Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|A indenização por abandono afetivo nas relações familiares

Como esperar que o indivíduo que é alijado de afeto desde o berço conviva harmoniosamente em sociedade?

Por Fernanda Oliveira Fernandes, Larissa Claudino Delarissa e Ricardo Sordi Marchi

A Constituição federal de 1988 protege de maneira especial as crianças, adolescentes e idosos impondo igualmente à família, à sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar-lhes o exercício de seus direitos constitucionais, dentre eles, o direito à dignidade e à convivência familiar.

Nesse contexto, as discussões sobre os reflexos jurídicos do abandono afetivo nas relações familiares vêm ganhando cada vez mais espaço na sociedade. Entende-se por abandono afetivo o descumprimento intencional do dever de cuidado devido aos filhos e idosos. Essa omissão é considerada por psicólogos como um ato de violência contra aquele que é abandonado.

Visando regulamentar essa situação, em 2021, foi aprovado o Projeto de Lei n.º 4.294/2008, que altera o Código Civil e o Estatuto do idoso (Lei n.º 10.741/2003) para qualificar a conduta de abandono como um ilícito civil, passível de acarretar danos morais.

Ao lado da produção legislativa, os tribunais pátrios há muito se mostram sensíveis a esse tema. Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça condenou um pai ao pagamento de indenização por dano moral em razão do abandono afetivo de sua filha. Em 2017, através do julgamento do Recurso Especial n.º 1.481.531/SP, consolidou-se o entendimento de que a negligência afetiva interfere diretamente na integridade física, moral, intelectual e psicológica da criança, causando danos à sua própria dignidade, concluindo que “amar é uma opção, cuidar é uma responsabilidade”.

Ora, é papel dos pais prepararem os filhos para o convívio coletivo, e o lar é a primeira sociedade em que o indivíduo está inserido. Como esperar que o indivíduo que é alijado de afeto desde o berço conviva harmoniosamente em sociedade? Dessa forma, o objetivo da previsão de indenização pelo abandono afetivo, para além do caráter punitivo da norma, é sobressair o seu caráter educativo ao reafirmar o dever recíproco de cuidados que deve existir entre pais e filhos, na infância, e entre filhos e pais, na velhice.

A ação indenizatória poderá ser ajuizada pelo representante legal da criança e/ou adolescente, enquanto menores, ou pelo próprio interessado em até três anos após atingida a maioridade civil. Para os idosos, a ação poderá ser proposta a qualquer momento, enquanto perdurar a situação de abandono.

Devemos estar sensíveis à importância do afeto nas relações familiares, pois, conforme consta da exposição de motivos que originou a proposição legislativa, se não é possível obrigar filhos e pais a se amarem, deve-se, ao menos, permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado.

*

ADVOGADOS, SÃO SÓCIOS DE BRASIL SALOMÃO E MATTHES ADVOCACIA

Opinião por Fernanda Oliveira Fernandes, Larissa Claudino Delarissa e Ricardo Sordi Marchi