Você deve ter visto um aviso no WhatsApp nos últimos dias: o app atualizou suas políticas de privacidade. A mudança gerou barulho entre usuários, que passaram a se preocupar com a obrigatoriedade de compartilhamento de dados entre o app de mensagens e o Facebook, proprietário do serviço. Resultado: muita gente saiu correndo da plataforma e os apps de mensagens Telegram e Signal viram um grande crescimento no número de downloads nesta última semana.
A preocupação chegou, inclusive, a instituições de defesa do consumidor. Nesta quinta, 14, o Procon-SP notificou o Facebook a respeito da mudança. A instituição quer saber qual é a base legal da empresa para a mudança e o seu enquadramento na Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde setembro de 2020 - a notificação ocorre após a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, também tomar medida semelhante. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) também anunciou que entraria no caso.
Em relação ao Procon-SP, o Facebook tem 72 horas para responder. Ao Estadão, um porta-voz do WhatsApp disse: "O WhatsApp esclarece que está à disposição para prestar os esclarecimentos necessários ao Procon-SP".
O ponto específico que chamou a atenção dos usuários e dos órgãos de defesa nas novas regras foi o compartilhamento de dados do WhatsApp com o Facebook - a empresa de Mark Zuckerberg é dona do app de mensagens desde 2014. O aviso do WhatsApp diz que os usuários que não aceitarem as novas políticas até 8 de fevereiro de 2021 não poderiam mais usar suas contas - elas ficariam congeladas.
A mudança levantou debates sobre proteção de dados. Até Elon Musk, o bilionário fundador da Tesla, se pronunciou sobre o assunto no Twitter dizendo “Use Signal”.
Com o histórico ruim do Facebook em cuidar da privacidade de seus usuários, houve bastante confusão em relação à mudança. O WhatsApp tentou tirar algumas dúvidas de seus usuários - sem muito sucesso, aparentemente. Então, conversamos com especialistas para entender o efeito real dessa nova política. Confira as explicações abaixo.
O que diz a nova regra do WhatsApp sobre o compartilhamento de dados com o Facebook?
A nova política de privacidade do WhatsApp oficializa o compartilhamento de dados do app de mensagens com o Facebook (as duas plataformas fazem parte da empresa de Mark Zuckerberg). Trata-se apenas de uma oficialização, porque,na prática, isso já acontece desde 2016. Na época, o WhatsApp deu uma janela de 30 dias para os usuários aprovarem ou não a coleta de dados do app de mensagens pelo Facebook para ajudar a “melhorar anúncios e experiências” na rede social - quem entrou no app depois dessa data, porém, compartilhou os dados automaticamente.
Por que o WhatsApp atualizou a política de privacidade?
O foco da mudança está em conversas entre empresas e clientes. A nova política detalha a coleta de dados envolvida na integração de contas comerciais do WhatsApp Business com algumas funcionalidades do Facebook. Desde 2019, tem ficado claro o plano da companhia de integrar WhatsApp, Instagram e Facebook, para facilitar o comércio eletrônico e pagamentos pelas plataformas. Em comunicado, o WhatsApp afirma que as mudanças fornecem mais transparência sobre a coleta de dados e que elas “não afetam, de forma alguma, a privacidade das mensagens que você troca com seus amigos e familiares”.
Vou poder usar o WhatsApp se não aceitar os novos termos?
Segundo a empresa, não. Os órgãos de defesa do consumidor estão tentando definir a legalidade da decisão para que possam contestá-la.
Minhas mensagens de zap poderão ser lidas pelo Facebook?
Para quem começou a usar o WhatsApp nos últimos quatro anos, ou aceitou os termos lá em 2016, o Facebook já está coletando dados, entre eles número de telefone, modelo do aparelho, tempo de uso, foto de perfil, entre outros. Mas não entram conteúdos das conversas nessa coleta: elas são protegidas por criptografia de ponta a ponta, ou seja, o Facebook não consegue ler - mesmo que queira. Para acessar os conteúdos do que trafega pelo app, a rede social teria que quebrar a criptografia da plataforma.
Por que essa nova política gerou barulho?
Principalmente porque muitas pessoas não sabiam sobre essa coleta de dados do WhatsApp para o Facebook. E mais: foi um alerta para o fato de que há anos não existe espaço de escolha para os usuários decidirem se querem ou não compartilhar as informações. No Brasil, o episódio chamou a atenção de órgãos de defesa do consumidor, como o Procon-SP e a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além disso, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) está estudando medidas para garantir que usuários que não concordem com a política sigam usando o app.
Soma-se a isso a falta de credibilidade que o Facebook cultivou ao longo dos últimos anos em relação à proteção de dados. Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), o caso também é um sinal dos novos tempos: “As pessoas estão prestando mais atenção em políticas de privacidade. Isso significa que as empresas precisam ter cautela redobrada e um esforço de comunicação mais informativo nessas mudanças, incluindo linguagem que não seja o juridiquês”, afirma.
Consigo saber se estou compartilhando dados do WhatsApp com o Facebook desde 2016?
Sim, é possível saber dentro do aplicativo do WhatsApp mesmo. Primeiro, clique em “Configurações” (ou “Ajustes”). Depois, vá na aba “Conta” e selecione a opção “Solicitar dados da conta”. Você vai receber um relatório com as informações em três dias.
Devo excluir o WhatsApp e migrar para outros apps de conversa?
Segundo especialistas, mais importante que migrar de app, é sempre estar atento às regras de privacidade, independentemente da plataforma em que você esteja. “O usuário deve olhar a política de privacidade para saber quais dados são coletados e com quem eles são compartilhados”, afirma Bruna Martins do Santos, da associação Data Privacy Brasil. “Uma dica importante é ficar atento se o aplicativo tem criptografia de ponta a ponta, que é uma ferramenta que impede que a sua comunicação seja lida ou interceptada por terceiros”.