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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|‘Rios voadores’?

Já existem mais de 30 países em risco de guerra por causa de água. O Brasil não tem ainda problemas dessa gravidade, mas, afora a Amazônia, está no limiar de tê-los

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Estamos começando a entender o impacto das florestas no aquecimento global. Mas cá, nas nossas terras, não é apenas isso, pois as matas também determinam o regime de chuvas e a existência de água nos canos.

Imaginemos um sólido cidadão, palpitando sobre o desmatamento da Amazônia nas redes sociais. Para ele, é uma atividade econômica como outra qualquer, traz lucros e cria empregos. Ademais, com tantas árvores lá, que falta vão fazer algumas cortadas?

Porém, recordemos o que fez naquele dia. Tomou uma longa chuveirada, mandou lavar o carro e regou o enorme gramado. E a água consumida pela vaca que produziu o suculento bife comido no almoço? E o seu engomado jeans, que exigiu 5 mil litros para ser produzido?

Para ele, água na torneira e árvores na Amazônia são mundos separados. Mas não é assim. O cano que abastece a sua casa traz água de um rio que foi abastecido por nascentes que dependem das chuvas. Mas de onde provém a água dessas chuvas? De um gigantesco rio, vindo da Amazônia.

Mas como? O mapa do Brasil não mostra o tal rio. É que a carta só registra o que está no solo e esse rio é voador. São as pesadas nuvens da Região Norte, migrando em direção ao sul.

Grandes volumes de nuvens se formam nas florestas do centro da África. Empurradas pelos ventos, cruzam o Oceano Atlântico, chegando à região amazônica. Diante do paredão dos Andes, parte delas é defletida para a América Central. São nuvens enfurecidas, dando origem aos furacões. Nós, do sul, tivemos mais sorte, pois as que nos chegam são mansas e tornam mais abundantes as nossas chuvas.

Delírio de meteorologistas? Não parece haver controvérsias a respeito.

O que o nosso ingênuo cidadão não sabe é que, sem florestas, as chuvas escorrem rápido para os rios e se vão. Portanto, não contribuem para o ciclo de sucessivas evaporações, nuvens e chuvas. Sendo assim, encolhem os rios – cuja água, vinda da Amazônia, rega o seu lindo gramado. Ou seja, cortando a Floresta Amazônica, vai faltar água mais para o sul. Principalmente, na agricultura, a maior consumidora dela. O desmatamento provoca uma grande queda no volume do rio voador.

Um fazendeiro cortou as suas matas nativas para soltar um gadinho pé-duro. Ignora que a devastação de 80% da Mata Atlântica levou a um processo de alteração no regime das chuvas semelhante ao da Amazônia. Quando caem na floresta, a absorção pelo solo é lenta. Lá fica, em ambiente úmido, lentamente evaporando. Formam-se, assim, as nuvens.

Do avião, vislumbramos uma bela floresta. Mas não conseguimos ver a gigantesca caixa d’água que é o solo úmido sob ela. No ciclo da água, essa represa subterrânea retém o escoamento. Isso permite que migre para os lençóis freáticos, que, por sua vez, abastecem as nascentes. Quando as chuvas são fortes ou fortíssimas, essa caixa d’água age como uma barragem, impedindo que uma enorme quantidade de água se escoe rapidamente, sem ser aproveitada. Ou seja, a floresta guarda a água e regulariza o fluxo dos rios.

Como perdemos grande parte da Mata Atlântica, nada disso acontece no mesmo ritmo. O resultado foi a redução no fluxo de água dos nossos rios. A exemplo, como resultado dos desmatamentos, encolheram dramaticamente o Rio das Velhas, o São Francisco e o Doce.

No lindo Museu do Ouro, em Sabará, havia em exposição uma enorme âncora. É que, antes de cortarem as matas, o hoje raquítico Rio das Velhas era navegável, até pelos icônicos navios do Rio São Francisco.

Alguns bobocas afirmam com ânimo desafiador: se Europa e Estados Unidos cortaram suas florestas, por que agora decretam que não podemos fazer o mesmo? Errado. Quem tratou mal o meio ambiente foi o Oriente Próximo. Foi o berço da nossa civilização, em razão da sua fertilidade. Mas onde o solo foi maltratado estão hoje algumas das regiões mais áridas do globo. E na África, o Deserto do Saara avança célere. Na China, o de Gobi dispara incontrolável.

A Europa também cortou muitas árvores. Mas, como madeira era matéria-prima insubstituível, já no século 19, começou a inverter-se o processo. A França, desde então, dobrou a sua área de florestas (e as chuvas aumentaram!). A Suíça, em 1876, passou uma lei draconiana: cortou? Plantou! Os Estados Unidos perderam relativamente pouco de sua cobertura florestal e hoje têm um projeto de plantar 2 trilhões de árvores. Esses países pelaram menos e cuidaram mais cedo das matas.

Nos antigos povos, quem tinha ouro comprava tudo. Com a Revolução Industrial, quem tinha minério e carvão comprava o ouro que desejasse. Com o petróleo, são outros os poderosos.

Mas, em futuro próximo, tudo indica que a riqueza maior será a água doce. Ela é pouquíssima no mundo e escasseia cada vez mais. Já existem mais de 30 países em risco de guerra por causa dela. Os Estados americanos do sudoeste, se fossem países, estariam se engalfinhando.

O Brasil não tem ainda problemas de água dessa gravidade, mas, afora a Amazônia, está no limiar de tê-los, por causa da persistente eliminação das florestas. Os estudos recentes fazem predições bem pessimistas. Contudo, a solução é simples: proteger as árvores para proteger as águas.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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