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Por que é mais provável que trabalho não remunerado prejudique a saúde mental das mulheres

Geralmente, elas têm longas horas de trabalho doméstico e responsabilidades familiares além de um emprego, enquanto homens têm tarefas menos sensíveis ao tempo

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Por Claire Cain Miller

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em países ao redor do mundo, as mulheres realizam mais trabalho não remunerado - tarefas domésticas, cuidados com crianças e idosos e a carga mental de administrar uma família - do que os homens. Novas pesquisas sugerem que isso afeta a saúde de muitas delas.

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Quanto mais desse trabalho as mulheres fazem, pior é sua saúde mental, descobriu uma meta-análise de 19 estudos, abrangendo 70.310 pessoas em todo o mundo, publicada este mês na revista The Lancet Public Health. A pesquisa analisou o trabalho não remunerado de pessoas que também trabalhavam por remuneração. Outros estudos recentes também descobriram que o trabalho doméstico das mulheres está associado a problemas de saúde, tanto física quanto mental.

As descobertas apontam para uma razão pela qual as mulheres são mais frequentemente diagnosticadas com ansiedade e depressão do que os homens, e ajudam a explicar por que, agora que as escolas estão abertas e as mães estão de volta ao trabalho, elas ainda sentem mais estresse do que antes da pandemia. Os efeitos desse trabalho adicional na saúde mental que as mães fizeram nas profundezas da pandemia, e ainda fazem, continuam.

“De muitas maneiras, a covid paralisou ou, em alguns casos, reverteu alguns dos ganhos duramente conquistados na igualdade de gênero”, disse Jennifer Ervin, autora do estudo e doutoranda no Centro de Equidade em Saúde da Universidade de Melbourne, na Austrália. Mas, ela acrescentou, os resultados mostram que “reduzir a carga desproporcional de trabalho não remunerado das mulheres, permitindo que os homens assumam igualmente sua parte, tem o potencial de melhorar a saúde mental das mulheres”.

Dupla jornada das mulheres que têm emprego formal e cuidam de afezeres domésticos chega a 53,3 horas por semana. Foto: Tony Cenicola/The New York Times - 21/5/2020

O trabalho doméstico e os cuidados com os filhos, segundo a pesquisa, têm muito menos impacto na saúde mental dos homens. Provavelmente porque eles fazem muito menos disso. Nos Estados Unidos, as mulheres realizam em média 4,5 horas desse tipo de trabalho por dia, em comparação com 2,8 horas dos homens, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (O cálculo considera as médias gerais, independentemente de as pessoas estarem empregadas.) Na Grécia, as mulheres fazem 4,3 horas desse trabalho enquanto os homens fazem uma hora e meia. Mesmo nos países com maior igualdade de gênero, como a Suécia, as mulheres fazem 50 minutos a mais por dia do que os homens.

Durante os lockdowns, os homens fizeram mais trabalho não remunerado do que antes, mas as mulheres também, de modo que suas partes totais permaneceram as mesmas. Isso foi verdade em vários países.

Mas isso também ocorre porque o tipo de trabalho que os homens fazem geralmente é menos sensível ao tempo e mais agradável, ou pelo menos mais tolerável. Por exemplo, os homens são mais frequentemente responsáveis por tarefas ao ar livre, como cortar a grama, que são feitas com menos frequência e de acordo com seu próprio horário. As mulheres são mais propensas a assumir tarefas diárias que precisam ser feitas em determinados momentos, como preparar refeições ou limpar.

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Provavelmente as expectativas da sociedade também desempenham um papel. Estudos mostraram que as mulheres se sentem pressionadas a manter suas casas limpas, por exemplo, e se sentem julgadas se não o fizerem. Os homens, por outro lado, são frequentemente elogiados por fazerem tarefas mundanas, como limpar uma casa ou levar uma criança a um compromisso.

O trabalho não remunerado em si não é problemático, segundo a pesquisa. O problema é toda a bagagem em torno disso - se ele entra em conflito com as outras responsabilidades de alguém, como o trabalho remunerado, e se é realmente o que alguém quer fazer.

A “pobreza de tempo” - um termo que os cientistas sociais usam para descrever a falta de tempo suficiente para trabalhar ou ter atividades de lazer - afeta particularmente as mulheres com demandas de cuidado e pessoas com empregos inflexíveis e mal pagos. A pobreza de tempo contribui para o declínio da saúde mental, mostra a pesquisa, e também torna mais difícil fazer coisas que melhoram a saúde, como se exercitar, dormir ou cultivar amizades. Um estudo descobriu que, embora os casais de sexo oposto sejam cada vez mais propensos a compartilhar a responsabilidade pelo trabalho remunerado e não remunerado, os homens têm significativamente mais tempo de lazer nos fins de semana, enquanto as mulheres fazem mais tarefas domésticas.

Quanto mais trabalho doméstico as mulheres fazem, pior é sua saúde mental, descobriu uma meta-análise de 19 estudos, abrangendo 70.310 pessoas em todo o mundo, publicada na revista 'The Lancet Public Health' Foto: Maggie Steber/The New York Times

Em alguns casos, descobriu-se que aqueles que renunciam ao trabalho remunerado para cuidar dos filhos ficam mais felizes com o trabalho não remunerado - mas nem sempre. Depende se isso está alinhado com o que queriam fazer, ou se sentiram que tinham pouca escolha a esse respeito.

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“Não está claro que fazer uma quantidade maior ou uma parcela maior de trabalho doméstico não remunerado esteja negativamente associado à saúde física ou mental em si”, disse Daniel L. Carlson, sociólogo da Universidade de Utah, que estuda o assunto. “Mães que têm responsabilidade majoritária por essas tarefas, mas também são muito convencionais em seus papéis de gênero, aceitam essa responsabilidade. Mas para as mulheres que acreditam mais no igualitarismo essas responsabilidades levam a uma saúde mental mais deficiente”.

As identidades discordantes são parte disso, ele disse: “Eu quero ser essa pessoa, mas não sou”.

Surpreendentemente, embora os casais do mesmo sexo tendam a dividir a principal responsabilidade pelo trabalho e pela família depois de terem filhos, eles tendem a ficar mais felizes com a divisão. A pesquisa descobriu que é porque, frequentemente, há mais conversa sobre quem fará o quê, em vez de uma suposição baseada no gênero.

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Os pesquisadores da Lancet disseram que tirar conclusões definitivas dos 19 estudos era difícil e que mais pesquisas seriam bem-vindas. Uma lacuna na pesquisa acadêmica, que alguns estudos mais recentes estão começando a abordar, é uma visão mais detalhada de como os diferentes tipos de tarefas e responsabilidades afetam as pessoas.

As pessoas tendem a gostar mais de fazer compras do que de lavar roupa, por exemplo, e de cozinhar mais do que de lavar a louça. Cuidar das crianças pode ser mais gratificante do que o trabalho doméstico - e ler ou passear com uma criança mais agradável do que lidar com uma birra ou com um despertar às 3 da manhã.

Mas o que parece claro, disseram os pesquisadores, é que quando os homens fazem mais trabalho não remunerado, isso alivia os impactos nas mulheres. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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