Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Emissões de metano e a emergência climática

Metano emitido por aterros sanitários é muito maior do que o valor oficialmente declarado, e quem paga esse preço é o planeta

As emissões de metano (CH4) proveniente das operações de aterros sanitários no Brasil são muito maiores do que as reportadas à Convenção das Nações Unidas para o Painel de Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), de acordo com estudos recentes que analisaram observações da Nasa através de seus satélites, em inúmeros aterros no mundo, incluindo o Brasil. Com a devida correção das emissões, a disposição final de resíduos em aterros sanitários no Brasil se iguala às emissões de metano de todo o setor agropecuário brasileiro.

O metano é um gás de efeito estufa (GEE) 86 vezes mais potente que o dióxido de carbono durante suas duas primeiras décadas na atmosfera. Conter as liberações do gás dos aterros poderia desacelerar fortemente as mudanças climáticas, mais do que qualquer outra medida isolada.

O Brasil é signatário do Acordo de Paris, em que assumiu a meta de redução de 50% das emissões de GEEs até 2030 (com base em 2005), bem como do Acordo Global de Metano (Global Methane Pledge), com compromisso de reduzir em 30% as emissões de metano entre 2020 e 2030. Segundo a United Nations Environment Programme (Unep), o Acordo de Paris não pode ser alcançado sem uma redução das emissões de metano de 40% a 45% até 2030. Uma redução dessa magnitude evitaria quase 0,3°C de aquecimento até 2045 e complementaria os esforços de mitigação das alterações climáticas no longo prazo.

O Brasil estabeleceu também metas em matéria de gestão de resíduos, por meio do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) de 2022, que são pouco arrojadas e visam a desviar e tratar apenas 27% dos resíduos sólidos urbanos até 2030. Ainda que todos os aterros no Brasil implementassem sistemas de coleta de biogás com geração de energia ou biometano, não seria possível que o setor de resíduos sólidos cumprisse com suas metas climáticas globais relacionadas às reduções de gases de efeito estufa.

Os aterros sanitários contribuem com o aquecimento global muito mais do que os lixões, que têm menor geração de metano. Além disso, apenas de 30% a 50% do metano gerado nos aterros sanitários é, na prática, passível de ser capturado, fazendo com que de fato os aterros sejam mais poluidores do que benéficos na luta contra o aquecimento global, devendo, assim, compensar suas emissões.

De acordo com dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), as emissões de metano relativas especificamente à Disposição de Resíduos Sólidos foram de 1.327.571 toneladas em 2005 e de 2.018.679 toneladas em 2020. Assim, houve um aumento de 691 mil toneladas de metano no período de 15 anos, correspondendo ao maior aumento absoluto de emissões de metano entre todos os setores e também o maior aumento relativo (+52%).

Conforme dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, de autoria da extinta Abrelpe, observa-se que, no mesmo período de 2005 a 2020, a quantidade de resíduos sólidos urbanos disposta em aterros sanitários passou de 40% para 60% do total coletado, enquanto a quantidade destinada aos lixões foi reduzida de 60% para 40%.

Com base nos dados de emissões publicados pelo MCTI, observou-se também que houve um aumento de 33% das emissões de GEEs oriundas da disposição final de resíduos sólidos, que passou de 0,6 tonelada de carbono por tonelada de resíduo depositado, em 2005, para 0,8 tonelada em 2020.

Assim, podemos notar que, para o mesmo intervalo de 2005 a 2020, tanto a quantidade relativa de resíduos descartados em aterros sanitários quanto as emissões relativas (por tonelada descartada) aumentaram significativamente. Conclui-se, portanto, que, de acordo com essas fontes de dados, a substituição de lixões teve como efeito colateral a piora das emissões de metano do setor de resíduos sólidos.

Obviamente, não há a menor intenção de defender os lixões, que representam um grave problema para a sociedade, decorrente da contaminação do solo e das águas subterrâneas, e que por isso precisam ser eliminados. No entanto, as conclusões acima deixam claro que os lixões não devem ser substituídos por aterros sanitários, mas sim por sistemas de tratamento adequados que estabilizem os resíduos antes que possam ser destinados a aterros, conforme determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Em carta do professor Nickolas J. Themelis, da Universidade de Columbia (NY), e dos membros do Global WtERT Council, representando universidades e institutos de pesquisa de 26 países, ao comitê organizador da COP-27, apresentou-se uma série de estudos recentes considerando medições diretas de plumas de metano de aterros sanitários, cujos dados indicam que as emissões reais medidas são, em média, mais que o dobro das emissões modeladas relatadas nos atuais inventários de gases de efeito estufa, fazendo com que as emissões de metano de aterros sanitários nos EUA se equiparem às emissões de metano de todo o seu setor agrícola, o que também se observou no Brasil, com números ainda maiores, com base no diferencial entre as emissões declaradas e aquelas observadas via satélites.

Um recente estudo publicado pela Carbon Mapper referente às observações de satélites indicou que as medições das emissões de metano das operações de petróleo e gás pela Nasa sobre o Texas são muito maiores que as declaradas à UNFCCC. Outro estudo publicado em setembro de 2023, relativo aos superemissores de metano no mundo, considerando as fontes de óleo, gás, carvão e aterros sanitários, apontou que os superemissores de metano identificados no Brasil são representados apenas por aterros sanitários.

Numerosas organizações e iniciativas internacionais estão se organizando para verificar dados de sistemas de satélite, melhorar a confiança e a usabilidade desses dados e também integrar essas informações com outras fontes de emissões. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estabeleceu vários esforços emblemáticos, incluindo o Observatório Internacional de Emissões de Metano (Imeo, na sigla em inglês), que planeja gerar uma imagem holística das emissões globais de metano a partir de relatórios de empresas, dados de satélite e medições de estudos científicos. Um dos objetivos da ONU é melhorar a precisão das emissões comunicadas, conduzindo as empresas para métodos de comunicação baseados em medições.

Em estudo recém realizado pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), comparando as medições de 113 observações de satélite em 22 aterros no Brasil, no período de dezembro de 2022 a julho de 2023, com as emissões fugitivas de metano declaradas à ONU por 13 aterros do Brasil (cujos dados são públicos), conclui-se que os dados de satélite contrariam os números reportados à ONU, que se baseiam em fatores de emissões e coeficientes teóricos que não correspondem à realidade.

Assim, os dados registrados por satélites, referentes a 14 aterros brasileiros, indicam que as estimativas resultantes das metodologias teóricas historicamente utilizadas pela UNFCCC estão muito abaixo dos valores reais medidos, com enorme variação entre os projetos. A média dos valores obtidos via observações de satélite corresponde a 6,5 vezes os valores estimados nas declarações. Ainda que consideremos a margem de erro das medições, as vazões de metano observadas seriam de 3 a 10 vezes maiores que as reportadas à UNFCCC nos contratos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Observou-se que os aterros com maior diferencial entre os dados do MDL e medições de satélite referem-se aos projetos que declararam 92,8% de captura de biogás, índice idêntico adotado por vários projetos analisados. Por outro lado, aqueles que haviam considerado eficiência de captura inferior a 50%, apesar de também estarem acima das medições de satélite, apresentaram valores mais próximos, com menor margem de erro.

De acordo com dados do MCTI, observamos ainda que, em 2020, a disposição final de resíduos sólidos (aterros e lixões) era responsável por cerca de 10% do total das emissões de metano no Brasil, enquanto o setor agropecuário representava mais de 70% do total. No entanto, se extrapolarmos o diferencial médio entre as medições reais dos satélites e o reportado à UNFCCC pelos aterros analisados (superior a seis vezes), concluímos que a atividade de disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários estaria no mesmo nível de todo o setor agropecuário, ambos próximos de 45% do total das emissões de metano no Brasil.

Segundo o Unep, o metano não é somente um poderoso gás de efeito estufa que acelera o aquecimento global, mas também um poluente atmosférico prejudicial à saúde humana, às culturas agrícolas e aos ecossistemas, sendo responsável por cerca de metade do crescimento da formação de ozônio troposférico. Ainda segundo o Unep, a exposição de longo prazo à poluição do ozônio está relacionada a 1 milhão de mortes anuais prematuras por causa de doenças respiratórias.

A constelação de satélites e aeronaves de monitoramento de emissões de metano tem o potencial de transformar o Acordo de Paris e futuros pactos climáticos globais em componentes aplicáveis do Direito Internacional. Neste momento, o acordo contém objetivos ambiciosos para as alterações da temperatura global, implicando cortes drásticos nas emissões. No entanto, não existem mecanismos de monitoramento e fiscalização, fazendo com que os países assumam compromissos de redução de emissões e reportem as suas emissões por meio de inventários, cuja precisão tem sido questionada por grupos científicos e pela mídia.

Sistemas de medição de metano via satélite, como os da GHGSat e da Nasa, oferecem maior precisão quanto aos relatórios nacionais de emissões e identificação de pontos críticos de emissões. A aplicação dessa tecnologia está acelerando rapidamente e uma crescente constelação de satélites está tornando o metano cada vez mais visível, ao passo que a maioria das nações do mundo comprometeu-se com reduzir sua emissão em 30% até 2030. Juntas, a tecnologia e a política podem detectar emissões, estimular regulamentações e ativar mercados. O clima global, o ambiente local e a saúde pública se beneficiarão de ações conjuntas adotadas para gerir o metano nesta década decisiva.

*

PRESIDENTE EXECUTIVO DA ABREN, VICE-PRESIDENTE DO GLOBAL WASTE-TO-ENERGY RESEARCH AND TECHNOLOGY COUNCIL (WTERT), PRESIDENTE DO WTERT BRASIL, É PROFESSOR DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV) SÃO PAULO NO MBA EM ‘ADMINISTRAÇÃO: RECUPERAÇÃO ENERGÉTICA E TRATAMENTO DE RESÍDUOS’

Opinião por Yuri Schmitke A. B. Tisi