira de relâmpagos negros - o símbolo do movimento pelo direito ao aborto da Polônia - e um pôster proclamando: “Meu corpo, minha escolha”.

Todos os anos, Kancelarczyk organiza a maior marcha antiaborto da Polônia, com milhares de pessoas partindo de sua igreja e enfrentando contramanifestantes do outro lado da rua. Antes de uma parada do orgulho gay local, ele uma vez pediu a seus fiéis que “desinfetassem as ruas”.

Ele recebe mensagens de ódio quase todos os dias, diz, chamando isso de “trabalho de Satanás”.

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Kacpura diz que a falta de apoio do Estado, especialmente para mães solteiras, abriu espaço para pessoas como Kancelarczyk “doutrinar” mulheres que se encontram em dificuldades financeiras e emocionais.

Sob o comunismo, as creches eram gratuitas e a maioria dos locais de trabalho poloneses tinha instalações para incentivar as mães a ingressar no mercado de trabalho. Mas esse sistema entrou em colapso depois de 1989, enquanto uma encorajada Igreja Católica apoiava a proibição do aborto em 1993, pois isso também reacendeu uma visão das mulheres como mães e donas de casa.

O partido nacionalista e conservador Lei e Justiça, eleito em 2015 com uma plataforma pró-família, viu a oportunidade e aprovou um dos programas de benefícios infantis mais generosos da Europa. Foi uma revolução na política familiar da Polônia.

Mas ainda faltam creches, uma pré-condição para as mães irem trabalhar, além de apoio especial para os pais de crianças deficientes. Na última década, grupos de pais de crianças com deficiência ocuparam duas vezes o Parlamento polonês para protestar contra a falta de apoio do Estado, em 2014 e 2018.

Quando alguém entra em contato com Kancelarczyk sobre uma mulher que está pensando em abortar - “geralmente uma namorada” - às vezes ele liga para a mulher grávida. Quando ela não quer falar, ele diz que vai tentar encontrá-la e forçar uma conversa.

Ele também repreende os pais, mostrando imagens de ultrassom para homens que querem abandonar suas namoradas grávidas. “Se os homens se comportassem decentemente, as mulheres não fariam abortos”, ele disse.

Kancelarczyk diz que o número de mulheres que o procuraram porque estavam considerando o aborto não aumentou quando a proibição na Polônia foi reforçada para anormalidades fetais. Mas ele ainda apoia a proibição.

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“A lei sempre tem um efeito normativo”, ele disse. “O que é permitido é percebido como bom e o que é proibido como ruim.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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