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Opinião|A parcialidade da atuação da TI no Brasil

Polêmica em torno de parâmetros, vieses e interesses da Transparência Internacional escancara inconsistências

Por Mauro de Azevedo Menezes e Marco Aurélio de Carvalho

A divulgação do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) 2023 pela Transparência Internacional (TI), associada à investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre recebimento e gestão de recursos públicos pela filial brasileira da ONG, oriundos de multas previstas em acordos de leniência decorrentes da Operação Lava Jato, suscitam indícios de parcialidade na atuação da instituição no Brasil.

Calculado pela TI anualmente, o IPC avalia 180 países, aos quais se atribuem notas relacionadas à capacidade estatal de prevenir e combater a corrupção. No IPC 2023, o Brasil perdeu pontos e sofreu queda de dez posições no respectivo ranking internacional de integridade. Esse resultado gerou perplexidade, pois justo em 2023 o País iniciou a superação da grave desconstrução de políticas públicas de controle republicano, perpetrada pelo governo Jair Bolsonaro, período no qual, paradoxalmente, houve progressão e estabilidade da pontuação brasileira no IPC. Em sua Retrospectiva Brasil 2023, a TI tenta justificar que, a despeito de “nos anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República” terem sido “destruídos os marcos legais e institucionais anticorrupção que o País levou décadas para construir”, o efeito negativo na percepção de corrupção veio incidir durante o terceiro governo do presidente Lula.

Num esforço vão para explicar essa contradição, a TI trouxe em seu relatório dados colhidos de última hora, fora do marco temporal da análise. Numa canhestra montagem de frases soltas e desconexas, a ONG suscitou “pontos negativos” do novo governo, sugerindo que o País teria, em 2023, retrocedido na prevenção e no combate à corrupção, em comparação com o período Bolsonaro. Longe de mensurar a prática de atos de corrupção no País, a TI mencionou, como fatores decisivos para o declínio verificado, decisões judiciais do ministro Dias Toffoli, do STF, conquanto regulares processualmente, além de nomeações, igualmente válidas constitucionalmente, do novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e do novo ministro do STF Cristiano Zanin. Estes são parâmetros claramente destituídos de objetividade e pertinência.

Por outro lado, a vinculação mantida pela TI com a força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF) gera inegável parcialidade em seus juízos sobre o fenômeno da corrupção no Brasil. Afinal, sob o falso pretexto de exercitar uma missão grandiosa, a Lava Jato desencadeou anômala e odiosa perseguição política, atropelando normas e limites legais de investigação e produzindo julgamentos forjados, à margem de provas e responsabilidades. A operação resultou subvertida num inidôneo projeto de poder e locupletamento. Coube ao STF interromper esse ciclo desastroso – que prejudicou reputações e afetou setores pujantes da economia nacional –, ao reconhecer os abusos praticados e a parcialidade do juiz que a simbolizava, responsável por condenar injustamente o então ex-presidente Lula.

Embora recentemente a TI haja intentado distanciar-se da Lava Jato, admitindo erros em sua relação com a força-tarefa, a Retrospectiva Brasil 2023 segue usando a terminologia consagrada pelos “lavajatistas”, ao designar uma investigação repleta de ilegalidades, em conluio escandaloso entre MPF e magistrado, como “o maior caso de corrupção transnacional da História”. Essa ligação umbilical entre TI e Lava Jato não está desfeita e influencia esta teratológica avaliação do Índice de Percepção de Corrupção 2023, divulgado pela ONG.

Em breve, pode estar sendo desvendada a causa desta incompreensível atitude de uma entidade que se propõe a defender a transparência, a higidez dos sistemas de justiça e a integridade no exercício das funções públicas. Com abertura da investigação pelo Supremo, a TI terá de explicar por que postulou gerir recursos públicos equivalentes a bilhões de reais, arrecadados pelo Ministério Público Federal em decorrência de multas determinadas em acordos de leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato. Isso está documentado, inclusive num termo de cooperação firmado entre a ONG e o MPF, envolvendo a apresentação de plano de trabalho. Tais dados traduzem, no mínimo, provas de ter havido ao menos um requerimento da Transparência Internacional para administrar verbas financeiras a serem recebidas justamente a partir de acordos de leniência concretizados no contexto da abusiva atuação da Lava Jato, a quem a própria ONG apoiou com entusiasmo, atitude fora do comum para uma entidade estrangeira com filial estabelecida em nosso país.

Se tais demandas de natureza gerencial e/ou financeira da TI realmente se consumaram – e a que ponto –, assim como se esses fatos constituem atos de improbidade administrativa ou mesmo infrações penais, dirá a investigação a ser desenvolvida pelo STF. Mas já se pode supor a razão pela qual a Transparência Internacional subscreveu um relatório tão vergonhoso em relação ao Brasil, cheio de inconsistências, incoerências e nítidos vieses, que exprimem a contaminação política de uma entidade que deveria zelar pela sua isenção.

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ADVOGADOS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, MESTRE EM DIREITO PÚBLICO PELA UFPE, DOUTORANDO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS NA UNIVERSIDAD PABLO DE OLAVIDE E PROFESSOR CONVIDADO NA UNIVERSIDAD CASTILLA LA MANCHA; E FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS JURISTAS PELA DEMOCRACIA (ABJD), MEMBRO DO CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SOCIAL SUSTENTÁVEL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E COORDENADOR DO GRUPO PRERROGATIVAS

Opinião por Mauro de Azevedo Menezes

Advogado, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, mestre em Direito Público pela UFPE, doutorando em Ciências Jurídicas e Políticas na 'Universidad Pablo de Olavide', é professor convidado na 'Universidad de Castilla La Mancha'

Marco Aurélio de Carvalho

Advogado especializado em direito público, é fundador da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e coordenador do Grupo Prerrogativas