Blecaute volta ao carnaval em grande estilo

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Por Marcos Sá Corrêa
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A melhor fantasia deste carnaval foi, com sombras de dúvida, a da Eletronorte. Ela saiu de "árvore do apagão". Guarnecida com preciosos penduricalhos técnicos. Costurada com fios de alta tensão. Cintilando com as luzes que piscaram em dez Estados para anunciar sua chegada, do Norte ao Centro-Oeste. Um luxo só.Foi-se o tempo em que o máximo blecaute com que se podia contar no carnaval era a canção de Otávio Henrique de Oliveira, o mesmo de "Chegou o General da Banda, ê, ê". Agora temos para nos embalar a história muito mais imaginosa do galho que atravessou o caminho da rede elétrica entre Colinas e Miracema, no Tocantins, conjurando forças ocultas que desligaram em série três linhões e engoliram 3,6 mil megawatts no Nordeste, "ê, ê".Quem não entendeu muito bem a explicação só pode estar embriagado demais com as firulas técnicas. Nem os engenheiros eletricistas e outros especialistas na matéria levaram a sério a conversa da Eletronorte, alegando que as linhas de transmissão geralmente correm sobre um vasto leito de devastação proposital e sistemática. Logo, se havia árvore sob as torres do Tocantins, o problema não seria o galho sabotador, e sim o descuido das rotinas de manutenção.Daí para insinuar que há qualquer coisa bruxuleando no sistema que gerou a fama da administradora Dilma Rousseff no ministério de Minas e Energia - e agora alimenta sua candidatura à presidência da República - era um pulo. Mas no Carnaval só se pula por bons motivos. A hora é de reconhecer que o enredo da Eletronorte acertou em cheio no quesito alegoria. Culpar a árvore foi um achado sociológico. As árvores no Brasil são as suspeitas de sempre, como diria o capitão Louis Renault, se isto aqui fosse Casablanca. O País está sempre pronto a acreditar que as árvores. mais cedo ou mais tarde, vão lhe aprontar alguma, quebrando calçadas, sujando jardins com folhas mortas, manchando de flores a pintura dos carros e, claro, caindo nos fios para provocar pequenos apagões - porque os grandes só as operadoras do sistema sabem fazer. A má-vontade é tanta, tamanha e tão vasta que o brasileiro típico "quase não sabe os nomes das árvores, das palmeiras, das plantas nativas da região em que vive", segundo o sociólogo Gilberto Freyre, como sempre traduzindo as excentricidades nacionais para o melhor português possível. Certa vez, lá vão quase 90 anos, ele comparou os alarmes contra o desmatamento a "gritos carnavalescos", que se ouvem como convites a não fazer nada. A nota da Eletronorte, como todo samba-enredo que se preza, enrolou-se num mito popular e consagrado, desde que os primeiros povoadores acreditavam que atrás de cada tronco havia índios para atacar suas aldeias, feras para comer seu gado ou doenças tropicais para derrubá-los definitivamente nas redes em que seriam enterrados. Os europeus que vieram ao Brasil no século XIX estranharam a deliberada aridez das cidades, com a selva tão perto de seus subúrbios. O sol batia em cheio sobre ruas sem calçamento, porque à sombra de toda copa haveria perigos inomináveis. Por essas e outras, "limpar" é o nome que ainda se dá a qualquer obra de motosserra. E tudo indica que, passado o carnaval, é o que vai acontecer no Tocantins. Marcos Sá Corrêa e jornalista e escreve no blog marcossacorrea.com.br

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