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Silvio Berlusconi ganha força e se torna fiel da balança do novo governo italiano

Provável ascensão de Giorgia Meloni ao cargo de premiê, assim como a saúde da democracia italiana, dependerá do apoio do magnata das comunicações

Por Jason Horowitz
Atualização:

ROMA — Durante o último evento de campanha da coalizão de direita na Itália antes de sua vitória nas eleições do mês passado, o bilionário Silvio Berlusconi, com um sorriso estampado em seu rosto barbeado, ocupou o centro do palco — escorado, literalmente, em seus dois parceiros de extrema direita, Giorgia Meloni e Matteo Salvini, que levantaram as mãos de Berlusconi sobre sua cabeça, em sinal de vitória.

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A cena pode ter evocado mais um remake italiano de “Um morto muito louco” do que um triunvirato dos dias modernos, mas esse trio comporá agora o governo italiano mais à direita desde Mussolini, com Berlusconi, aos 86 anos e cada vez mais impopular, como seu frágil pivô.

Faz quase 30 anos que Berlusconi trouxe os partidos de seus colegas, antes pequenos e marginalizados, para dentro de seu governo e do mainstream da política italiana. Mas hoje é Meloni, líder do partido Irmãos da Itália, descendente dos escombros do experimento fascista do século passado na Itália, que quase certamente se tornará premiê quando o governo for constituído, talvez ainda nesta semana.

Da esquerda para a direita: Matteo Salvini, Silvio Berlusconi, Giorgia Meloni e Maurizio Lupi durante última comício em Roma antes das eleições Foto: Gianni Cipriano/NYT

A dúvida, agora, é se o envelhecido Berlusconi, de centro-direita, será capaz de cumprir sua promessa de agir como uma força moderadora, pró-União Europeia, no próximo governo italiano; ou se ele perdeu o controle da política que ele próprio mobilizou e que transformou a Itália, o local de nascimento do fascismo, mais uma vez em um campo de testes para o avanço da extrema direita na Europa.

“A Europa espera muito de nós”, tuitou na semana passada Berlusconi, que recusou um pedido de entrevista. “E nos consideramos os garantidores do próximo governo.”

Mesmo antes do governo começar, as tensões já são evidentes. Na semana passada, quando Berlusconi tomou posse de seu novo assento no Senado, organismo que quase uma década atrás o impediu temporariamente após uma condenação por fraude fiscal, os fotógrafos apontaram as câmeras para anotações dele, talvez deixadas visíveis de propósito, que descreviam Meloni como “prepotente, arrogante, agressiva”. Questionada por repórteres sobre o assunto, Meloni retrucou instantaneamente, afirmando que ele se esqueceu de uma adjetivo: “inchantageável”.

Berlusconi e Meloni pareceram fazer as pazes durante uma reunião na noite da segunda-feira, em Roma, publicando uma foto em que ambos aparecem juntos, sorrindo — e o ex-premiê qualificou a dupla como “unida”.

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A noção de Berlusconi enquanto protetor da democracia italiana é profundamente perturbadora para muitos.

Suas legiões de críticos recordam seus abusos de poder para proteger seus negócios, suas escapadas libertinas com mulheres jovens e suas festas “bunga-bunga” enquanto ocupava o governo, seu humor depreciativo em relação às mulheres italianas e à cultura e o frequente baixo nível em seus canais de televisão, que, juntamente com seus jornais e revistas, ele explorou para fazer propaganda política.

Para os críticos, Berlusconi é o vilão que corroeu a democracia italiana, cujos conflitos de interesses, associações questionáveis e aparente ilegalidade desencadearam um movimento de oposição de furiosos populistas antiestablishment e levou a esquerda a um colapso nervoso do qual ela ainda não se recuperou.

Na arena internacional, Berlusconi é amigo de longa data do presidente russo, Vladimir Putin, que ele defendeu mais recentemente no mês passado, causando dor de cabeça para Meloni, que é forte apoiadora da Ucrânia na guerra contra a Rússia.

Berlusconi também ocasionou um motim dos centristas de seu próprio partido, em julho, quando arruinou o governo do primeiro-ministro Mario Draghi, que ele elogiava publicamente, e passou a se dedicar a tentar saborear novamente o poder.

“É muito importante entender imediatamente que Berlusconi não é nada amigo da democracia”, afirmou Paul Ginsborg, biógrafo de Berlusconi, durante uma conversa recente, antes de morrer.

Mas dada a composição do novo governo, alguns analistas acreditam que Berlusconi pode ser o melhor amigo que os proponentes de uma Itália pró-UE, centrista e democrática têm.

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Apoiadores do partido de extrema direita, Irmãos da Itália, durante comício de Giorgia Meloni em 2 de setembro  Foto: Gianni Cipriano/NYT

“A parte responsável da centro-direita está encarnada em um indivíduo que foi considerado por muito tempo o líder mais irresponsável do mundo”, afirmou Claudio Cerasa, cujo novo livro, “As correntes da direita”, discorre sobre a adoção de teorias conspiratórias por nacionalistas e populistas.

Cerasa, que também é editor do jornal Il Foglio, que foi fundado pela família de Berlusconi mas agora é um veículo independente, notou que o ex-premiê, rejeitou o trumpismo sozinho na direita italiana, o populismo antielite e o nacionalismo eurocético. Ele também serviu de contrapeso ao ceticismo em relação a vacinas exercitado por Meloni e Salvini — e governou em coalizões com a centro-esquerda.

Muitos no establishment político acreditam que Berlusconi evitará que Meloni coloque em risco a unidade europeia gravitando de volta para seus antigos aliados, incluindo o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, eurocético e de extrema direita, e a francesa Marine Le Pen. “Ele é como uma bússola”, afirmou Cerasa.

Mas não está claro se Meloni seguirá a direção que ele aponta. Neste mês, ela participou — juntamente com o ex-presidente americano Donald Trump e Orbán — de um evento do partido de extrema direita espanhol Vox. “Não somos monstros”, disse ela em uma mensagem de vídeo. “As pessoas entendem isso.”

Meloni, ciente das preocupações sobre seu passado ideológico, está ávida para aliviar os mercados internacionais nomeando tecnocratas do mainstream para ocupar ministérios econômicos cruciais. Mas todos têm recusado seus convites.

Bandeiras da Itália e da União Europeia do lado de fora de um colégio eleitoral em Roma em 25 de setembro  Foto: Gianni Cipriano/NYT

Alguns argumentam que o legado mais duradouro de Berlusconi na política italiana — mais do que o debate que ele forçou sobre taxações incômodas ou questões judiciais — pode ser a criação de uma coalizão de direita moderna na Europa, composta por partidos anteriormente repulsivos, agora liderados em suas atuais interações por Meloni e Salvini.

Ao fazê-lo, Berlusconi eliminou a noção, afirmou o historiador do fascismo John Foot, de que “um fascista não deve falar, nem existir, nem ter lugar na sociedade italiana”.

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Berlusconi afirmou em 2019 em um evento político que, quando a Liga, de Salvini, e os “fascistas” despertaram, “deixamos eles entrar em 94 e os legitimamos”. Mas Berlusconi insistiu: “Nós somos o cérebro, o coração e a espinha dorsal”. “Sem nós”, afirmou o ex-premiê, “a centro-direita jamais existiria e jamais existirá”.

Alguns dos apoiadores mais antigos de Berlusconi classificam essa aliança como uma jogada de mestre, por forçar os extremistas a se normalizar e abrir concessões em função da realidade transacional da capital. “Ele transformou esses dois movimentos, que eram, digamos, canhões disparando ao léu, ou variáveis descontroladas, e os trouxe para o campo constitucional”, afirmou Renato Brunetta, que ajudou a fundar o partido Força Itália, de Berlusconi. “Foi um elemento de estabilização.”

Mas depois que o Força Itália retirou seu apoio à coalizão de governo, o que ocasionou a convocação de novas eleições, Brunetta, que era ministro de Draghi, deixou o partido e afirmou que Meloni é “realmente retrógrada em relação à cultura da direita na Itália”.

A líder do Irmãos da Itália, Girgia Meloni, deixa seu local de votação em Roma, dia 25 de setembro  Foto: Gianni Cipriano/NYT

Meloni, de sua parte, estimou a realização de Berlusconi. Em uma entrevista recente, Meloni reconheceu que Berlusconi “fez algo inesperado” quando, em 1993, apoiou a candidatura majoritária do então líder do partido Aliança Nacional, integrada por ela na época, que posteriormente serviu como ministro de Relações Exteriores do governo de Berlusconi.

“Isso certamente fez muitos que talvez não tivessem coragem de dizer, mas que levavam isso no coração, de se afirmar publicamente”, disse Meloni. “Nesse sentido, o tema é legitimação.” Mas, acrescentou ela: “Acredito que a hora da direita chegou”.

E chegou claramente agora. O partido de Meloni recebeu 26% dos votos, mais do que qualquer outro. Ela insistiu que não está carregando Berlusconi meramente porque precisa da pequena porcentagem do partido dele para governar, da maneira que ele precisou do partido dela anteriormente.

“Não precisamos carregá-lo conosco”, afirmou Meloni. “Ele pode ser a pessoa que mais se impôs mais do que qualquer outra na história italiana, na história republicana da Itália, nos últimos 20 anos”, acrescentou ela.

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Realmente, apesar de seu andar arrastado e dos jovens que esconderam sua imagem levantando bandeiras enquanto ele deixava o palco, as coisa parecem estar indo de acordo com os planos de Berlusconi.

Na semana passada, aparentemente com laquê no cabelo, ele foi o centro das atenções durante a primeira sessão do Senado recém-eleito. Todas as contradições na história da Itália e na política atual do país se manifestaram. Assim como as tensões entre os parceiros da direita.

O ex-premiê e magnata das comunicações, Silvio Berlusconi Foto: Cecilia Fabiano/LaPresse via AP

A sessão foi aberta por uma senadora vitalícia sobrevivente do Holocausto, que sublinhou o fato do fascismo de Mussolini ter tomado o poder 100 anos atrás. Os senadores elegeram presidente da Câmara Alta Ignazio La Russa, um líder do partido de Meloni cujo nome do meio é Benito e que mantém em sua casa objetos em memória a Mussolini.

Berlusconi, recebido pelos senadores com apertos de mão e pedidos de selfies, partiu para o ataque e amaldiçoou furiosamente La Russa, cuja presidência ele tentou bloquear como represália pela recusa de Meloni de nomear ministra sua própria tenente, Licia Ronzulli, ex-enfermeira sentada ao seu lado, que costumava ajudar a organizar suas noitadas com jovens mulheres.

A namorada de Berlusconi, Marta Fascina, de 32 anos, conquistou um assento no Parlamento representando uma cidade siciliana na qual ela nunca fez campanha. Em 29 de setembro, aniversário dele, ela o presenteou com milhares de balões vermelhos, em forma de coração, soltos sobre o jardim de sua mansão a partir de um balão de ar quente.

No dia seguinte, Berlusconi postou um vídeo de seu jantar de aniversário, no qual garçons de luvas brancas traziam um bolo em três camadas — uma dedicada ao seu time de futebol, uma ao seu partido político e outra ao seu império de comunicação. Um boneco de Berlusconi, sentado de perna cruzada, muito mais jovem e vestindo o terno que virou sua marca registrada, coroava o bolo sorrindo diante de um planeta Terra comestível. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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