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Opinião|A eficiência da justiça brasileira

É possível melhorar a atuação do Executivo para poder aumentar a contribuição da justiça para o bem-estar da Nação.

Atualização:

O tema está na ordem do dia. Os indicadores de eficiência interna apresentam resultados ambíguos. Quando comparados com outros países, o número de juízes por habitante e a quantidade de sentenças por juiz apontam para uma produtividade elevada, e, por outro lado, o custo do Judiciário em relação ao PIB e o tempo médio de sentenças mostram uma ineficiência relativa aqui.

Considerando que a justiça é um bem público, é necessário analisar seu impacto na eficiência da economia como um todo e como o ambiente institucional em que atua afeta seu desempenho. Uma forma para aferir seu impacto é fazer uma comparação entre o tempo médio de sentenças com a taxa de recuperação de falências. É fato: quanto maior a demora, maior é a destruição de valor.

Tomando como base o tempo médio de uma sentença do Reino Unido, o da Itália é 1,6 vez maior e o do Brasil é 4,8 vezes maior. Comparando também com o Reino Unido, o valor do que é perdido numa falência é 1,3 vez maior na Itália e 4,7 vezes maior no Brasil. A correlação é elevada e corrobora a relação de causação de que uma justiça mais demorada é mais onerosa para a sociedade.

Outro aspecto a ser considerado é comparar a complexidade institucional entre os países e o tempo médio de sentenças. Usando como indicador de complexidade o número de horas médio por empresas para pagar impostos e comparando também com o do Reino Unido, o italiano é 2,1 vezes mais complexo e o brasileiro é 13,2 vezes mais.

A ordem de causação é inversa: quanto mais complexa for a tributação, maior é a demora das sentenças. Um juiz brasileiro tem de administrar justiça num ambiente mais ininteligível. Proporcionalmente, é mais eficiente que seus colegas estrangeiros. São dezenas de impostos, taxas e contribuições a mais aqui, no Brasil.

Outro exemplo que ilustra a complexidade institucional é a indexação. Enquanto a Inglaterra e a Itália têm apenas um indexador, que é usado com parcimônia, o Brasil tem mais de dez, usados profusamente. O assunto é tão confuso que há processos sobre a indexação nos planos de estabilização que duram décadas. Centenas de milhões de reais gastos com advogados.

Uma agravante da indexação é a correção de dívidas fiscais. São corrigidas pela taxa Selic. É um contrassenso: desde o Plano Real, aumentou dez vezes mais do que a inflação medida pelo IPCA, 6.676% e 645%, respectivamente. O Estado foca primordialmente em extrair, no curto prazo, o máximo de recursos, mesmo que em prejuízo da sobrevivência econômica dos devedores.

O montante atual das dívidas fiscais equivale à metade do total de crédito do sistema financeiro nacional. Sua quase totalidade é composta da correção monetária e das multas sobre os valores originais, que fazem com que pequenos montantes se transformem em dívidas impagáveis.

O problema é agravado porque o governo entra com ações na justiça para cobrar devedores, com causas com chances remotas de sucesso. Ao todo, são 26,8 milhões de processos de execução fiscal. Há casos de processos em que a causa é de R$ 2,00, e o custo é alocado ao Judiciário, quando deveria ser alocado ao Poder Executivo. O poder público é o maior litigante no Poder Judiciário brasileiro.

As execuções fiscais representam 35% do total de casos pendentes no Brasil. Há processos que se eternizam. São 7,1 milhões de processos suspensos e entram mais processos do que saem. Na crise, a inadimplência piorou e o Estado, em vez de ser parte da solução, é parte do problema da economia, entulhando e onerando o Judiciário.

O Poder Judiciário é utilizado como cobrador de dívidas de devedores sem patrimônio para quitá-las. Há uma interpretação equivocada da Lei de Responsabilidade Fiscal no que concerne à renúncia de receitas. Não é possível falar em renúncia de receita quando o montante perseguido é inferior ao próprio custo do processo.

Agravando o quadro, quando perde, o Estado recorre sistematicamente usando prerrogativas processuais, tais como prazos diferenciados para contestação, ser um credor privilegiado na falência, em detrimento de demais credores, e a prática dos atos judiciais de seu interesse independe de prévio depósito. A justificativa para essas prerrogativas é o interesse público.

Interesse público é a promoção do emprego, da solvência de cidadãos e empresas, de um Judiciário eficiente e de ressarcir o Judiciário por serviços recebidos. Interesse público não pode ser confundido com extrativismo fiscal, um regime em que se paga apenas porque a lei prescreve.

É fato: a eficiência interna da Justiça pode ser aprimorada. Há várias ações em curso nesse sentido, com destaque para propostas do Conselho Nacional de Justiça e de trabalhos de juízes da Associação Paulista de Magistrados em conjunto com o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. É fato, também, que há espaços para melhorias na atuação do Executivo de todos os níveis de governo, que podem aumentar a contribuição da justiça para o bem-estar da nação brasileira.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA E JUÍZA DE DIREITO

Opinião por Roberto Luis Troster
Vanessa Ribeiro Mateus