Rússia passa a concentrar tropas no leste e batalha por Donbas

Após um mês de guerra, tropas de Vladimir Putin alteram estratégia e focam em região separatista que pode isolar Ucrânia

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Por David Leonhardt
5 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no dia 24 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin e seu círculo de aliados próximos não eram as únicas pessoas que esperavam uma vitória russa rápida. Muitos observadores independentes também pensavam assim. Mas, ao contrário do que se imaginava, a Ucrânia se manteve firme.

Em um mês de guerra, civis ucranianos mostraram resiliência em meio a um sofrimento terrível. Seus militares impediram a Rússia de tomar Kiev e até recuperaram terreno no nordeste. E os militares russos sofreram pesadas perdas, em parte por causa de uma estratégia excessivamente ambiciosa – evidentemente refletindo os desejos de Putin mais do que a realidade militar – que deixou suas forças vulneráveis a contra-ataques.

Os primeiros fracassos da Rússia explicam a nova disposição de manter negociações de paz e sua prometida retirada de Kiev. Autoridades dos Estados Unidos, compreensivelmente, expressaram ceticismo nesta terça-feira, 29, sobre se Putin está genuinamente aberto ao fim da guerra. No entanto, a Rússia realmente parece ter reduzido seus objetivos, em resposta às suas lutas no campo de batalha. Isso é uma boa notícia para a Ucrânia.

Soldado ucraniano no topo de um veículo militar russo após batalha em Kharkiv, no dia 26 de março. Com ataques russos em Kharkiv e em Mariupol, Ucrânia afirma que não pode confiar em promessa russa de concentrar ataques na região de Donbas, no leste Foto: Efrem Lukatsky / AP

Ao mesmo tempo, a nova estratégia russa cria um desafio potencial: cada vez mais, a Rússia parece estar concentrando seus esforços em menos áreas – particularmente na região de Donbas, no leste da Ucrânia. O que indica, provavelmente, que Donbas será um foco crescente da guerra nas próximas semanas.

“Vimos uma grande mudança em direção a uma frente específica nesta guerra”, afirma Michael Kofman, do programa de estudos da Rússia da CNA. “Para a Rússia, é muito mais racional”.

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Por que Donbas é importante

A região de Donbas, na fronteira com a Rússia, representa cerca de 9% do território ucraniano. Grande parte de seus moradores sentem há muito tempo tanta conexão com a Rússia quanto com o resto da Ucrânia.

Depois que a Rússia invadiu e anexou a Crimeia em 2014 - uma região próxima à Donbas -, separatistas apoiados por Moscou em Donbas iniciaram sua própria guerra civil contra o governo da Ucrânia. Os separatistas proclamaram a formação de duas repúblicas separatistas, e os combates continuaram esporadicamente nos últimos oito anos. No mês passado, Putin reconheceu ambas as repúblicas.

Se concentrar em Donbass tem múltiplas vantagens para a Rússia. Nas últimas semanas, as tropas já fizeram progressos na tomada de território na região. Além disso, o país pode manter esse território sem as longas e expostas linhas de suprimentos que a Ucrânia atacou com sucesso em outros lugares.

Uma batalha sobre Donbas também dá à Rússia a oportunidade de cercar e destruir uma grande parte das forças armadas da Ucrânia. Mais de um terço de todas as tropas ucranianas podem estar na região, lutando contra os separatistas e os militares russos.

A Rússia parece estar prestes a criar tal cerco em torno dessas tropas ucranianas, vindas tanto do leste quanto do sul. Especialistas se referem a esse progresso russo como uma “ponte terrestre” da Crimeia à Donbas.

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A cidade de Mariupol, no sul de Donbas, faz parte dessa história. Putin e seus estrategistas militares atacam a cidade portuária tão brutalmente porque é a maior cidade, na potencial ponte de terra, que eles ainda não controlam. Outro fator é o importante porto de Mariupol.

Alguns analistas, como Kofman, acreditam que a Rússia teria dificuldades para manter a ponte terrestre por um longo período. Seus militares enfrentariam muitos dos mesmos desafios que o atormentaram em outras partes da Ucrânia - uma oposição dedicada e dispersa por um grande território.

Outros acham provável que os russos consigam sustentar uma ponte terrestre. “Com sua longa história de iniciar guerras desastrosamente, mas depois vencê-las ao juntar mais homens e material para subjugar o defensor por meio de pura força bruta, a Rússia tem o tempo a seu lado”, disse Keir Giles, do Centro de Pesquisa de Estudos de Conflitos da Grã-Bretanha. “Pode manter a pressão sobre a Ucrânia por mais tempo do que a Ucrânia pode manter o interesse ocidental em apoiá-la em sua luta pela liberdade.”

Imagem de satélite registrada pela Maxar Technologies mostra devastaçãod e áreas residenciais em Mariupol, na Ucrânia, nesta teraçf-eira, 29. Cidade é chave para objetivos russos Foto: Maxar Technologies / AFP

Um novo risco

De qualquer forma, Putin pode tentar usar as negociações de cessar-fogo como uma maneira de bloquear o território que a Rússia agora controla ou em breve poderá controlar, incluindo a ‘ponte terrestre’. Essa perspectiva preocupa alguns especialistas que querem a derrota do presidente russo. “Estamos no próximo momento de perigo significativo em torno deste conflito”, disse Frederick Kagan, especialista militar do American Enterprise Institute.

Se o Ocidente pressionar a Ucrânia a aceitar um cessar-fogo que deixe esse território entre Donbas e a Crimeia, a Ucrânia seria um país destruído, argumenta Kagan. O governo ucraniano ficaria cortado de um grande número de seus cidadãos e de recursos economicamente importantes de carvão e gás natural no leste. Muitas partes do centro da Ucrânia ficariam vulneráveis a ataques russos.

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“É exatamente com a permissão de que os russos controlem essa linha sob uma fachada de cessar-fogo que eu estou preocupado”, acrescentou Kagan.

A Ucrânia foi surpreendentemente bem na guerra até agora, mas ainda enfrenta grandes riscos. “Acho que muitas pessoas no Ocidente têm mais visão do que os ucranianos”, disse Kofman. “Estou cético de que ambos os lados estejam prontos para a paz, porque ambos os lados desta guerra ainda têm oportunidades no campo de batalha.”

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