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Opinião|Assistência médica depende de bons médicos

Entidades médicas reforçam preocupação com a qualidade de formação do médico no Brasil

Por Cesar Eduardo Fernandes, Eliete Bouskela, Hiran Gallo e Raul Cutait

A boa assistência médica é um direito de qualquer cidadão e está vinculada ao indissociável binômio acesso com qualidade, o qual depende de vários fatores, dentre eles a capacitação de seu principal agente efetor, o médico. O fato é que médicos com formação deficiente são mais propensos a gerar diagnósticos e tratamentos inadequados, os quais se associam a sofrimento, recursos financeiros mal aplicados e utilização indevida dos limitados equipamentos de saúde, em especial no setor público.

Infelizmente, o que está acontecendo no Brasil em relação ao ensino médico fragiliza a proposta de qualidade de formação dos futuros profissionais. Em decorrência de uma política a nosso ver equivocada, facilitou-se a abertura de novas escolas médicas pelo País afora, sob a premissa de que faltavam médicos, em especial em cidades pequenas. O fato é que já temos 2,8 médicos por mil habitantes, semelhante a alguns países desenvolvidos, mas mal distribuídos pelo País, que convive com disparidades tais como 1,3 médico por mil habitantes no Maranhão e 6,3 no Distrito Federal. Isso se explica pela natural busca dos profissionais por melhores condições tanto de trabalho quanto de vida pessoal e familiar, e é algo que não se resolve com o aumento desmesurado do número de faculdades de Medicina. Diga-se de passagem, países como Estados Unidos, França e Canadá também têm seus chamados “desertos médicos”, ou seja, regiões ou cidades que não atraem médicos para ali residir.

Nas últimas duas décadas, passamos de cerca de 200 para 390 faculdades de Medicina, com capacidade de formar em torno de 50 mil médicos por ano até a próxima década, havendo quase 100 recentemente autorizadas e ao redor de 350 com liminares sendo avaliadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além dos inerentes problemas de formação, por causas a serem discutidas adiante, cremos ser extremamente injusto criar, para milhares de jovens, a esperança de uma vida profissional que não irá se concretizar, simplesmente porque o mercado não irá comportar o excessivo número de médicos que serão disponibilizados.

No presente, a discussão maior é como definir critérios para que boas escolas médicas possam se manter ativas e, de forma racional, para que as incompetentes sejam fechadas. Nesse sentido, é louvável a declaração do ministro da Educação, Camilo Santana, de se desenvolver novos critérios para avaliar a qualidade do ensino superior.

Essa tem sido uma constante preocupação das entidades médicas, que, há anos, vêm conjuntamente defendendo seis critérios básicos para o funcionamento de uma escola médica. 1) Corpo docente qualificado e presente. Não existem no País professores qualificados em número suficiente para as faculdades já existentes, sendo importante entender que, em Medicina, um professor não ensina apenas aspectos técnicos da profissão, mas também comportamento médico e ético, o que só ocorre pelo contato constante com os alunos, ensinando-lhes, principalmente pelo exemplo, as bases da sagrada relação médico-paciente. Nesse sentido, é mal-vindo o modelo do professor itinerante, que leciona simultaneamente em várias faculdades. 2) Avaliação e acreditação periódicas das faculdades. São fundamentais para parametrizar o ensino oferecido e respaldar a continuidade de funcionamento. 3) Avaliação e acreditação dos estabelecimentos de treinamento. É uma falácia acreditar que hospitais e outras unidades de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), voltados para o atendimento, a maioria com deficiências estruturais, sejam facilmente adaptados para o ensino, que exige dinâmica completamente distinta, além de que hospitais menores não têm a diversidade de casos necessários para a formação do médico. 4) Obrigatoriedade de as faculdades terem acoplados estabelecimentos de treinamento acreditados. Esse tem sido o maior entrave observado no presente com muitas faculdades, que literalmente não têm como oferecer experiências clínicas a seus alunos. 5) Validação do diploma por meio de exame final de proficiência. É relevante pelo cenário atual de formação insatisfatória por considerável parcela das faculdades de Medicina já atuando; dois exames intermediários, conforme já preconizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), são bem-vindos, mas infelizmente não têm sido realizados. Seguramente, os índices de aprovação irão impactar o mercado de ensino, valorizando ou não as diversas instituições de ensino. 6) Obrigatoriedade de as faculdades fornecerem programas de residência médica. É inaceitável o descompasso já existente entre número de vagas para graduação e residência médica, fundamental para a formação de especialistas, e que só tende a se agravar.

Dois outros tópicos merecem menção: uma ampla discussão sobre currículo médico, tanto técnico quanto humanístico, e a obrigatoriedade do Revalida, exame para aqueles que se formaram em outros países poderem exercer a medicina no Brasil.

Em síntese, as entidades médicas reforçam sua enorme preocupação com a qualidade de formação do médico no Brasil, que impacta a qualidade de atendimento de nossa população, assim como reiteram o compromisso perante a sociedade de ajudar de maneira ativa e objetiva a equacionar o futuro de nossa saúde.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA; PRESIDENTE DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA; PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA; E MEMBRO DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA

Opinião por Cesar Eduardo Fernandes

Presidente da Associação Médica Brasileira

Eliete Bouskela

Presidente da Academia Nacional de Medicina

Hiran Gallo

Presidente do Conselho Federal de Medicina

Raul Cutait

Membro da Academia Nacional de Medicina