'O novo imposto não vê as transformações de forma profunda', diz professora

Para a especialista, como a economia está mais digital, seria mais eficaz repensar o sistema tributário como um todo

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Por Andrei Netto e correspondente em Paris
Atualização:
Para a especialista, como a economia está mais digital, seria mais eficaz repensar o sistema tributário como um todo 

Especialista em impostos, a portuguesa Rita de la Feria, professora de Legislação Fiscal da Escola de Direito da Universidade de Leeds, no Reino Unido, vê no novo imposto que será adotado pelo Reino Unido e está em estudos na União Europeia uma solução parcial, que não revolve o problema fiscal da nova economia. Segundo ela, a criação de uma taxa é um erro, pois toda a política fiscal deveria ser revista à luz da revolução digital. Leia os principais trechos da entrevista:

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A sra. acredita que essa taxa vai entrar em vigor? A situação política no Reino Unido é bastante instável devido ao Brexit. É possível que as eleições sejam antecipadas para o próximo ano. Se não houver eleições, e se este governo continuar no poder, é possível que o imposto venha a ser introduzido no próximo ano.

Esse imposto é similar ao imposto que vem sendo debatido na UE e na OCDE? A lógica é idêntica. Essas empresas, devido a seus modelos econômicos e suas estruturas corporativas, pagam muito menos impostos do que as empresas mais tradicionais.

Há empresas que instalam suas sedes na Irlanda, apesar de sua atuação estar mais concentrada em outras nações. Isso preocupa os países maiores, como França e a Alemanha. São países que têm um mercado consumidor de produtos digitais grande e sentem que estão perdendo uma parte muito grande da receita. 

É uma espécie de adaptação fiscal à revolução digital? O problema é que o sistema fiscal mundial é pensado para um mundo territorial e físico. Mas a economia mudou muito nos últimos 20 anos. E todos, inclusive o Brasil, precisarão adaptar os sistemas fiscais à nova realidade digital. Esse imposto é sintomático. Estamos tentando arranjar situações para adaptar à realidade digital. E essa solução me parece a errada.

Qual é o erro? Ser uma solução setorial e provisória. Deveríamos fazer as coisas ao longo prazo. O conjunto da economia está se digitalizando, mas estamos criando um imposto que tem como alvo apenas algumas empresas digitais. Mesmo as multinacionais tradicionais já estão se digitalizando. A solução é temporária e vai criar problemas para tentar distinguir o que é um serviço digital e o que não é. 

Qual seria a melhor opção? Temos de pensar no sistema todo. As alterações são de tal escala que é impossível manter o status quo. O novo imposto é uma oportunidade perdida para pensar as coisas de forma mais profunda. Quando pensamos nesse novo imposto, estamos pensando em tributar os lucros das empresas nos países em que estão os consumidores. Por que não repensar o sistema todo e tributar os lucros das empresas – e não apenas as digitais – onde estão os consumidores? Há propostas que mostram que tributar onde os consumidores estão seria muito mais eficiente.

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