Trump vence com retórica mais violenta do que a de eleições anteriores, aponta estudo

Uso de palavras como ‘crime’, ‘assassinos’ e ‘massacre’ cresceu desde as duas campanhas anteriores, aproximando o republicano de líderes autoritários como Kim Jong-un e Fidel Castro

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Foto do author Carolina Marins

“Assassinos”, “criminosos”, “estupradores” e “massacre” foram palavras muito comuns no vocabulário do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nos discursos de campanha das eleições deste ano. Segundo levantamento conduzido na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), o discurso identificado como violento do republicano escalou nos últimos nove anos, atingindo em 2024 padrões superados apenas por líderes autoritários como Josef Stalin, Adolf Hitler e Kim Jong-un.

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A pesquisa “Donald Trump’s words” (As palavras de Donald Trump) foi desenvolvida por Nikita Savin, cientista político e candidato ao doutorado na UCLA junto com o professor de ciência política Daniel Treisman. Eles fizeram uma análise computadorizada de 102 discursos de Trump a grandes audiências de abril de 2015 a setembro de 2024. Foram escolhidos todos os últimos discursos de cada mês do período analisado, para garantir que fossem aleatórios.

Com ajuda de dicionários sobre palavras violentas criados por outros pesquisadores e com auxílio de inteligência artificial, eles estabeleceram 142 palavras-chaves ligadas à violência (sangue, massacre, morte, etc.), com divisão entre violência geral, guerras e crimes. Com isso, calcularam a ocorrência dessas palavras em comícios do então candidato. Eles também analisaram a frequência de palavras associadas a economia e políticas públicas.

Donald Trump durante evento de campanha em 13 de outubro no Arizona Foto: Evan Vucci/AP

Também foram analisados 292 discursos pré-eleitorais dos principais candidatos à presidência do país, dos partidos Republicano e Democrata, de 1992 a 2024, bem como pronunciamentos importantes de líderes de outras nações, sejam eles democráticos ou autoritários.

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As análises mostraram como a escolha do candidato republicano por palavras com tom mais violento foi de 0,6% em 2015 (o que já é acima para os padrões de outros políticos americanos) para 1,6% este ano. Muito acima de Joe Biden, cujo padrão quase sempre ficou abaixo de 0,5%. Kamala Harris, porém, escalou o discurso na reta final da campanha ultrapassando 1%, algo que pode ser uma resposta à retórica de Trump, sugerem os analistas.

Vamos impor uma tarifa de 100% sobre cada carro que cruzar a fronteira, e vocês não conseguirão vendê-los se eu for eleito. Agora, se eu não for eleito… será um banho de sangue para o país.

Donald Trump durante comício em Ohio em março de 2024

O estudo, porém, tem suas limitações. A busca por palavras específicas consideradas violentas nem sempre leva em consideração seu contexto. Por exemplo, Kamala Harris usou com frequência a palavra “lutar” no sentido de “lutar por mais direitos reprodutivos”. Outro exemplo é o episódio de 6 de janeiro, em que Trump utilizou poucas das palavras consideradas violentas, ainda assim, milhares invadiram o prédio do Capitólio naquele dia incitados por seu discurso, resultando em cinco pessoas mortas.

“Descobrimos que Kamala Harris também teve uma retórica de tendência violenta”, explicou Nikita Savin em entrevista ao Estadão. “Não tão alta quanto Trump, mas ainda muito alta. Porém, observando os contextos foi que percebemos que ela geralmente se referia ao seu histórico como promotora e falava muito sobre ‘lutar’ contra o crime. Isso muda o contexto”.

No histórico de lideranças americanas durante a campanha presidencial, Trump só é superado pelas eleições entre George W. Bush e John Kerry, em 2004, quando o tema da Guerra ao Terror dominou os debates e comícios (ou seja, naturalmente as palavras seriam mais bélicas).

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Vocabulário violento em discursos de candidatos a presidente dos EUA de 1992 a 2024 Foto: Reprodução/Donald Trump's words

“No caso de Trump, mostramos que não vemos esses fatores contextuais que podem explicar esse uso frequente de palavras violentas, porque não há uma campanha militar na qual os EUA estejam diretamente envolvidos atualmente, e ele não tem esse background biográfico que Kamala Harris tem”, continua o pesquisador.

Savin aponta que, embora haja neste momento as guerras da Ucrânia e da Faixa de Gaza, em que os EUA se envolvem indiretamente, não é o mesmo que comparar com uma guerra em que os EUA eram um dos atores e onde centenas de vidas americanas foram perdidas, como foi o caso do Iraque.

Pessoas assistem ao único debate presidencial entre Trump e Kamala Harris em 10 de setembro Foto: Eric Gay/AP

Entre Kim Jong-un e Fidel Castro

Se na política americana essa escalada de palavras por um presidenciável é sem precedentes, no mundo Trump encontra seus pares. Os pesquisadores escolheram de forma aleatória alguns nomes de lideranças mundiais, do passado e do presente, separando apenas entre democráticos e autocráticos. E os discursos de Trump sempre estiveram mais próximos dos autoritários.

“Escolhemos desde líderes em democracias liberais plenas, como Emmanuel Macron da França e ex-premiês do Reino Unido, até Kim Jong-un que é o líder de um dos regimes mais autoritários do mundo. Mas se tivéssemos escolhidos líderes distintos sob os mesmos critérios, como Viktor Orbán por exemplo, teríamos uma imagem semelhante”, diz Savin.

Para a análise, os cientistas políticos pegaram discursos específicos, como os do Dia do Trabalhador de Fidel Castro e as transmissões semanais de rádio de Barack Obama, entre outros.

O Trump de 2016, quando disputou a presidência com a democrata Hillary Clinton, pontuou como mais violento do que as aparições de Vladimir Putin em seu programa televisivo “Linha Direta” (a coleta foi até 2015, não pegando a guerra da Ucrânia, mas sim a invasão da Crimeia em 2014). Um ponto importante que Savin observa é que Putin tem o histórico de não usar palavras inflamatórias enquanto promove políticas agressivas, um exemplo é quando ele se refere à guerra como “operação militar especial”.

Mas na mesma campanha de 2016, Trump pontuava menos que Obama, por exemplo, o presidente que ganhou o Nobel da Paz por selar o acordo nuclear com o Irã, mas que também conduziu a morte de Osama Bin Laden e atacou o Iraque para conter o avanço do Estado Islâmico. Já o Trump de 2020 ultrapassou Obama, assim como ultrapassou o ditador espanhol Francisco Franco, o equatoriano Rafael Correa e o venezuelano Hugo Chávez.

O de 2024, por fim, subiu ao topo do ranking dos pesquisadores ficando atrás apenas de Josef Stalin em seus discursos pré-eleitorais, Adolf Hitler em transmissões de rádio e Kim Jong-un em discursos de ano novo de 2013 a 2016. O americano aparece acima de Fidel Castro, Dwight Eisenhower e cinco anos de pronunciamentos de Benito Mussolini, o líder fascista.

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Fizemos essa análise com vários líderes distintos e só alguns deles foram incluídos no artigo apenas para destacar que Trump é realmente diferente de outros políticos democráticos e é muito próximo de líderes autoritários, como Kim Jong-un ou Vladimir Putin.

Nikita Savin, cientista político e candidato ao PhD na UCLA

‘E a economia, estúpido?’

Se o candidato priorizou um discurso, provavelmente estava negligenciando outro. Neste caso, a quantidade de palavras de cunho violento utilizadas por Trump é inversamente proporcional ao número de vezes que ele se referiu à economia, aponta o mesmo estudo.

Ao longo do tempo analisado, os termos que se referem à economia foram diminuindo cada vez mais entre os candidatos de ambos os partidos americanos. Mas a baixa referência que Trump faz ao tema, especialmente em um pleito em que a pauta econômica é central, chamou a atenção dos pesquisadores

O principal problema é a economia e é realmente muito mais importante nesta campanha em comparação com todos outros temas, o que é bem normal nas eleições dos EUA. Ainda assim, Trump falou cada vez menos sobre economia.

Nikita Savin, cientista político e candidato ao PhD na UCLA

“Não faz parte da pesquisa, mas tenho hipóteses do porquê Trump não falava muito sobre a economia. Muitos eleitores, a maioria, já o consideravam mais competente em questões econômicas do que Kamala Harris. Então, talvez ele não pensasse que isso lhe traria pontos adicionais. Mas, por outro lado, é uma vantagem dele, então ele poderia falar mais sobre isso”, diz Savin. Outro motivo é um aumento da identificação do eleitorado por pautas de identidade.

Historicamente democratas são os que mais citam a economia em comparação com republicanos. Isto é verdade para Bill Clinton, Al Gore, Obama, Hillary Clinton, Biden e Kamala. A exceção foi a disputa Bush Jr. e Kerry, onde o republicano buscou trazer os ganhos econômicos de seu governo em meio à Guerra ao Terror. Mas desde 2012 existe uma tendência de queda dentro dos dois partidos, com Biden e Kamala citando economia com um terço da frequência que fazia Bill Clinton.

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Com políticas públicas as referências de Trump são ainda menos frequentes, ficando abaixo de 0,2% das palavras mencionadas pelo republicano em grande parte da sua vida política a partir de 2015.

Em 6 de janeiro de 2021, incitados por Trump, apoiadores invadiram o Capitólio, deixando cinco pessoas mortas Foto: John Minchillo/AP

Discurso populista

Os pesquisadores também utilizaram dicionários de palavras consideradas típicas de líderes populistas para analisar se era possível colocar Trump nesta caixa. Entre essas palavras estão “o povo” em contraste com “as elites”, “nós” em contradição com “eles”.

Trump faz poucas referências ao “povo”, até menos que George H. W. Bush em 1992. Porém, há uma forte referência à luta contra as elites, um tipo de discurso que os pesquisadores identificaram uma tendência de crescimento dentro do partido Republicano desde 1990.

“Desde 1952, nenhum candidato presidencial de um grande partido fez referências antielitistas tão persistentemente como Trump fez em 2016, e sua média também foi muito alta em 2024″, aponta a pesquisa. Democratas no geral não costumam utilizar esses termos, com exceção de Al Gore e Obama em suas campanhas.

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Há poucas referências a “nós” nos discursos políticos em geral nos EUA, segundo a análise, mas Trump sim traz com muita frequência o “eles”. Nesta campanha, “eles” foram os imigrantes, na falsa narrativa criada pelo candidato de que migrantes venezuelanos vão a país para se tornarem criminosos.

“Ele menciona ‘o povo’ menos do que quase qualquer outro candidato recente, enquanto frequentemente denuncia as elites políticas e midiáticas. Não atípico no uso de ‘nós’, ele se destaca por suas frequentes referências a ‘eles’ - como em ‘eles nos tratam como lixo’ ou ‘eles estão envenenando nosso país’”, exemplifica o documento.

Esta forte dicotomia entre um grupo que seria “o povo” ou “nós” contra seus “inimigos” também é citada por Federico Finchelstein em seus estudos sobre a diferença entre fascismo e populismo. Ele argumentou, em entrevista recente ao Estadão, que Trump aspira se tornar um fascista conforme vai se distanciando do populismo tradicional (que trabalha muito com a identificação do “povo”) para se aproximar do fascismo ao criar um “inimigo da nação” (sempre de cunho xenofóbico e racista no fascismo).

“Não podemos ignorar o fato de que a política dos EUA tornou-se cada vez mais polarizada nos últimos oito anos”, afirma Nikita Savin. “Questões de identidade se tornam cada vez mais urgentes e importantes para os eleitores. E talvez o aumento das palavras violentas nos discursos de Trump também seja uma manifestação dessa tendência estrutural.”

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