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Modern Love: Sobre (não) desperdiçar meu tempo com um homem mais jovem

Não tínhamos futuro juntos, então por que não se apaixonar completamente?

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Por Rosemary Howe Camozzi

THE NEW YORK TIMES LIFE/STYLE - Estávamos quase na ponte sobre a rodovia I-5 em Eugene, Oregon, quando ele perguntou: “Quantos anos você tem?”

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“Quarenta e cinco.” Eu tinha acabado de perguntar a idade dele e fiquei chocada ao saber que ele tinha apenas 32 anos. Agora era a vez dele ficar chocado. Eu tinha certeza de que estava tudo terminado.

Mas ele apenas disse, “Ah,” e continuou dirigindo.

Mais tarde, depois de caminharmos até o topo de uma montanha e estarmos deitados de costas, olhando para um céu sem nuvens, ele disse: “Por que você não tem cabelos grisalhos?”

“Não sei, mas nunca tingi.”

“Eu posso ver. Cabelo dessa cor não sai de um frasco.”

Nós não sabíamos muito um do outro, exceto que ele era repórter de um jornal local, e eu era estagiária, tendo acabado de terminar um curso de jornalismo mais tarde na vida. Ele gostou de uma história que escrevi sobre um colecionador de selos em que usei a palavra “filatélico”.

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Eu gostava da maneira autoconfiante com que ele entrevistava as pessoas ao telefone, sem mencionar como ele ficava de calça cáqui e o pequeno cacho de cabelo castanho que caía sobre o colarinho da camisa. Ele era inteligente e muito engraçado.

Recém-divorciada, eu tinha três filhos entre 11 e 19 anos. David havia deixado um emprego de repórter em Indiana para se mudar para Oregon e poder cuidar de sua avó, que o criou depois que sua mãe deixou a família. Ele nunca havia sido casado.

Oito meses depois, ele e eu acabamos trabalhando em outro meio de comunicação, onde fazíamos parte de um grupo de jornalistas que adoravam tomar cerveja e conversar depois do trabalho. Ninguém sabia que estávamos namorando, já que David acreditava firmemente que os romances no local de trabalho eram uma má ideia - em teoria.

Na prática, passamos muito tempo juntos. Ele era um surfista ávido e eu gostava de ficar na praia com nossos cachorros. Acampamos, caminhamos, cozinhamos. Nós nunca ficamos sem coisas para conversar ou rir. Celebramos cada solstício e equinócio com uma caminhada e um piquenique na floresta, deixando guloseimas para os animais selvagens e fazendo amor em um cobertor para celebrar a virada da estação.

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Em um dia frio de solstício de inverno, nos encontramos sozinhos no cume de um morro no topo de uma rocha, assistindo paralisados enquanto uma enorme nuvem negra se aproximava de nós em um céu outrora azul. Quando a nuvem veio e se soltou, nos refugiamos sob uma saliência da rocha, rindo incrédulos enquanto a neve fustigava as plantas e as rochas. Apenas trinta metros abaixo da trilha, não havia nada no chão.

Não muito tempo depois, eu estava cortando legumes no balcão da cozinha quando senti o amor bater - como um golpe físico no meu peito. É este o tipo de amor que você vê nos filmes, eu me perguntava? Apesar do meu longo casamento, sempre pensei que esse nível de sentimento devia ser falso. Mas agora eu entendia o que era.

David claramente me amava também, e ele não tinha medo de demonstrar isso, mas eu não podia deixar de me preocupar com nossa diferença de idade. Ele queria começar uma família, e eu já tinha uma.

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Um dia, enquanto esperávamos para atravessar uma rua, ele se virou para mim e levantou exatamente essa questão, dizendo que queria se casar com alguém que também tivesse toda a vida pela frente.

“Eu sei,” eu disse, quando começamos a atravessar. “Eu também não quero me casar com você.”

Ele parou abruptamente, parecendo magoado. O que ele esperava? Eu já sabia que não queria acabar vendo meu homem mais jovem um dia olhando para mulheres ainda mais jovens. Só de pensar nisso era doloroso, mas a alternativa - perdê-lo - era tão ruim quanto.

Eu nutria um sonho vacilante de que as coisas poderiam dar certo. Eu não via como elas poderiam dar, mas talvez por algum milagre, como nos filmes. O fato de eu parecer mais jovem do que minha idade não ajudou no pensamento realista.

Nós nos separamos duas vezes nos anos seguintes. Parávamos de fazer planos e ele se afastava. Foi difícil, mas eu o deixei ir, porque de acordo com a lógica, não deveríamos ser um casal.

A cada vez, nós namoramos outras pessoas. Meu coração ocupado não deixou espaço para um novo romance, mas fiz alguns amigos. A vida amorosa de David, por outro lado, era difícil de assistir, como quando ele começou a sair com uma bibliotecária que morava do outro lado da rua onde nós dois trabalhávamos. Eu via a caminhonete dele na frente da casa dela à noite, e isso quase acabou comigo.

Em outro momento, ele namorou uma jornalista que se parecia um pouco comigo e era apenas cinco anos mais velha que ele. Uma noite, rasguei algumas de suas matérias de jornal em pedacinhos e ateei fogo na calçada. Foi apenas levemente gratificante.

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Depois de seus episódios de namoro, David sempre encontrava um motivo para nos reunirmos para tomar uma cerveja. E então nos envolveríamos de novo. Ele disse que éramos duas ervilhas em uma vagem. Mas sua decisão de se casar com uma mulher mais jovem e ter uma família não mudou, e eu não podia ou não queria me preocupar com o futuro.

Passamos cinco anos em um relacionamento de idas e vindas, e então ele e sua avó se mudaram de Eugene para uma cidade na costa do Oregon, a cerca de 150 quilômetros de distância. Eu dirigia até lá quase todo fim de semana, íamos à praia, caminhávamos, líamos, cozinhávamos e fazíamos todas as coisas que gostávamos de fazer juntos.

O riso vinha com facilidade, assim como todo o resto, até uma manhã em que uma coisa incomum aconteceu na costa do Oregon - nevou. Estávamos tomando café e olhando pela janela de uma minúscula cabana azul alugada com o piso de madeira torto, uma habitação tão velha que quando você tocava no fogão levava um choque. A cabana estava empoleirada na beira de um penhasco, e os flocos caíam rápidos e fortes na praia abaixo.

Foi nessa paisagem surreal que David largou sua xícara de café e disse gentilmente: “Rosemary, vamos voltar para casa. Quero levar minha avó de volta ao Havaí para que ela possa passar seus últimos anos lá.”

Eu sabia que ele estava pensando em ir, mas minha respiração ficou presa no peito, e eu mal podia responder. Finalmente, disse algo como: “Isso faz sentido. Eu entendo.” Mas fiquei arrasada.

Mais uma vez, porém, eu me recuperei. Decidimos fazer uma viagem de 10 dias até a Ilha do Havaí para que ele encontrasse um lugar para morar. Fizemos playlists de músicas, alugamos um carro e nos divertimos muito. Nós dois éramos tão bons em ignorar o futuro. Então ele se mudou, e nós terminamos, mas sentimos muito a falta um do outro e voltamos logo.

Meu chefe até me deixou trabalhar da casa de David em Hilo. Parecia certo, mesmo que um futuro com ele ainda fosse um sonho impossível.

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Uma noite, em um telefonema transoceânico, ele mencionou que havia uma mulher em sua aula de ioga que estava interessada nele. “Mas não posso fazer nada sobre isso”, ele disse - querendo dizer por causa de mim, de nós.

Eu disse a primeira coisa que me veio à mente: “Vamos terminar”.

“O que?”

Eu podia ouvir a surpresa em sua voz. “Sim”, eu disse. “Se você quer namorar com outras pessoas, precisamos terminar.”

“Acho que você está certa.” Ele não achava que seria tão fácil.

Eu não podia estar com raiva - os termos eram claros. Mesmo assim, meus amigos diziam que era a primeira vez que me viam realmente deprimida.

Mantivemos contato, é claro, e conversávamos no telefone de vez em quando, mas com o tempo as distâncias aumentaram. Então, depois de mais ou menos um ano de silêncio, recebi um e-mail.

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“Eu sei, eu sei”, ele havia escrito. “Faz algum tempo. Tanta conversa pra por em dia. Eu tenho um novo emprego. Sou casado e tudo. Mas ei, eu estava querendo entrar em contato, e o sol poente acabou de me atingir no rosto, e é o equinócio afinal, então pelo amor de Deus - olá!”

E foi assim. Ele se casou com o tipo de mulher que sempre disse que se casaria. Alguns anos depois, ele também teria o filho com o qual sonhara. No entanto, nossa amizade perdurou e ainda nos falávamos no solstício.

Alguns disseram que ele era egoísta. Ou que perdi meu tempo. Nenhuma das coisas é verdade.

O que é verdade? O bilhete que escrevi em um pedaço de papel e coloquei na gaveta da minha mesa de cabeceira depois que nos separamos daquela última vez: “Muito depois que você se for, minhas pedras manterão seu calor”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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