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‘Rei dos sintetizadores’ quer o mercado internacional

O paulistano Arthur Joly constrói 'synths' analógicos que já foram parar na Europa e até em Hollywood

Foto do author Bruno Romani
Por Bruno Romani
Atualização:
Em seu estúdio em São Paulo, Arthur exibe alguns dos instrumentos que constrói, entre eles o Mutuca (E) e a Reco Drums (centro) Foto: Taba Benedicto/Estadão

Há pelo menos 40 anos, o sintetizador deixou de ser o “som do futuro” para se embrenhar numa infinidade de gêneros musicais: do pop ao industrial, do rap à música experimental, do k-pop à new wave. Porém, pouquíssimas pessoas no mundo são capazes de construir esses instrumentos — é preciso ter, ao mesmo tempo, uma certa intimidade com a engenharia elétrica e um flerte com o mundo criativo. O paulistano Arthur Joly é um desses tipos raros. 

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Do seu estúdio na Vila Olímpia, o músico e produtor ocupa o trono de “rei dos sintetizadores analógicos do Brasil”. Lá, fica a sede da Reco Synths, a marca que ele criou para os instrumentos que constrói e vende, principalmente, para os Estados Unidos e Europa — entre os seus clientes estão Hans Zimmer (ganhador do Oscar em 1995 pela trilha de O Rei Leão) e J.J. Abrams (diretor de Star Wars: A Ascensão Skywalker). 

Como muitos que decidem trilhar o caminho da música independente no Brasil, Arthur sempre precisou se desdobrar: masteriza e produz discos (entre eles Vivo Feliz, de Elza Soares), faz trilhas para publicidade, além de subir no palco como artista ou como músico acompanhante de outros artistas (como a própria Elza Soares). Foi só em 2009 que ele começou a dar os primeiros passos na construção dos primeiros “synths”, construindo instrumentos pré-montados vendidos pela internet.

“Um sintetizador é uma obra de arte”, diz ele ao Estadão. Não é um exagero de um homem apaixonado. Um sintetizador analógico converte sinais elétricos em sons, que podem ser ter suas ondas manipuladas das mais variadas formas. Por trás dessa “mágica” está a maneira como os circuitos são construídos e alinhados dentro da máquina. “Tenho uma obsessão pela disposição interna dos circuitos”, conta. É algo que faz lembrar como Steve Jobs, no início da Apple, também via beleza naquilo que os olhos não podiam ver.

Isso significa que cada sintetizador é único. E a soma de módulos (equipamentos independentes que se somam a outros) pode gerar sons ainda mais originais. 

Além dos componentes internos, sintetizadores analógicos costumam ter acabamento bastante caprichado, principalmente em madeira. Tentar realizar tudo isso no Brasil é uma missão ainda mais complicada. Por exemplo, por aqui não é tarefa simples encontrar fornecedores de chapas de alumínio, por onde são fixados os circuitos. 

“Descobri um cara que faz placas para túmulos de cemitério. Perguntei se ele poderia fazer a corrosão (processo pelo qual é possível gerar relevos) das placas. Ele aceitou e isso deu a cara do meu painel de alumínio”, conta Arthur. 

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Ele também conta que há dificuldades para encontrar peças, como potenciômetros (botões que permitem influenciar a produção do som). “Existem potenciômetros mais modernos que não chegam aqui no Brasil. Eles são menores e têm influência no design final dos instrumentos estrangeiros”, diz. O rei dos sintetizadores, porém, não desanima. 

“Os gringos se amarram nas gambiarras. Isso diferencia os meus synths”, afirma. Para Arthur, qualquer ajuda é bem-vinda para fazer brilhar os olhos do mercado internacional. Os sintetizadores mais baratos que ele produz são caros para o público brasileiro — custam a partir de R$ 3,5 mil. Quando convertidos para dólar ou euro, porém, os synths têm preços competitivos com marcas internacionais. Arthur ainda lembra que o mercado nacional é extremamente limitado em termos de tamanho. 

“Deve ter umas 20 pessoas no Brasil que entendem esses equipamentos e o seu valor”, afirma ele. Uma dessas pessoas é o músico e produtor Beto Villares, que usou os instrumentos da Reco Synths na trilha do filme Bingo: O Rei das Manhãs

Além dos equipamentos que estão no portfólio, como o Mutuca e a Reco Drums, ele trabalha em projetos especiais. Um pouco antes da pandemia, por exemplo, o produtor trabalhou com uma grande montadora asiática de veículos para criar um sintetizador que misturava seus timbres a samples de sons da natureza. Posteriormente, o aparelho foi usado em uma campanha publicitária fora do País. Em casos como esse, o equipamento pode demorar até um mês e meio para ser construído, enquanto os outros instrumentos demoram entre duas e três semanas. 

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Para quem está arriscando os primeiros passos no mundo dos sintetizadores, o mundo digital oferece opções bem mais acessíveis em termos financeiros (e também de facilidade de uso) por meio de plugins, programas que emulam instrumentos do mundo real. Para os puristas, a substituição soa como ofensa. Mas Arthur vê valor nas duas situações. “Existem reproduções digitais de obras do Michelângelo. Não quer dizer que uma é melhor que a outra. Elas servem para propósitos diferentes”, diz ele. 

O retorno à comparação com obras de arte revela onde Arthur espera chegar com a Reco Synths — para isso, ele lembra dos instrumentos criados por Robert Moog nos anos 1970. “Quando eu vejo um (sintetizador) Minimoog, eu não vejo um instrumento. Vejo uma obra de arte de um cara que tem uma história rica, que marcou a música. Esse também é o meu sonho. Quero deixar músicas no mundo feitas com os Reco Synths”.

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