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Opinião|A calçada é pública

Alguns municípios têm tentado transferir a responsabilidade sobre a execução das calçadas para o dono do imóvel, que não detém a propriedade nem direito sobre elas

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503, de 23/9/1997) traz, em seu Anexo I, a definição de calçada: “Parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins”. Ele traz ainda, estabelecendo de maneira mais clara, o que é logradouro público: “Espaço livre destinado pela municipalidade à circulação, parada ou estacionamento de veículos, ou à circulação de pedestres, tais como calçada, parques, áreas de lazer, calçadões”.

O Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257, de 10/7/2001) estabelece de quem é a competência para cuidar das calçadas logo em seu artigo 3.º: “Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: (...) III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público”.

Antes mesmo disso, a lei que trata do parcelamento do solo (Lei n.º 6.766, de 19/12/1979) já revelava de quem é a calçada: “Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo”.

A calçada é do município, que tem até escritura dela.

O Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10/1/2002) também definiu, em seu artigo 99, que bens públicos são “os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”.

Alguns municípios brasileiros têm tentado transferir a responsabilidade sobre a execução das calçadas para o dono do imóvel, que não detém a propriedade nem direito nenhum sobre a calçada. Seu lote começa na divisa entre o terreno e ela. O resultado desta intenção de transferir a responsabilidade é uma tremenda lambança, é o cada um para si, que transformou nossas calçadas em território inacessível. Aqui, em Goiânia, por exemplo, é impossível para um cadeirante contornar uma quadra. Não há concordância nas calçadas entre lotes vizinhos e a inclinação das rampas entre elas, ou às vezes até degraus, impede a circulação de maneira muito distante do que prevê a norma ABNT NBR 9050, que trata das regras que devem ser atendidas para garantir a acessibilidade. A solução tem sido transitar pela rua.

Há algumas fontes de recursos que permitem, no entanto, que o município possa arcar com essa responsabilidade, que deveria estar prevista em sua Lei Orçamentária Anual, já que é sua obrigação.

O artigo 31 do Estatuto da Cidade, por exemplo, permite que os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir sejam aplicados na implantação de equipamentos urbanos, o que inclui as calçadas. Também o artigo oitavo da Resolução 875 do Conselho Nacional de Trânsito considera, no inciso XII, que a implantação de calçadas é “elemento de despesa com engenharia de campo”. Com este enquadramento, ela atende ao disposto no artigo segundo da referida Resolução: “Art. 2.º – As multas aplicadas com a finalidade de punir quem transgride a legislação de trânsito são receitas públicas orçamentárias e destinadas a atender, exclusivamente, as despesas públicas com sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”.

Outro instrumento é a contribuição de melhoria. Participamos, há alguns anos, de um projeto de padronização que permitiria promover a melhoria geral das calçadas e levaria, em alguns anos, a uma acessibilidade geral e desejável. Ao invés de um padrão a ser utilizado por cada proprietário, foi aplicado um padrão a um projeto elaborado para uma quadra completa. Há uma faixa de serviços, onde podem ficar a arborização, os recipientes para o lixo e o posteamento, por exemplo. O passeio, no nosso caso com largura mínima de 1,20 m, é a parte central da calçada e acompanha a inclinação da rua. Não há degraus nem rampas entre dois vizinhos, permitindo um caminhar sem desconforto para pedestres e também para cadeirantes. Não há obstáculos no piso nem aéreos, porque a ramagem da vegetação deve ficar a uma altura mínima de 2,10 m do passeio. Essa parte da calçada também conta com o piso tátil e atende aos requisitos da NBR 9050. É inviável aplicar este modelo a lotes isolados. Quando isso é feito, o resultado é péssimo, em nada diferindo da situação anterior.

Um avanço obtido nesta experiência foi a utilização da calçada para a drenagem de toda a água pluvial que cai sobre ela. Esse resultado foi obtido pela construção de valetas cobertas que recebem esta água e promovem sua infiltração, direcionando-a para o lençol freático. É um benefício adicional.

Existem soluções técnicas, urbanísticas, legais e econômicas que permitem ao administrador municipal executar as calçadas de maneira que a cidade possa ter um aspecto visual melhor e muito mais confortável. Coisa de outro mundo.

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ENGENHEIRO CIVIL, É ASSESSOR INSTITUCIONAL DO CREA-GO

Opinião por Antonio de Padua Teixeira