Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, foi extraordinariamente direto em uma visita recente à Europa: “Uma das razões pelas quais [Vladimir] Putin é capaz de continuar essa agressão é por causa do fornecimento de apoio da República Popular da China”, disse ele. A China era, ele acrescentou, “a maior fornecedora de maquinário e ferramentas, a maior fornecedora de componentes microeletrônicos, e tudo isso está ajudando a Rússia a sustentar a base de sua indústria de defesa”.
Autoridades americanas estão relutantes em detalhar o que eles acham que a Rússia está oferecendo a seus amigos, mas Kurt Campbell, vice-secretário de Estado, disse recentemente que a Rússia forneceu à China submarinos, mísseis e outras tecnologias militares. Separadamente, os Estados Unidos dizem que o Irã tem se ocupado de enviar à Rússia centenas de mísseis balísticos de curto alcance.
Essas revelações são exemplos dos crescentes laços militares-industriais entre China, Irã, Coreia do Norte e Rússia. “Estamos quase de volta ao eixo do mal”, diz o almirante John Aquilino, o recém-aposentado chefe do Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos, referindo-se ao termo aplicado pelo ex-presidente George W. Bush ao Irã, Iraque e Coreia do Norte.
Outros traçam paralelos com as forças do Eixo que reunia Alemanha nazista, Japão imperial e Itália fascista, com conclusões preocupantes. “Rússia, China, Irã e Coreia do Norte… agora estão cooperando há mais tempo, e de mais maneiras, do que… qualquer um dos países que viriam a formar o Eixo cooperavam entre si na década de 1930″, alerta Philip Zelikow, no Texas National Security Review, um periódico militar e de segurança.
Os membros deste novo quarteto do caos — cujas ideologias variam do islamismo ao comunismo linha-dura — estão divididos pela desconfiança mútua e têm visões de mundo muito diferentes. No entanto, estão unidos por um ódio compartilhado contra a ordem liderada pelos americanos, e estão ansiosos para aprofundar seus laços econômicos e militar-industriais. Seus relacionamentos equivalem a uma espécie de “transacionalismo estratégico”, diz um oficial americano. Ou seja, os quatro regimes compartilham uma intenção sistemática de conduzir acordos bilaterais que sejam do interesse próprio de cada participante e, às vezes, do seu interesse coletivo também.
Para ter uma ideia do quanto essa cooperação já se aprofundou, pensemos em três categorias: munição (ou seja, transferências de armas), força (suporte industrial) e cérebros (difusão de tecnologia). Embora os dois primeiros apresentem o perigo mais imediato, é a troca de conhecimento militar que representa a maior ameaça de longo prazo à segurança do Ocidente e à sua capacidade de dissuadir adversários.
Comecemos com a munição. A Coreia do Norte e o Irã estão transferindo centenas de mísseis, incluindo mais de 200 projéteis balísticos de curto alcance Fath-360, para a Rússia, tendo já enviado milhões de projéteis de artilharia e milhares de drones de ataque. Analistas esperam que a Rússia os use para sobrecarregar as defesas aéreas ucranianas, liberando seus próprios mísseis mais capazes para conduzir ataques de longo alcance em outros lugares. A Rússia disparou cerca de 65 KN-23s, um míssil norte-coreano de curto alcance, desde o início da guerra.
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Companheirismo, mísseis e músculos
A força industrial tem sido igualmente importante. Embora a China não tenha enviado armas, seus vastos suprimentos de componentes de uso duplo são “aplicados diretamente à máquina de guerra russa”, disse Campbell recentemente. A China responde por 90% das importações de microeletrônicos da Rússia e por 70% de seu maquinário e ferramentas, avalia o governo americano. Esses insumos permitiram que a Rússia produzisse mísseis de cruzeiro e drones. O apoio da China teve efeitos surpreendentes em outras partes do campo de batalha: um salto nas importações de escavadeiras da China em 2022 ajudou a Rússia a construir defesas formidáveis, o que frustrou a contraofensiva da Ucrânia no ano passado. As empresas russas estão conduzindo mais comércio e financiamento em yuan chinês para contornar as sanções ocidentais.
Menos conhecida é a crescente troca de tecnologia — os cérebros. As guerras na Ucrânia e no Oriente Médio criaram oportunidades abundantes para a troca de conhecimento técnico. A Ucrânia é um “laboratório de conhecimento e aprendizado” para os iranianos, diz Dima Adamsky da Universidade Reichman em Israel. Eles obtêm insights em tempo real quanto à eficácia de suas armas contra as defesas ocidentais, enquanto a Rússia aprende com conselheiros iranianos como conduzir ataques aéreos que misturam drones e mísseis. A Rússia está compartilhando informações do seu bloqueio de sinais de controle de drones e GPS com o Irã. Ela também está enviando à República Islâmica equipamentos ocidentais capturados, para serem desmontados para exame técnico.
Um tipo diferente de boom tecnológico
A Coreia do Norte também recebe “valiosos insights técnicos e militares” a respeito do desempenho de seus mísseis contra as defesas aéreas ocidentais, observa Mira Rapp-Hooper, uma autoridade de segurança americana. Os estrategistas da China têm estudado na guerra da Ucrânia o desempenho de HIMARS, minas terrestres e drones — capacidades que o país espera enfrentar em uma guerra por Taiwan —, diz Lyle Goldstein, especialista em forças armadas da China na Universidade Brown.
Cada vez mais, os fluxos de tecnologia estão se estendendo além desses arranjos de momento para acordos de longo prazo. A cooperação sino-russa, antes prejudicada pela suspeita mútua, está aumentando em áreas como submarinos, aeronáutica e mísseis. A Rússia está disposta a ajudar a China a construir sistemas de alerta e defesa contra mísseis, de acordo com o braço de pesquisa da força aérea dos EUA.
É difícil dizer se a Rússia vai se desfazer das joias da coroa, mas Putin precisa de sua munição
Victor Cha, especialista em Coreia do CSIS
Ele avalia que agora há um grau sério de cooperação no espaço também. Isso não se limita à China. A Rússia está ajudando o programa espacial do Irã, que é amplamente considerado apenas uma fachada para o desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs). A Coreia do Norte também recebeu de Putin a promessa de assistência tecnológica não especificada. Isso pode incluir a ajuda à Coreia do Norte no desenvolvimento de veículos de reentrada para seus ICBMs, sugere Victor Cha, um especialista em Coreia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), sediado em Washington.
Embora haja pouca evidência de um aumento na colaboração envolvendo armas nucleares, a disseminação das tecnologias militares mais avançadas está se acelerando. “É difícil dizer se a Rússia vai se desfazer das joias da coroa, mas Putin precisa de sua munição”, diz Cha. Avril Haines, diretora de inteligência nacional dos Estados Unidos, indicou que as “concessões” russas à Coreia do Norte têm potencialmente minado normas de não proliferação de longa data. E há alguns sinais de ações ou obrigações militares conjuntas.
Houve exercícios navais no Golfo de Omã por parte da Rússia, China e Irã. Rússia e China realizaram patrulhas conjuntas de bombardeiros perto do Alasca. Um acordo assinado por Putin em Pyongyang em junho compromete a Rússia e a Coreia do Norte a “fornecer imediatamente assistência militar e de outro tipo” uma à outra em caso de guerra, o que implicaria o envolvimento russo em qualquer conflito na península coreana.
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O quarteto de autocracias ainda enfrenta uma série de restrições que podem limitar a extensão da cooperação de seus membros. Uma delas é que sua disposição de correr riscos varia. A indústria de defesa da China é grande o suficiente para desequilibrar a situação na Ucrânia, mas o país se absteve de fornecer assistência letal, principalmente porque isso também prejudicaria sua capacidade de se apresentar como um mediador neutro em assuntos mundiais e colocaria em risco seus laços econômicos com o mundo rico. Rússia, Irã e Coreia do Norte — estados párias já sob sanções — podem ser menos escrupulosos. Mas, mesmo assim, a Rússia parece ter recuado momentaneamente de enviar mísseis anti-navio aos Houthis, uma milícia apoiada pelo Irã, após a pressão econômica exercida pelas monarquias do Golfo e, possivelmente, pela China, as quais precisam de estabilidade no Mar Vermelho para o comércio.
Outra restrição é a desconfiança. A China, que ainda tem disputas territoriais não resolvidas com a Rússia, está disputando com seu vizinho por influência na Ásia Central e está cautelosa com os crescentes laços de defesa da Rússia com a Coreia do Norte, que os chineses veem como seu próprio estado cliente. Enquanto isso, muitos iranianos continuam lembrando da invasão soviética em 1941. “Todos esses países têm laços bilaterais, mas não há nenhum tipo de cooperação quadrilateral”, observa Nicole Grajewski do Carnegie Endowment for International Peace, outro centro de estudos estratégicos. “Não é uma aliança”, diz Jon Alterman do CSIS sobre o quarteto. “É uma partida com quem está no jogo.” As deficiências do agrupamento são mais nitidamente reveladas por uma comparação com a Otan, o principal pacto de segurança do Ocidente, cujos membros em sua maioria compartilham um profundo alinhamento de valores políticos, economias semelhantes e um alto grau de confiança mútua.
No entanto, apesar de suas limitações, o quarteto já está começando a dar dores de cabeça ao Ocidente, e parece provável que essa dor se intensifique. As forças armadas dos EUA, organizadas para travar uma grande guerra de cada vez, estão sendo forçadas a fazer escolhas difíceis e aceitar trocas arriscadas por recursos escassos. Isso foi claramente ilustrado pela escassez de projéteis de artilharia de 155 mm no ano passado, quando os EUA retiraram em janeiro estoques de emergência armazenados em Israel para enviá-los à Ucrânia, apenas para ter que reverter o curso em outubro, desviando para Israel munição destinada à Ucrânia.
Da mesma forma, cada míssil antiaéreo disparado por navios ocidentais contra drones Houthi no Mar Vermelho é um míssil a menos disponível para defender Taiwan. A troca de conhecimento técnico diluirá a eficácia das armas ocidentais em todo o mundo — a interferência russa reduziu para menos de 10% a eficácia do Excalibur, uma munição de artilharia guiada por GPS, de acordo com Mark Cancian, também do CSIS.
É claro que poderia ser muito pior: as quatro autocracias ainda precisam coordenar seus esforços nucleares ou conduzir campanhas militares conjuntas. No entanto, apesar de todas as suas deficiências e diferenças, as autocracias operam de acordo com um cálculo compartilhado simples: quanto mais poderoso e problemático cada membro se torna, maior a oportunidade que os outros têm de capitalizar o caos.
Esse “dividendo de distração”, argumenta Hal Brands, da Universidade Johns Hopkins, pode “multiplicar os desafios que seus membros representam individualmente e coletivamente”. Os riscos representados pelo alinhamento cada vez mais próximo do quarteto não precisam ser amplamente exagerados, nem extrapolados para o futuro, para serem motivo de preocupação. Eles já são preocupantes o suficiente como estão. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL