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O que acontecerá se o resultado da eleição americana for contestado?

O sistema agora está mais forte, mas a desconfiança pública em relação a ele também aumentou

Por The Economist

Gabriel Sterling está se preparando para encrenca: “Temos preocupações? Sim. Temos um plano B? Claro. Não quero me aprofundar muito nele, porque não quero que as pessoas tenham planos para responder ao nosso plano B.”

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Sterling trabalha para o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, cuja principal função é administrar eleições. Após a eleição presidencial dos Estados Unidos de 2020, mas antes que o Congresso certificasse o resultado, Raffensperger recebeu um telefonema agora infame de Donald Trump, que era presidente na época, pedindo ajuda para “encontrar” votos suficientes para inverter o resultado no Estado a seu favor. Raffensperger se recusou a fazê-lo, e Trump tentou, em vez disso, anular a vitória de Joe Biden de outras maneiras, sem sucesso.

Trump e outros republicanos já estão sinalizando que contestarão o resultado novamente este ano se forem derrotados. Autoridades eleitorais como Sterling, assim como legiões de funcionários dos partidos, advogados e ativistas, estão trabalhando com base na suposição de que realmente haverá tentativas de subverter a eleição este ano, e têm se preparado de acordo. Como a máquina eleitoral vai resistir?

O método que a constituição prevê para a instalação de um novo presidente é de séculos atrás e está mostrando a idade que tem. Criticamente, os americanos não escolherão um presidente por maioria de votos em uma única eleição nacional em 5 de novembro. Em vez disso, os eleitores em cada um dos 50 Estados mais o Distrito de Columbia escolherão uma lista distinta de “eleitores do colégio”, que se comprometeram a apoiar um dos candidatos presidenciais.

As autoridades eleitorais do Estado e o governador devem assinar os resultados desta eleição antes que esses eleitores votem, por sua vez, para uma chapa presidencial em dezembro. Depois que o Congresso recém-eleito for empossado, em janeiro, ele contará os votos dos eleitores do colégio, sob a supervisão da vice-presidente, Kamala Harris, que é ela mesma a indicada democrata para a presidência. Somente quando o Congresso concluir sua contagem é que o novo presidente poderá ser empossado, em 20 de janeiro.

Esse processo tem muitas desvantagens. Primeiro e mais importante, pode resultar em um candidato que perde no voto popular, mas ganha a presidência, como aconteceu em 2000 e 2016, em ambos os casos em detrimento dos democratas. Segundo, incentiva os candidatos a se concentrarem estritamente nos poucos Estados onde o resultado é incerto (há apenas sete este ano: Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin). Terceiro, a constituição delega aos Estados a autoridade para decidir exatamente como os eleitores do colégio são escolhidos, o que significa que as regras eleitorais são diferentes em cada Estado.

E pluribus plures

Maine e Nebraska permitem que seus votos no colégio eleitoral sejam divididos entre os candidatos, enquanto os outros Estados são do tipo “o vencedor leva tudo”. Embora a maioria dos Estados exija que os eleitores do colégio votem no candidato que venceu no Estado, alguns, incluindo Geórgia e Pensilvânia, não têm regras para impedir que eleitores do colégio “infiéis” optem por outro candidato. Em um nível mais mundano, os Estados têm prazos diferentes para os condados informarem seus resultados, para as autoridades eleitorais produzirem uma contagem estadual, para os candidatos solicitarem recontagens ou apresentarem contestações legais, e assim por diante.

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Pior de tudo, o processo é absurdamente demorado, não está sob os auspícios de uma autoridade única e nem sempre uniforme nos seus detalhes, permitindo todo tipo de obstrução e atraso. Em 2020, Trump, tendo falhado em fazer com que diferentes autoridades estaduais mudassem os resultados locais, tentou convencer o Congresso e seu vice-presidente, Mike Pence, a rejeitar o resultado. Quando tudo mais falhou, ele incitou uma multidão que se reuniu do lado de fora do Congresso para protestar contra os procedimentos de “certificação”, resultando em um tumulto mortal.

Em 2020, Trump, tentou convencer o Congresso e seu vice-presidente a rejeitar o resultado das eleições e incitou uma multidão que se reuniu do lado de fora do Congresso. Foto: JUSTIN SULLIVAN/Getty Images via AFP

Se Trump perder (o modelo de previsão eleitoral da Economist considera a corrida empatada), é quase certo que ele contestará o resultado novamente. Questionar derrotas eleitorais é um quase um reflexo para Trump. Em 2016, ele alegou que ficou em segundo lugar nas primárias republicanas em Iowa apenas porque Ted Cruz, o senador do Texas que o derrotou, havia de alguma forma fraudado os procedimentos. Ele se recusou a prometer respeitar o resultado da eleição geral daquele ano em que disputou contra Hillary Clinton, insinuando que ele só poderia ser derrotado por fraude. E embora tenha sido ele, e não Biden, que foi indiciado tanto no tribunal federal quanto na Geórgia por tentar roubar a eleição de 2020, ele nunca admitiu que foi derrotado nela.

Apelando para a mesma desculpa

Trump já está se preparando para questionar a eleição deste ano. Nas redes sociais esta semana, ele acusou os democratas de “trapacear e jogar baixo” em 2020 e prometeu que este ano “QUANDO EU GANHAR, as pessoas que TRAPACEARAM serão processadas até onde a lei permitir”. Em um comício em Las Vegas em junho, ele insistiu: “A única maneira de nos derrotarem é roubando”. Na convenção republicana em julho, Chris LaCivita, um conselheiro da campanha de Trump, declarou: “Não acabou no dia da eleição, acabou no dia da posse”.

Autoridades republicanas ajudaram a preparar o terreno repetindo incessantemente a alegação de que os democratas são trapaceiros e Trump é vítima deles. Em 2021, no Arizona, outro Estado-chave que Trump perdeu por pouco, os republicanos no senado estadual lançaram uma auditoria partidária sem precedentes das cédulas usadas no condado mais populoso, inspirando auditorias alopradas em outros lugares (nenhuma das quais descobriu muita coisa). Em 2022, Trump fez o papel de fazedor de reis nas eleições intercalares, encorajando desafiantes nas primárias contra republicanos que rejeitaram suas alegações de fraude e endossando candidatos que as repetiam (Raffensperger foi um raro sobrevivente desse expurgo).

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Abraçar as mentiras de Trump a respeito da fraude eleitoral tornou-se, portanto, um artigo de fé no Partido Republicano. Um dos slogans que o Comitê Nacional Republicano (RNC), o principal órgão de coordenação do partido, está usando em sua campanha de mobilização de votos este ano é: “Faça com que a votação seja grande demais para fraudar”. Christina Bobb, consultora do RNC, advogada de Trump e defensora da recontagem espúria no Arizona, escreveu um livro de 270 páginas chamado “Stealing Your Vote” [Roubando seu voto], que pretende explicar como os democratas fraudaram a eleição presidencial ao manipular as urnas.

Nos quatro anos mais recentes, as legislaturas estaduais controladas pelos republicanos têm endurecido as regras de votação, ostensivamente para evitar outra eleição roubada. A legislatura do Arizona aprovou uma nova lei exigindo que os envelopes nos quais chegam as cédulas da votação pelo correio sejam contados manualmente (as próprias máquinas contam as cédulas), para dificultar a vida dos fraudadores eleitorais. Na Geórgia, os defensores da ideia segundo a qual Trump foi enganado aprovaram uma lei removendo o secretário de Estado (Raffensperger) do conselho estadual eleitoral, que ajuda a criar regras eleitorais. Em nome da “integridade eleitoral”, o conselho aprovou uma regra permitindo que autoridades locais realizem “investigações razoáveis” de alegações de fraude antes de certificarem os resultados de cada condado.

Observadores temem que autoridades republicanas usem a nova regra como pretexto para se recusarem a certificar resultados decepcionantes. Em um comício em agosto em Atlanta, capital da Geórgia, Trump elogiou nominalmente os três membros do conselho que haviam pressionado pela mudança, chamando-os de “pitbulls lutando por honestidade, transparência e vitória”. Janelle King, uma das três, diz que permitir uma investigação razoável aumentará a confiança no sistema. “Não há benefício para nós em roubar uma eleição. Não há benefício algum para mim em ajudar [Trump]”, ela insiste.

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A RNC está envolvida em mais de 100 ações judiciais envolvendo regras eleitorais em todo o país. “Enquanto os democratas continuam sua interferência eleitoral contra o presidente Trump e o povo americano, nossa operação está confrontando seus esquemas e se preparando para novembro”, diz Claire Zunk, porta-voz de sua unidade de integridade eleitoral. “Se os democratas decidirem continuar seus ataques às salvaguardas eleitorais até o dia da eleição, estaremos preparados para o litígio e para garantir que a eleição seja justa, transparente, legal e precisa.”

“Não é incomum ver um pouco de litígio antes de uma eleição importante”, observa Liz Avore do Voting Rights Lab, que monitora mudanças na lei eleitoral, “mas a norma não é o grande volume que estamos vendo apenas dois meses antes do dia da eleição e esse foco intenso em expurgar eleitores das listas de votação”. Ela aponta para um processo no Arizona para remover 500.000 nomes das listas de eleitores do estado como um exemplo do quão longe o Partido Republicano está indo.

A retórica que os funcionários republicanos empregam nessas queixas legais é consistentemente estridente. Em agosto, a RNC processou a burocracia eleitoral da Carolina do Norte duas vezes em uma semana, alegando que ela havia “mais uma vez falhado em seu mandato de manter os não cidadãos fora das listas de eleitores”. Ao anunciar contestações legais às novas leis de votação no Estado de Michigan, Michael Whatley, um dos copresidentes da RNC (junto com a nora de Trump), fulminou: “Gretchen Whitmer e os democratas penduraram uma nova placa na porta de Michigan: Aberto para trapaças”. De qualquer forma, as leis em questão, que mudam os procedimentos de recontagem, não entram em vigor a tempo da eleição deste ano, aponta Stephanie Chang, a senadora estadual democrata que as escreveu.

A RNC também lançou uma iniciativa chamada “Protect the Vote”, que visa treinar 100.000 observadores eleitorais e advogados em Estados-chave “para derrotar os democratas em seu próprio jogo” e garantir que “os truques democratas de 2020 não funcionem desta vez”. Uma porta-voz da RNC diz que 175.000 pessoas se voluntariaram até agora. Cleta Mitchell, uma ex-advogada de Trump que estava na ligação com Raffensperger, agora dirige a Election Integrity Network, que visa conectar “cidadãos patriotas voluntários... para aprender como garantir que as eleições sejam administradas legalmente”. “Os grupos de defesa esquerdistas se queixam sempre que pressionamos por essa conformidade legal”, ela reclama. Tudo isso é muito mais organizado do que os esforços caóticos e desesperançados que a RNC e Trump fizeram para contestar os resultados das eleições em 2020 e torna possível uma luta jurídica muito mais coordenada.

Trump cumprimenta apoiadores durante um comício de campanha em Tucson, no Arizona. Foto: Justin Sullivan/Getty Images via AFP

Os mesários estão esperando o pior. “Há muitos atores maliciosos por aí, muitas pessoas apenas tentando usar o sistema de alguma forma a seu favor”, diz Raffensperger do lado de fora dos escritórios eleitorais no Condado de Spalding, onde ele e seus colegas acabaram de realizar uma “verificação” das máquinas de votação. Este ano, ele observa, alguns funcionários eleitorais na Geórgia usarão cordões equipados com botões de pânico. Os escritórios eleitorais estão estocando um antídoto para overdoses de opioides depois que um deles recebeu uma carta com quantidades mortais de fentanil.

Contando com a contagem

No entanto, Raffensperger insiste que a eleição será sólida. Afinal, ele e outros funcionários foram colocados em estado de alerta e estão muito mais preparados para interferir do que da última vez. Em 2022, o Congresso alterou as leis relevantes para impedir algumas das manobras que Trump tentou em 2020. A legislação deixou claro que o vice-presidente não tem autoridade para desconsiderar ou alterar nenhum dos votos emitidos no colégio eleitoral e aumentou o número de congressistas necessários para apresentar uma objeção, de um membro de cada câmara para um quinto dos membros de cada câmara.

Ainda há incertezas processuais e potenciais brechas constitucionais a serem exploradas. Em seu livro “How to Steal a Presidential Election” [Como roubar uma eleição presidencial], Lawrence Lessig, professor da Faculdade de Direito de Harvard, e Matthew Seligman, da Faculdade de Direito de Stanford, argumentam que não há um mecanismo infalível para forçar um governador a certificar os resultados em seu estado e que as legislaturas estaduais ainda podem simplesmente ordenar que os eleitores do colégio desconsiderem o voto popular e sigam suas instruções. Mas os eleitores não colocaram no comando teóricos da conspiração pró-Trump em nenhum estado indeciso, e nenhuma legislatura estadual está contemplando uma legislação tão radical. Da mesma forma, embora tenha havido casos de autoridades no nível do condado se recusando a certificar votos locais, Derek Muller, professor de direito na Universidade Notre Dame, ressalta que, no fim, todos os prazos relevantes sempre foram cumpridos.

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Pode ser que os democratas tentem impedir os procedimentos, especialmente se Trump vencer no colégio eleitoral, mas Harris prevalecer no voto popular ou, pior, se o colégio eleitoral estiver empatado e os procedimentos arcanos que se seguem entregarem a eleição a Trump (nosso modelo atribui probabilidades de 1/300 para esse cenário). Eles poderiam, por exemplo, argumentar que Trump não é elegível, já que a constituição proíbe aqueles que “se envolveram em insurreição ou rebelião” contra o governo ou “deram ajuda ou conforto aos inimigos dele” impedidos de ocupar cargos governamentais. Mas é improvável que os democratas tenham as maiorias no Congresso necessárias para dar esse passo e as principais cabeças do partido até agora rejeitaram a ideia.

As circunstâncias também são diferentes agora. A eleição anterior ocorreu durante a pandemia. Os Estados tiveram que revisar os procedimentos às pressas, abrindo brecha para suspeitas e processos judiciais. Trump não é presidente, então o Departamento de Justiça não será recrutado para ajudar sua causa, um passo que Trump considerou adotar em 2020, mas abandonou quando os funcionários ameaçaram renunciar em massa.

Em contraste com 2020, Trump está encorajando seus apoiadores a votarem cedo e pelo correio. Isso deve ajudar a diminuir uma divisão partidária, pela qual os republicanos eram mais propensos a votar pessoalmente. Isso importa porque a contagem de votos pelo correio envolve procedimentos mais exigentes e, portanto, é mais lenta. O efeito disso em 2020 foi que os votos se inclinaram mais fortemente para os democratas quanto mais as contagens duravam. A liderança aparente de Trump em vários Estados foi gradualmente corroída, e então revertida, uma “mudança azul” que pessoas como Bobb interpretam como evidência de que os democratas trapacearam.

Não é apenas Trump que se viu em problemas jurídicos após a tentativa de subversão de 2020, mas também muitos de seus aliados. Isso deve funcionar como um incentivo para se manter longe de tais esquemas desta vez. Bobb, por exemplo, estava entre as 18 pessoas acusadas no Arizona em abril de conspirar para anular o resultado da eleição. Processos semelhantes estão em andamento na Geórgia, Michigan e Nevada. No ano passado, um júri concedeu indenização de US$ 148 milhões a dois trabalhadores eleitorais que foram acusados infundadamente por Rudy Giuliani, um dos representantes mais criativos de Trump, de adulterar a votação em 2020. Eles agora estão tentando impor o veredito apreendendo as propriedades de Giuliani.

Apesar da visão generosa da Suprema Corte a respeito da imunidade de Trump como presidente, ele continua em risco legal por sua conduta durante a eleição presidencial anterior. Em contraste, os tribunais deram pouca importância às suas alegações de que ele foi vítima de fraude eleitoral. É por isso que, no geral, os advogados eleitorais acham que as chances de um candidato mal sucedido anular uma eleição usando brechas legais e trapaças constitucionais são mínimas. “Dado o que passamos em 2020, acho que se as pessoas forem vigilantes e os tribunais fizerem seu trabalho novamente, devemos sobreviver”, diz Rick Hasen, professor de direito na Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Mas embora uma eleição roubada continue sendo uma perspectiva misericordiosamente remota, o fato de que os americanos estão tendo que avaliar as probabilidades disso — e que diplomatas em Washington estão silenciosamente solicitando briefings a respeito da questão — é preocupante. Os esforços de Trump para “Deter a fraude” foram alarmantes não por se sustentarem em fortes argumentos jurídicos, mas porque ele conseguiu ganhar apoio generalizado e ardente para suas alegações infundadas entre os eleitores republicanos e as elites. As pesquisas mostram consistentemente que a maioria dos republicanos acredita que Trump foi roubado da vitória em 2020. Muitas dessas pessoas temem que ele também seja roubado este ano. Os republicanos são mais propensos a confiar em Trump do que em autoridades eleitorais, dizem os pesquisadores.

Se houver boa fé entre vencedores e perdedores, mesmo um sistema eleitoral labiríntico como o dos Estados Unidos produzirá o resultado certo. Se essa boa fé evaporar, no entanto, nem mesmo o sistema mais bem projetado poderá resistir./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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