‘O ELN é uma organização colombiana, respeita o território da Venezuela’, diz comandante Beltrán

Principal negociador da guerrilha afirma que grupo quer retomar as conversas de paz e vai respeitar decisões tomadas na mesa de diálogos

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Por Fernanda Simas

Assim que Gustavo Petro chegou à presidência da Colômbia, a guerrilha ELN (Exército de Libertação Nacional) demonstrou interesse em retomar o diálogo de paz que foi aberto em 2016. “O ELN mantém ativo seu sistema de luta e resistência política e militar, mas também sua plena disposição de avançar em um processo de paz que dê continuidade à Mesa de Conversações iniciada em Quito em 2017″, disse o grupo um dia após a vitória de Petro.

O comandante e principal negociador da guerrilha, Pablo Beltrán já havia afirmado que o grupo estava otimista em caso de vitória de Petro. Agora, Beltrán diz que o processo de negociações é discutido internamente e tudo que for aprovado será respeitado pela totalidade da guerrilha. Leia a seguir a entrevista de Beltrán ao Estadão.

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Quais são os principais pontos do ELN para retomar as negociações de paz?

Em março de 2016 foi fechada uma agenda de negociação com o governo colombiano, que continua valendo. Ela tem dois pontos: concordar com transformações e colocar fim ao conflito armado. Além disso, está colocado que esse trabalho será feito construindo uma visão de paz com a sociedade, com a participação da sociedade. O coração desses pontos se coloca em satisfazer os direitos das vítimas. Sobre colocar um fim ao conflito armado, aí é o resultado de acabar com a violência na política.

Colômbia e ELN discutem retomada dos diálogos de paz 

Qual é a importância da retomada das relações entre Colômbia e Venezuela para essas negociações?

Esse impacto tem duas dimensões. Uma geopolítica porque quando se constituiu o Grupo de Lima o propósito era acabar com o governo da Venezuela. Desde o território cololbiano, sob o governo de Duque, Colômbia assumiu um papel beligerante contra a Venezuela e isso descumpre os acordos que sempre existiram entre os dois países.

O segundo é que a fronteira comum, 2.200 quilômetros, foi convertida em um local de assalto à Venezuela, grupos de todo o tipo de criminosos, como do interior da Colômbia e da Venezuela, passaram a operar na fronteira. Um ponto alto disso foi quando tentaram fazer um show de ajuda humanitária. Juan Guaidó veio da Venezuela, escoltado por máfias, cruzou a fronteira e foi recebido por um tapete vermelho na Colômbia. Foi algo ridículo.

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Depois, passou a existir mais criminalidade na fronteira, inclusive com grupos criminosos que vieram do interior da Venezuela, como o Trem de Aragua, que passaram a operar até em Bogotá. E grupos criminosos que os seguidores de Uribe criaram em Medellín agora operam na fronteira.

Com a retomada de relações (entre Colômbia e Venezuela), esses grupos criminosos deixam de ter entrada de dinheiro porque vivem do contrabando, de administrar as passagens ilegais. Se as pessoas conseguem passar pelas passagens oficiais para fazer comércio, por exemplo, deixam de transitar pelas vias ilegais e os grupos criminosos deixam de ter razão de existir. E esse é um grande avanço para a paz na Colômbia.

Um relatório da HRW diz que frentes do ELN estão abrigadas na Venezuela e realizam operações conjuntas com a Guarda Nacional Bolivariana. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

Se falou muito sobre isso. O que acontece é que historicamente o ELN tem uma presença muito ampla nesses 2200 km de fronteira e as comunidades que vivem ali são binacionais. Mas o fato de que sejam comunidades binacionais não significa que nosso grupo seja binacional, isso é falso. O ELN é uma organização colombiana, respeita o território da irmã República da Venezuela, suas autoridades estatais.

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Como grupos criminosos se instalaram ali, por exemplo uma muito famosa, os Narco Rastrojos, tinham uma rota de exportação de cocaína ali. Quando as autoridades venezuelanas os pressionavam do lado venezuelano, eles corriam para o lado colombiano e, ali, nós os combatemos e eles tentavam ir para o outro lado. Isso ocorreu em Catatumbo, por exemplo, foram batalhas por meses até que se conseguiu eliminar os grupos criminosos desde Catatumbo até Cúcuta, em Norte de Santander.

Um fenômeno parecido ocorreu na fronteira Arauca-Apure. A inteligência militar colombiana criou um grupo mafioso que tentou se passar pela Frente 10 (das Farc) e criou uma rota de trânsito de coca entre as duas cidades, pagando aos camponeses de Arauca para receberem a coca porque ali é um Departamento sem coca. Quando isso aconteceu, nós nos opusemos e começou um conflito com eles. Esse conflito terminou em janeiro deste ano, quando esses mesmos grupos colocaram carros-bomba em sedes de organizações sociais que se opunham ao recebimento da coca.

Esses grupos também atacaram as forças armadas da Venezuela. Atualmente, resquícios desses grupos estão em Arauca e nós do ELN continuamos combatendo sua expansão.

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Em um eventual acordo de paz com o governo, como garantir que não haja dissidências como ocorre hoje com as Farc?

Observem o que assinamos. Tudo que foi assinado na mesa de negociações até hoje foi cumprido por todas as frentes. Por exemplo, foi acordado um cessar-fogo bilateral quando o papa Francisco veio ao país em 2017 e foi cumprido. Todo esse tipo de discussão e acordos feitos com o Estado são submetidos a debates internos muito amplos.

Há debates, discussões, mas também há maiorias X minorias, e quando se decide o que vai ser feito, a comissão que está na tarefa da negociação emite um mandato e ele deve ser seguido. Todas as frentes devem cumprir. O fato de existir o debate mostra que há participação e, quando há participação, há cumprimento.

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