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Terremoto no Oriente Médio

Na região, os recados não vêm assinados, mas todos sabem quem está mandando

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colunista convidado
Foto do author Lourival Sant'Anna

Na coluna do domingo passado, terminei perguntando se os palestinos pagariam o preço da luta de Donald Trump pela sobrevivência. No próprio domingo, a Arábia Saudita respondeu, rompendo relações com o Catar por causa de seu apoio a grupos terroristas – entre eles o Hamas, que há dez anos governa a Faixa de Gaza – e por sua proximidade com o Irã.

Havia tempo que os sauditas pretendiam fazer esse movimento – não em razão do terrorismo, mas de seu principal inimigo, o Irã –, mas receavam causar um dissabor aos Estados Unidos, que mantêm dois centros de comando e controle no Catar, um para todo o Oriente Médio e Afeganistão, outro para as operações aéreas contra o Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque. 

Donald Trump recebe medalha do rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Foto: AFP PHOTO / MANDEL NGAN

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Na sua visita ao rei Salman no dia 21, Trump pediu apoio em sua campanha contra o extremismo islâmico e contra o Irã. A Arábia Saudita sentiu-se, então, encorajada a dar o passo. A Casa Branca anunciou que Trump tivera uma conversa telefônica com o rei, pedindo unidade e diálogo com o emirado, e os secretários de Estado e de Defesa se lançaram em tentativas de mediação.

Em mais um sinal de esquizofrenia na política externa americana, no entanto, Trump tuitou na terça-feira, empolgado com sua influência: “Durante minha recente viagem ao Oriente Médio eu declarei que não podia mais haver patrocínio para ideologia radical. Líderes apontaram para o Catar – olhe!”

No mesmo dia, o EI realizou seus primeiros atentados em Teerã, matando 12 vítimas e 6 militantes. O Catar patrocina a Frente Al-Nusra, franquia da Al-Qaeda e rival do EI na Síria. Pelo menos no seu início, o EI recebeu ajuda, se não do governo, de famílias sauditas próximas à monarquia. Não há indícios de que Riad tenha encomendado os atentados, mas eles foram uma forma de o EI oferecer seus serviços à Arábia Saudita e a outros potenciais clientes. Al-Qaeda e EI seguem a seita wahabita, uma leitura radical do Alcorão propagada pela Arábia Saudita. 

Pressão. O Egito acompanhou a Arábia Saudita na ruptura com o Catar. Tradicionalmente, o emirado patrocina a Irmandade Muçulmana, apeada do poder no Cairo em 2013 pelos militares, que voltaram a governar os egípcios, depois de um ano de experimento democrático que resultou na eleição do grupo fundamentalista islâmico. Ao reassumir o poder, os militares impuseram um bloqueio contra a Faixa de Gaza.

O Hamas foi fundado em 1988, como ramificação da Irmandade Muçulmana. No primeiro dia de trégua depois da guerra entre o Hamas e Israel, em agosto de 2014, encontrei funcionários do governo do Catar avaliando os danos em Beit Hanun, uma das áreas mais castigadas pelos bombardeios israelenses, 7 quilômetros ao norte de Gaza. O objetivo era estimar o tamanho da ajuda necessária para a reconstrução. O Catar prometeu US$ 1 bilhão. 

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As pressões contra o Catar levaram a notícias de que o líder do Hamas, Khaled Meshaal, e o seu comandante militar, Saleh Arouri, teriam sido expulsos do emirado. O governo do Catar alegou, no entanto, que acolhe os líderes do movimento como forma de tentar uma reconciliação entre o Hamas e a Fatah, facção moderada rival do Hamas que governa a Cisjordânia. 

A Fatah também já havia colocado suas mangas de fora. Após uma reunião no dia 3 de maio com Trump na Casa Branca, o líder da facção e presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, cortou 30% do orçamento da Faixa de Gaza, para pressionar o Hamas a ceder poder. Com 65% de desemprego e 70% da população abaixo da linha de pobreza, a situação no território, onde passei a semana, tornou-se ainda mais sombria.

Antecipando-se à pressão, Meshaal apresentou na véspera em Doha, capital do Catar, uma nova carta de princípios do Hamas, na qual o grupo pela primeira vez aceitou um Estado palestino nas fronteiras pré-Guerra dos Seis Dias (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental), com isso se rendendo à existência de Israel. No Oriente Médio, quando uma placa tectônica se desloca, todas as outras se movem em busca de reacomodação. E os recados não vêm assinados. Mas todos sabem quem está mandando.