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Opinião|A crise climática é desafio político, não tecnológico

Mensagem do papa lançada às vésperas da COP 28 poderia ser escutada e debatida com seriedade pelo governo brasileiro, pelas empresas públicas e privadas

Por Leon Patrick Afonso de Souza
Atualização:

Nos últimos meses as notícias sobre ondas de calor severas, aparecimento de flores na Antártida, seca e mortandade de peixes na Amazônia e ciclones no sul do País parecem indicar, outra vez, que as alterações climáticas alcançaram um patamar catastrófico. Atento a esse contexto, em outubro passado o papa Francisco lançou mais um grito em defesa de políticas urgentes para evitar que o colapso destrua mais vidas.

Na exortação apostólica Laudate Deum – uma carta sobre a crise climática, Francisco reitera as reflexões profundas que fez na encíclica Laudato Si’, em 2015. Naquele momento, às vésperas da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em Paris (COP21), o pontífice apresentou um documento robusto, elaborado com base na tradição cristã e no magistério da Igreja Católica e em diálogo com a ciência e com os vários alertas do movimento socioclimático de que o tempo para promover mudanças estava se esgotando. Agora, a Laudate Deum reafirma a centralidade da agenda socioambiental para a Igreja e para a sociedade. Diante do agravamento da situação, que ano após ano parece multiplicar os territórios de sofrimento, especialmente para os mais vulneráveis, o papa Francisco pede medidas urgentes dos governos, de instituições multilaterais e de fóruns como as COPs.

A crise climática é um problema político, e não de rearranjos tecnológicos. O papa chama a atenção para a necessidade de se superar o “paradigma tecnocrático”, fundado numa “ideia de crescimento infinito ou ilimitado” ou na “mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta” (LS, 106). Francisco destaca com preocupação o avanço desse paradigma, que agora conta com o advento da inteligência artificial, de novas tecnologias e do aceleramento das ideias de que aquilo que chamamos de natureza é um “mero recurso ao seu serviço” (LD, 22).

Não é mais aceitável continuar remediando as consequências das mudanças climáticas com medidas tecnocráticas que violam a dignidade de humanos e não humanos. Insistir nisso é um “pragmatismo homicida”, porque “é verdade que são necessários esforços de adaptação face a males irreversíveis a curto prazo e são positivas algumas intervenções e progressos tecnológicos para absorver ou capturar os gases emitidos, mas corremos o risco de ficar bloqueados na lógica do consertar, remendar, retocar a situação, enquanto no fundo avança um processo de deterioração, que continuamos a alimentar” (LD, 57).

Enquanto as promessas tecnocráticas continuarem na mesa como redentoras dos graves problemas socioambientais, continuaremos imersos num emaranhado de catástrofes cotidianas. Especialmente os empobrecidos e empobrecidas, muitas vezes enganados pelas promessas do desenvolvimento, da mineração e dos combustíveis fósseis. O discurso de que o abandono dos combustíveis fósseis vai provocar desemprego não se sustenta, assinala o pontífice, porque, como consequência das mudanças climáticas, milhares de pessoas já perdem seus postos de trabalho e são obrigadas a migrar para outras regiões.

A mensagem do papa Francisco, lançada às vésperas da Conferência do Clima em Dubai (COP 28), poderia ser escutada e debatida com seriedade pelo governo brasileiro, pelas empresas públicas e privadas. Aliás, é o próprio pontífice quem pede que os “políticos e os empresários se ocupem disso imediatamente” (Laudate Deum, 10), ou seja, se debrucem sobre decisões políticas, e não apenas de remendos tecnológicos que definitivamente não solucionam a crise climática.

Se queremos uma transição energética justa, eficiente e audaciosa, não é possível fazê-la enquanto se explora petróleo na foz do Amazonas, mesmo que se acredite ter todas as ferramentas e boa vontade, mesmo com capacidade de equipamentos e inteligência artificial. Não se trata de mitigar um ou outro impacto, mas de permitir que a vida continue sendo possível para outras gerações e que milhões de pessoas e de outros seres não sofram como as populações do Rio Grande do Sul, com os ciclones, e do Amazonas, com a seca dos rios e estiagem extrema prevista para os próximos meses. Abrir novos postos de exploração de petróleo com o discurso de que é possível fazê-lo de forma inteligente é continuar subjugando quem mais sofre com os efeitos das mudanças climáticas.

O papa alerta que as mudanças mais eficazes virão de esforços institucionais e das decisões políticas nacionais e internacionais. Não basta apenas mostrar sensibilidade à agenda das mudanças climáticas. O tempo passou e o porvir só será menos catastrófico se os tomadores de decisões promoverem transformações substanciais, aquelas comprometidas com o hoje e o amanhã, e não com a ilusão do progresso a qualquer custo.

Ao final da Laudate Deum, Francisco pede que todas as pessoas se coloquem num caminho de reconciliação do mundo. O tempo é de reinventar as práticas políticas que superem a dicotomia ocidental-moderna que separa natureza e humanidade. Foi justamente essa separação, e a pretensa superioridade dos humanos sobre outros seres, que levou aos gritos que temos visto em tantos eventos extremos, resultado das alterações do clima.

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MESTRANDO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL NO PPGAS/UFG, É DIRETOR DE CAMPANHAS NA CASA GALILEIA, ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL QUE ATUA PARA FORTALECER O ENGAJAMENTO DE CATÓLICOS E EVANGÉLICOS NAS AGENDAS DEMOCRÁTICAS E SOCIOAMBIENTAIS

Opinião por Leon Patrick Afonso de Souza