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Opinião|Adequação das patentes em defesa da vida

Direitos constitucionais fundantes de proteção à saúde e ao consumidor devem prevalecer

Por Marcus Vinicius Furtado Coelho e Gustavo Svensson

O Supremo Tribunal Federal (STF) terá hoje, dia 7 de abril, uma chance histórica ao julgar a ação que questiona parte da Lei de Propriedade Industrial (LPI), responsável por regular a concessão de patentes em território nacional. Está em discussão um dispositivo que abre brechas para a prorrogação das patentes para além de 20 anos, prazo geral adotado em diversos países em decorrência de tratados internacionais.

A permissão para a extensão indeterminada de prazo está relacionada ao tempo que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) leva para analisar e conceder as patentes. No prazo adicional, mantém-se o monopólio da fabricação e da comercialização em benefício do detentor da patente – e em prejuízo do restante da sociedade.

A Constituição delegou ao Congresso detalhar determinadas questões, mas delimitando a moldura dentro da qual o legislador pode trabalhar. Uma vez ultrapassados os limites, cabe ao STF, guardião da Constituição, apreciar e afastar a inconstitucionalidade.

No caso das patentes, o texto constitucional definiu que é possível patentear invenções, mas condicionou isso ao interesse social, à promoção do desenvolvimento tecnológico e econômico nacional e desde que se trate de um privilégio temporário. Essa é a moldura para o Congresso definir as regras específicas, como o estabelecimento do prazo de vigência das patentes.

Essas regras foram definidas em 1996 pela LPI. Desde então, especialistas vêm apontando equívocos nessa legislação. Com o passar do tempo, os efeitos negativos da extensão das patentes começaram a ser sentidos e foram agravados no contexto atual da crise sanitária que vivemos, já que alguns monopólios remanescentes são de medicamentos.

Tal quadro motivou o procurador-geral da República a questionar a lei e pedir brevidade para o julgamento no STF. A iniciativa, longe do populismo, pode alinhar o Brasil com as práticas e os acordos internacionais, ampliando a concorrência, reduzindo os preços ao consumidor e a governos e fomentando a pesquisa nacional (porque quase todas as patentes estendidas foram desenvolvidas fora do País).

A pandemia requer mais investimentos na saúde e auxílios emergenciais, num contexto de grave crise fiscal. De outro lado, a extensão indefinida dos monopólios causa impactos significativos sobre os orçamentos de saúde, tanto públicos como privados. Estudo recente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) analisou 900 medicamentos comprados pelo governo e concluiu que a extensão das patentes tem um custo extra de R$ 2 bilhões por ano para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Quem paga a conta da extensão das patentes é o consumidor que necessita dos remédios protegidos. Com a vigência prolongada, há um sobrepreço imposto pelo monopólio, obrigando ao pagamento de valores superiores aos que vigeriam se houvesse concorrência. Por lei, os medicamentos genéricos devem ser ao menos 35% mais baratos. Mas a economia pode superar 98% em alguns remédios se o privilégio for retirado da lei.

No aparente conflito entre garantir proteção estendida à propriedade intelectual e assegurar o direito à saúde na pandemia, é certo que o último deve prevalecer. A jurisprudência do STF, aliás, é farta em conferir prevalência à tutela do direito fundamental à saúde, mesmo que isso implique restringir o gozo de direitos individuais ou que haja interferência do Estado no domínio econômico. Foi isso que o tribunal fez, recentemente, ao concluir pela constitucionalidade da vacinação compulsória e das medidas de restrição ao comércio e de isolamento social.

A prorrogação por prazo indeterminado das patentes afronta o direito fundamental à saúde e a defesa do consumidor. Também aumenta significativamente o custo de medicamentos, onera o SUS, impede a comercialização dos genéricos, atrasa a inovação tecnológica nacional e prejudica o acesso universal e igualitário a tratamentos de saúde.

A análise do Supremo verificará o respeito a limites definidos no texto constitucional, como a liberdade de concorrência, a defesa do consumidor, o direito de acesso à saúde e a medicamentos. Essa é a dimensão jurídica do problema e, portanto, cabe a atuação do Judiciário. Os desdobramentos da decisão, no entanto, irão além, porque a legislação atual estimula o detentor de um pedido no Inpi a procrastinar o processo de concessão da patente para gozar de monopólio não por 20 anos, mas por 25 anos, 30 anos ou mais.

No início deste século enfrentamos uma guerra contra um vírus e em favor da vida, o que exige, mais do que retórica, ações concretas. Assim como em outros momentos históricos em que a ciência e a tecnologia se mostraram essenciais – uma questão de vida ou morte –, a sociedade brasileira espera que o STF dê esse importante passo na direção de afastar a inconstitucionalidade da legislação sobre patentes, compatibilizando-a, de forma justa e equilibrada, com a Constituição de 1988. Os direitos constitucionais fundantes de proteção à saúde e ao consumidor devem prevalecer.

ADVOGADO, EX-PRESIDENTE NACIONAL DA OAB;

E SECRETÁRIO-GERAL DO IBPI

Opinião por Marcus Vinicius Furtado Coelho
Gustavo Svensson