PUBLICIDADE

Clima interfere na nidificação de aves antárticas

Resultados preliminares da equipe da Unisinos, obtidos na Expedição à Antártica, realizada em dezembro, mostram que as alterações climáticas do último inverno, relacionadas ao El Niño, interferiram na nidificação de diversas espécies de aves. Em alguns casos, houve perda total dos ovos e até morte de indivíduos adultos. Também se verificou que a população de espécies predadoras - gaivotas, pombas-antárticas e skuas - vem crescendo, em detrimento das espécies produtoras. Levantamentos serão complementados em nova expedição, prevista para fevereiro.

Por Agencia Estado
Atualização:

A confirmação, no ano passado, do fenômeno El Niño, ao qual estão associadas diversas anomalias climáticas em todo o mundo, já produziu fortes impactos sobre algumas espécies de aves antárticas. O último inverno do continente gelado foi longo e o mês mais frio foi setembro, e não junho ou julho. Em dezembro, muitas das áreas de nidificação ainda estavam com neve, obrigando as aves a adiar a postura ou despender mais energia para manter os ovos aquecidos. Com o degelo tardio e a ocorrência de fortes ventos, de até 130 km/h, numerosos ninhos foram destruídos e, em algumas áreas onde chegaram as ondas mais altas, os ovos foram carregados pela água e a mortalidade das aves adultas foi de 100%. Devido à falta de espaço livre de neve e gelo para nidificação, alguns pingüins acomodaram-se dentro das colônias de petréis-gigantes, fato nunca registrado pela Biologia. Outros pingüins fizeram seus ninhos sobre o gelo e, com o derretimento, os ovos se partiram no chão. De modo geral, as populações da maioria das espécies de aves decresceu, em relação a dados de 1985/86, com a exceção, apenas, dos predadores. O levantamento foi realizado durante 45 dias, em novembro e dezembro de 2002, por uma equipe do Laboratório de Ornitologia da Universidade Vale dos Sinos (Unisinos), do Rio Grande do Sul, coordenada por Martin Sander. A pesquisa cobriu 80% da Baía do Almirantado, onde se localiza a estação de pesquisas brasileira. Os outros 20% serão cobertos na próxima expedição, prevista para fevereiro próximo. Os dados foram comparados com informações anteriores e tais comparações agora serão aprofundadas, para verificação dos impactos específicos do clima e da presença humana na nidificação de cada uma das espécies antárticas. "O clima não é o único fator determinante para o início da nidificação, ela depende da produção de hormônios, em alguns casos deflagrada pelo fotoperiodismo (duração da luz do dia)", diz Sander, explicando porque as aves fizeram posturas mesmo em condições inadequadas. "Em alguns casos, se os ovos não vingam, as aves fazem outra postura, tardia, mas o próximo inverno pode chegar antes dos filhotes terem condições de suportá-lo". Mais predadores A par da interferência climática deste ano, de modo geral, verificam-se também interferências da presença humana nas populações de aves da baía. Entre os impactos negativos sobre as áreas de ninhos, Sander cita a patrolagem em volta da estação com máquinas, para fazer caminhos; o uso de motos de neve e quadricíclos; a mobilização da terra ou retirada de gelo dos caminhos; além do acúmulo de lixo e despejo de detergentes. "Apesar dos cuidados com a separação do lixo, uso de produtos químicos ou com as trilhas, o ecossistema é muito frágil e qualquer coisa que se faz tem implicações", diz. "O acúmulo de terra num determinado local, por exemplo, pode desviar o curso da água de degelo e tornar uma área de nidificação molhada demais para a postura". Segundo o levantamento, aves que antes nidificavam próximo da estação, como o petrel gigante, hoje só fazem ninhos nas extremidades da baía. A população de trinta-réis ou sternas também vem diminuindo, enquanto a quantidade de ninhos de aves predadoras - como as gaivotas, pombas-antárticas e skuas - têm aumentado, conquistando espaços onde antes só haviam espécies produtoras. As espécies predadoras - que se alimentam de ovos e filhotes das outras aves - têm ocupado áreas impróprias para nidificação e sem registros de ninhos no passado. Adaptaram-se com facilidade e tiram vantagens da convivência com o homem, encontrando abrigo e alimento junto às estações durante o inverno, razão pela qual muitas estão deixando de migrar. Com isso, a idade do início de reprodução tem se antecipado e a população vem aumentando. Esta mudança na composição da fauna é um sinal de fragilização do ecossistema. "O aumento dos predadores em detrimento das espécies produtoras pode levar a um perigoso desequilíbrio, nas condições antárticas", observa o pesquisador. Uma das espécies mais prejudicadas é a Sterna vittata, ave de praia com cerca de 38 cm de comprimento, que nidifica na Antártica e, no inverno, migra para o norte. Ela se reproduz em colônias, colocando os ovos num ninho no chão, uma simples cavidade, de fácil acesso para os predadores. Impactos positivos Nem tudo são problemas, no entanto. Entre os impactos positivos da presença humana, está o uso de novos materiais para a confecção de ninhos, como fios ou pedaços de algodão. "Ainda não sabemos se estes materiais melhoram o resultado da postura, se os ovos melhor protegidos produzem filhotes mais fortes", exemplifica Sander. "Porém, o algodão tende a aquecer mais os ovos do que restos de vegetação antártica, de modo que a proteção pode ser mais eficiente". Alguns dados sobre a eficiência dos "novos" ninhos serão obtidos já em fevereiro, mas esta é uma pesquisa para 5 ou 6 anos. E deve se apoiar em informações colhidas também por pesquisadores de outras especialidades - como química, geologia, fauna bentônica, etc - que integram a próxima expedição. Unisinos/DivulgaçãoLevantamento abrangeu 80% da Baía do Almirantado, onde fica a a estação brasileira de pesquisas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.