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Opinião|Apostas esportivas e o combate à lavagem de dinheiro

Lei n.º 14.790/2023 representa uma resposta ao combate à corrupção e um avanço nas atividades empresariais e econômicas do Brasil

Por Thiago Luís Sombra e Izabela Pacheco Telles

A corrupção no cenário das apostas esportivas tem sido um ponto de atenção em âmbito global. No Brasil, as discussões sobre a regulamentação das apostas esportivas online (betting) se intensificaram em 2023, até a publicação da Lei n.º 14.790/2023, sancionada com alguns vetos do presidente da República.

A lei estabelece regras para a operação comercial de empresas no mercado de apostas esportivas de cotas fixas, conhecidas como bets, e determina uma estrutura para o funcionamento dessas atividades no território brasileiro, visando principalmente a mitigar riscos associados à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Para combater as práticas de lavagem de dinheiro associadas às apostas do tipo bet, é fundamental compreender alguns dos riscos envolvidos, como a transferência eletrônica instantânea de créditos, a ausência de interações presenciais, a aceitação de jogadores de diferentes países, a movimentação de grandes volumes de dinheiro – muitas vezes em espécie – e a facilidade de intercâmbio entre créditos de aposta e dinheiro.

No cenário internacional, em dezembro de 2023, na Conferência dos Estados-membros da United Nations Office on Drugs and Crimes (UNODC), foi divulgada a estimativa de que cerca de US$ 1,7 trilhão foram apostados em mercados ilícitos controlados por organizações criminosas estrangeiras. Esse dado ressalta a necessidade de um movimento global para aprimorar as medidas de combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados às apostas esportivas online, em linha com as orientações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/Fatf), conforme sugerido no relatório sobre as vulnerabilidades de cassinos e do setor de jogos online, publicado em 2009 pelo Fatf.

No evento, o coordenador da Interpol destacou que a manipulação de competições esportivas (match fixing) representa uma das modalidades de crime organizado transnacional mais associadas à lavagem de dinheiro e apontou que a prática é uma “porta de entrada para variados tipos de crime”. Na mesma ocasião, foi ressaltado o interesse do Departamento de Justiça americano (DoJ) em expandir sua atuação sobre as questões de corrupção no esporte, tal como ocorreu no passado com os casos Fifa e Conmebol.

Nesta linha, a Interpol, o UNODC e o Comitê Olímpico Internacional (COI) publicaram, em 2023, um guia no qual abordam a importância das investigações para monitoramento da origem e destino dos recursos envolvidos em apostas esportivas; como se processa a manipulação das apostas esportivas online; os princípios éticos relevantes para a competição e manipulação dos resultados no esporte; a relevância das investigações corporativas em empresas que promovem as apostas esportivas; e aspectos práticos das investigações.

Considerando o contexto internacional, a Lei n.º 14.790/2023 assume uma importância ainda maior e estabelece medidas de compliance bastante oportunas, entre elas: um canal de comunicação para o atendimento dos apostadores via ouvidoria; adoção de políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, política de jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico e política de integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes.

No entanto, a lei ainda conta com pontos pouco claros que demandam regulamentação. Um deles envolve a seção “da integridade das apostas”, que estabelece que a empresa autorizada a explorar apostas de cota fixa “adotará mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de apostas de cota fixa”. Embora o texto não defina como deveria ser construída a governança de prevenção à lavagem de dinheiro, presume-se que as empresas devam adotar requisitos mínimos condizentes com as resoluções do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre transações suspeitas, que, por sua vez, também deverá editar um ato normativo regulamentar mais específico para o setor de apostas esportivas. Outro ponto sujeito à regulamentação decorre da necessidade de “o agente operador integrar organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva”, afinal ainda precisarão ser definidas que entidades seriam essas.

A promulgação da Lei n.º 14.790/2023 representa um avanço significativo no Brasil e uma resposta ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no contexto das apostas esportivas, simultaneamente ao fomento de uma atividade empresarial economicamente relevante. A integridade e a transparência no crescente mercado de apostas esportivas demandarão controles efetivos e uma reavaliação constante dos riscos de operações suspeitas, mediante a criação de uma governança apropriada e capaz de dar respostas aos desafios transfronteiriços, em linhas com as melhores diretrizes internacionais.

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Izabela Pacheco Telles

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